Enquanto o mundo reflete sobre as soluções para a crise climática no Dia Mundial do Meio Ambiente, uma força muitas vezes invisibilizada segue liderando a transição para cidades mais sustentáveis no Brasil: as catadoras e os catadores de materiais recicláveis. Estudo que analisou sistemas de gestão de resíduos no Brasil e na Indonésia revela que sistemas descentralizados, como os realizados por cooperativas de catadoras e catadores, demonstram menor custo por tonelada de resíduos processados, além de maior eficiência operacional.
Dados recentes do Atlas Brasileiro da Reciclagem e do Sistema Nacional de Informações do Saneamento Básico (Sinisa) reforçam a relevância do setor: são 2.092 cooperativas e associações de catadores em atividade em 1.630 municípios, reunindo 37.786 catadores associados, além de 22.428 trabalhadores informais.
A pesquisa “Financial Analysis of Solid Waste Management Business Models: Case Studies in Indonesia and Brazil”, realizada pela Climate Policy Initiative (CPI), vai ser lançada globalmente na próxima semana. O levantamento traz dados inéditos sobre a sustentabilidade econômica e financeira de modelos de gestão de resíduos, incluindo casos brasileiros coletados com apoio do Instituto Pólis.
O estudo derruba a tese de que ao contrário do que se imagina, modelos de grande escala podem apresentar custos operacionais mais altos, devido à complexidade e à logística envolvida. Já sistemas descentralizados, como os realizados por cooperativas de catadoras e catadores, demonstram menor custo por tonelada de resíduos processados, além de maior eficiência operacional.
No país em que quase metade dos resíduos sólidos urbanos é composta por matéria orgânica, a compostagem surge como uma solução urgente e viável. Segundo pesquisa global encomendada pelo Global Methane Hub (GMH), o Brasil lidera mundialmente o apoio à ação contra o metano, com 90% da população defendendo medidas obrigatórias de separação de resíduos – incluindo os orgânicos – e a redução do envio desses resíduos para aterros sanitários.
“O crescimento da compostagem no Brasil é expressivo, mas ainda recebe pouco apoio se comparado aos aterros sanitários. Apenas entre 2022 e 2023, o número de unidades de compostagem no país cresceu 55%, passando de 76 para 118. Este é um caminho com enorme potencial de geração de empregos – de cinco a dez vezes mais postos por tonelada tratada do que o aterro – e de combate às mudanças climáticas”, afirma Victor Argentino, coordenador de projetos da equipe de resíduos sólidos do Instituto Pólis.
Já a compostagem, além de ambientalmente eficiente, é uma tecnologia social, reconhecida como tal pelo programa Pró-Catador (Decreto Nº 11.414/2023). Quando realizada por organizações de catadores, ela promove geração de trabalho, renda, cidadania e redução das emissões de gases de efeito estufa.
“Os catadores já são responsáveis por cerca de 90% de toda reciclagem de resíduos secos no país. Incluir os resíduos orgânicos nesse ciclo amplia a autonomia dessas organizações, reduz a dependência do mercado de recicláveis e fortalece a segurança econômica dos trabalhadores e trabalhadoras”, reforça Argentino.
Além dos benefícios sociais, a compostagem liderada pelos catadores oferece às cidades uma solução de baixo custo, com flexibilidade e escalabilidade. O modelo permite que prefeituras contratem diretamente as cooperativas, conforme previsto na Lei Federal nº 14.133/2021, estimulando a economia local e a inclusão produtiva.
“A compostagem realizada com catadores representa uma oportunidade estratégica para ampliar a reciclagem de resíduos orgânicos no Brasil, especialmente considerando que cerca de 90% da reciclagem de resíduos secos já é conduzida pelo trabalho dos catadores e catadoras. Ao integrá-los nesse processo, é possível promover uma transição justa na gestão de resíduos, com benefícios socioambientais relevantes”, explica Victor Argentino, coordenador de projetos da equipe de resíduos sólidos do Instituto Pólis.
“Além de reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa, a compostagem com participação ativa desses trabalhadores pode gerar de 5 a 10 vezes mais empregos do que os modelos tradicionais baseados em aterros sanitários e lixões”, completa.
Atualmente, o lixo eletrônico é o que gera mais dúvida entre os brasileiros, com 49% indicando ter incertezas no momento de realizar a destinação adequada de itens como celulares, computadores e baterias. Os dados são do novo levantamento da Descarbonize Soluções.
O cenário passa a fazer ainda mais sentido quando 43% dos entrevistados do estudo afirmaram que mantêm os celulares antigos em casa, principalmente por não saberem onde descartar os equipamentos ou porque os pontos de coleta são muito distantes.
Antônio Lombardi Neto, diretor de Tecnologia da Descarbonize Soluções, reflete sobre o desconhecimento em relação ao reaproveitamento de tecnológicos e explica a importância do direcionamento correto.
“Nem todos sabem, mas existe uma diferença essencial entre o descarte e a reciclagem. O descarte nem sempre é feito de forma correta, enquanto a reciclagem garante que as matérias-primas serão reaproveitadas”, comenta.
“Esse ponto é especialmente importante quando falamos de eletrônicos, pois, além dos metais pesados terem um impacto gigantesco na natureza, o não aproveitamento desses insumos faz com que seja necessária uma nova extração de recursos naturais para a fabricação de novos equipamentos. Por isso é tão importante direcionar antigos aparelhos para o reaproveitamento”, explica.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), atualmente o Brasil é o quinto país que mais gera lixo eletrônico no mundo, produzindo por ano mais de 2,4 milhões de toneladas desses resíduos. Entre as Américas, o país ocupa a segunda posição, ficando atrás apenas dos EUA.
A crescente produção dos chamados e-lixos é impulsionada pela falta de informação e de estrutura adequada para a gestão destes resíduos e pelo consumo desenfreado de produtos tecnológicos que acompanham a estratégia da obsolescência programada – que visa a reduzir a vida útil dos produtos, incentivando a compra de novos modelos mais atuais. Essa lógica é fortalecida por estratégias de mercado que estimulam o desejo constante por modelos mais novos – especialmente no caso dos celulares. Com poucas mudanças significativas entre os lançamentos anuais, seguir as tendências acaba sendo o principal fator que motiva as compras.
O fato está alinhado com o comportamento dos respondentes da pesquisa, sendo que 30% dos entrevistados – maioria do estudo – afirmaram que gostam de estar por dentro do lançamento de produtos eletrônicos e que trocam os aparelhos com frequência. Outros 25% também disseram acompanhar as novidades, mas apenas com celulares.
O dado ganha ainda mais relevância diante do fato de que 89% dos consumidores não consideram a geração de lixo eletrônico no momento da troca do aparelho, sendo o fator menos relevante na decisão. Durabilidade e qualidade (75%), os preços e promoções (55%) e a marca (53%) foram indicados como as condições mais importantes.
O avanço da tecnologia tem ocorrido em paralelo a uma corrida pelo consumo, muitas vezes sem responsabilidade. O fato de a geração de lixo eletrônico ser praticamente desconsiderada alerta para a urgência da situação, que é global. Atualmente, segundo o relatório “Monitor Global E-lixo”, a produção mundial de resíduos eletrônicos está crescendo cinco vezes mais rápido que a reciclagem destes materiais. Os números são preocupantes e demonstram a importância da discussão sobre o tema, com maiores iniciativas por parte de marcas, poderes públicos e consumidores.
Quando o tema entra na responsabilidade das partes em se comprometer com a reciclagem dos eletrônicos, fica evidente que faltam algumas iniciativas que estimulem e facilitem o reaproveitamento dos aparelhos – especialmente projetos que partam de ações públicas e privadas. Hoje, apenas 3% do e-lixo é reciclado no Brasil, e parte desse problema se dá pela desinformação e pela falta de pontos de coleta qualificados.
Sobre as principais dificuldades ao descartar lixo eletrônico, 73% dos participantes da pesquisa indicaram a falta de pontos de coleta especializados como o maior obstáculo. Na sequência, aparecem a falta de informações sobre o descarte e recolhimento (49%) e a dificuldade de transportar o item até os pontos de coleta (23%).
Entre os tipos de eletrônicos, as pilhas e baterias lideram o ranking de itens que mais geram dúvidas na hora do encaminhamento adequado (54%), seguidas por eletrodomésticos como TVs, computadores e notebooks (44%) e por celulares (43%).
Diante desse cenário, mesmo que a infraestrutura ainda seja insuficiente, os consumidores podem buscar alternativas disponíveis em suas cidades. Segundo a legislação brasileira, dentro do sistema de logística reversa, fabricantes de eletrônicos são obrigados a recolher esse tipo de resíduo. Em complemento, um Projeto de Lei lançado em fevereiro deste ano propõe ampliar os pontos de coleta, exigindo que varejistas disponibilizem locais acessíveis em lojas físicas, centros de distribuição e outros espaços.
Foram entrevistados 500 brasileiros de todos os estados do país, incluindo mulheres e homens, com idade a partir dos 16 anos e de todas as classes sociais.