Reajustes dos salários na Argentina não acompanham inflação e consumo desaba

Números oficiais não refletem perda de poder de compra dos salários na Argentina; consumo de carne é o mais baixo em 100 anos

859
Pessoas em situação de rua em Buenos Aires, Argentina
Pessoas em situação de rua em Buenos Aires, Argentina (foto de Martín Zabala, Xinhua)

Apesar da desaceleração inflacionária e do aumento da renda individual medida em dólares, o poder de compra dos salários na Argentina ainda não conseguiu se recuperar, em um contexto de altas tarifas e aluguéis que pressionam o poder de compra da população. Nos primeiros 11 meses do ano passado, os salários na Argentina tiveram reajustes entre 115,6% e 140,8%, nos setores público e privado, respectivamente, ou seja, acima da inflação oficial, de 117,8% em 2024. Outros dados, porém, revelam queda no poder de compra e, consequentemente, no consumo.

“A economia argentina viu um aumento fenomenal nos custos em dólares no último ano, e o principal fator que ficou para trás nessa tendência foram os salários”, disse Martin Epstein, analista do Centro de Economia Política da Argentina (Cepa), em entrevista à agência de notícias Xinhua.

“Os salários são o fator que ficou muito para trás; embora haja alguns dados que sugerem uma certa recuperação do emprego formal registrado, há uma forte perda de poder de compra”, acrescentou o economista.

Entre janeiro e novembro do ano passado, as vendas nos shopping centers do país sul-americano caíram 8,5% em relação a 2023, medidas a preços constantes, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística e Censo (Indec).

Espaço Publicitáriocnseg

Salários baixos reduzem consumo de mate e carne na Argentina

A queda do consumo teria sido acentuada na região da Grande Buenos Aires, que inclui a capital e outros distritos da província de mesmo nome, com uma forte retração de 9,3%. Perto do final do ano passado, as vendas de supermercados a preços constantes caíram 7,6% em comparação com 2023, assim como 11,9% nos primeiros 11 meses de 2024.

“Além da desaceleração inflacionária, os salários não estão se recuperando do que foi perdido. É um setor muito pequeno que encontra uma condição de poder de compra semelhante à de novembro de 2023”, disse Epstein. “A grande maioria, incluindo aposentados, pensionistas, funcionários públicos, empregados sem carteira assinada e até setores formais de emprego, ainda está longe de recuperar seu poder de compra”, acrescentou.

LEIA TAMBÉM:

PIB da Argentina tem queda menor porque 2º trimestre foi muito ruim | Monitor Mercantil

Um relatório do Cepa estima que o poder de compra da população argentina desabou mais de 9% no ano passado. Dessa forma, o consumo de produtos emblemáticos que fazem parte da tradição e cultura argentinas, como erva-mate, carne bovina ou laticínios, foi significativamente impactado pelo alto custo de vida.

No caso da erva-mate, houve uma queda de 15,1% na comparação anual em novembro, acumulando um colapso de 9,5% em 2024, enquanto a carne bovina exibe seu pior nível de consumo em 100 anos, segundo dados do centro de pesquisa.

Placa com venda de dólares na Argentina
Placa com venda de dólares na Argentina (foto de Martín Zabala, Xinhua)

Dólares baratos para quem tem folga financeira

O contexto atual apresenta entre seus elementos uma taxa de câmbio apreciada (valorizada) e uma capacidade aparentemente maior dos argentinos de acessar o dólar e aumentar sua capacidade de economizar em moeda estrangeira.

Epstein sugere que estamos diante de uma contradição, ou seja, “a possibilidade de comprar dólares mais baratos de quem tem margem de poupança, beneficiando-se de uma taxa de câmbio muito conveniente”, mas apenas de quem tem essa margem diferencial.

Para grande parte da população, no entanto, a capacidade de poupar tem sido drasticamente reduzida dia a dia, porque uma parte significativa do salário é usada para cobrir despesas correntes como taxas, impostos e aluguéis, sendo este último sobrecarregado por aluguéis ou condomínios, segundo a consideração do entrevistado.

O funcionário administrativo Carlos Ramirez, morador de Buenos Aires, disse à Xinhua que “o salário é suficiente para cobrir apenas o básico, mas não dá para economizar”. “Mesmo que o dólar esteja um pouco mais baixo do que antes, o preço das contas de serviços públicos, aluguel e despesas pesam muito na renda”, disse Ramirez.

Por sua vez, Teresa Gonzalez, enfermeira de um hospital público, disse que “embora o dólar tenha estado mais calmo ultimamente e haja uma queda na inflação”, ainda é difícil ver melhorias no poder de compra.

Leia também:

Carolina Jezler Müller
Internacional | Dinheiro
O problema das tarifas de importação dos Estados Unidos

Segundo Carolina Müller, o Brasil pode acionar os Estados Unidos na OMC por causa das tarifas de importação, mas o problema é que os americanos estão bloqueando há anos o órgão de apelação do sistema de solução de controvérsias da organização.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui