Reconhecimento fotográfico de réu pode levar a erro

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Câmera de segurança (Foto: Pixabay)
Câmera de segurança (foto Pixabay)

Tiago Vianna Gomes, 28 anos, foi preso duas vezes por crimes que não cometeu. Isso aconteceu porque uma foto dele constava em álbum de suspeitos, em uma delegacia de polícia. Tiago foi denunciado, apenas com base no reconhecimento de sua imagem, por crime de roubo, nove vezes. Em nenhum dos sete casos já encerrados, foi considerado culpado. Dois casos ainda tramitam na Justiça.

O relatório “O reconhecimento fotográfico nos processos criminais no Rio de Janeiro”, divulgado hoje pela Defensoria Pública do Estado (DPRJ), mostra que o que ocorreu com Gomes, que é morador de Mesquita (RJ), não é exceção. De um total de 242 processos analisados pela DPRJ, que se basearam em reconhecimento fotográfico, os réus acabaram sendo inocentados em 30% dos casos julgados.

Entre as 65 pessoas consideradas inocentes, 83%, ou seja, 54 pessoas, haviam tido a prisão preventiva decretada. Até serem absolvidas, ficaram presas, em média, um ano e dois meses. O período mais curto foi 24 dias e o mais longo, seis anos.

“Eu fiquei praticamente nove meses preso, sem ter feito nada. Sempre trabalhei fixo, de carteira assinada, e agora não consigo mais trabalho. Já entreguei diversos currículos e não fui mais chamado. Acho que a Justiça é muito falha, acho que antes tinha que pesquisar a vida da pessoa, ver quem é, ver se é de boa ou má índole”, diz Tiago.

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A legislação brasileira estabelece, no Código de Processo Penal, o que deve ser feito nas delegacias para se reconhecer pessoas suspeitas. O ritual passa por, por exemplo, por pedir que a vítima descreva a pessoa e a identifique presencialmente, se possível, ao lado de outras pessoas com características semelhantes.

A subcoordenadora de Defesa Criminal da DPRJ, Isabel Schprejer, explica que o reconhecimento por foto não está expressamente previsto na legislação, mas o entendimento majoritário é que esse reconhecimento pode ser realizado desde que sejam observados os requisitos legais e que o reconhecimento pessoal seja essencialmente presencial.

“Na prática, a gente observa que isso não é realizado”, diz, Isabel, que acrescenta: “O que a gente observa, muitas vezes, é a exibição de uma única fotografia para a vítima ou a exibição de um álbum de suspeitos para ela  folhear e apontar livremente a pessoa que entende ser mais parecida com o criminoso”.

Outro problema, segundo Isabel, é que a partir do reconhecimento de uma foto, o que ocorre na prática é que são iniciados processos penais sem a necessidade de outras provas. “O reconhecimento deveria ser feito quando já há um suspeito, por outros motivos quaisquer, por exemplo, a pessoa foi encontrada com objeto do crime. Então, vira uma investigação e aí se faz o procedimento de reconhecimento. Isso é invertido”.

O relatório mostra que o reconhecimento por fotos pode ser falho e apenas reproduzir preconceitos. A pesquisa da DPRJ reforça o perfil dos acusados com base no reconhecimento fotográfico: homem e negro. Segundo o estudo, entre os réus julgados, 95,9% são homens e 63,74%, negros, somando-se pretos e pardos conforme a definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Só esse reconhecimento já serve para fazer uma ação penal e, muitas vezes, uma condenação. E a gente sabe que existem falsas memórias, que a memória humana não é uma máquina fotográfica, que a memória pode ser induzida. Então, há muita preocupação com condenação injusta, que gera muitos erros judiciários e muitos problemas na vida das pessoas”, diz Isabel.

O relatório pesquisou processos julgados pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) entre janeiro e junho de 2021. No total, foram analisados 242 processos, envolvendo 342 réus que se relacionam com o tema. Os processos foram iniciados entre 2005 e 2021. A maioria deles, 44,93%, tramitou originalmente na capital fluminense. Na maioria dos processos analisados, 88,84%, a acusação era de crime de roubo. Os réus foram mantidos presos provisoriamente em 83,91% dos casos.

Isabel defende mudanças nas várias instâncias e que diversos atores estejam envolvidos, desde policiais, para que não sejam oferecidas denúncias apenas com base no reconhecimento, a advogados, defensores públicos e tribunais.

Questionada sobre o uso do reconhecimento fotográfico como forma de identificar suspeitos, a Secretaria de Estado de Polícia Civil diz, em nota, que os delegados “são orientados a não usar apenas o reconhecimento fotográfico como única prova em inquéritos policiais para pedir a prisão de suspeitos”.

A instituição acrescenta: “O método, que é aceito pela Justiça, é um instrumento importante para o início de uma investigação, mas deve ser ratificado por outras provas técnicas”.

Este é o terceiro relatório divulgado pela DPRJ. Em fevereiro de 2021, a Defensoria publicou outro levantamento, com dados de dez estados, que mostravam que em 60% dos casos de reconhecimento fotográfico equivocado em sede policial houve a decretação da prisão preventiva e, em média, o tempo de detenção foi de 281 dias, aproximadamente nove meses. A pesquisa gerou repercussão e, em agosto do mesmo ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou grupo de trabalho para traçar protocolos a fim de evitar a condenação de pessoas inocentes. Formado por especialistas representantes do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da segurança pública, da advocacia e de outras instituições, o grupo vai realizar estudos e elaborar proposta de regulamentação de diretrizes e procedimentos para o reconhecimento pessoal em processos criminais.

 

Com informações da Agência Brasil

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