Muitas questões adormecidas vieram à tona com a posse de Donald Trump, em 20/1/2025, como presidente dos Estados Unidos da América (EUA). A experiência anterior na presidência, 2017-2021, o sucesso eleitoral dos republicanos, além de uma Europa em frangalhos, permitiram-lhe dispensar as instituições de Estado e agir com poder absoluto, ignorando conveniências e apoiadores.
A própria institucionalidade estadunidense tem sofrido com o modo imperial deste governo Trump. Apenas a América Latina, na grande maioria dos Estados por covardia e/ou tradição, segue Trump, que vem obtendo distância da Europa e do Oriente Medio.
Este comportamento afeta o próprio dólar dos EUA, que perde força diante do renminbi — moeda do povo, na tradução do mandarim — no comércio internacional.
No entanto, Trump defende e apoia o genocídio racial praticado pelo Estado de Israel, que deixa ainda mais difícil e conflitante qualquer tentativa de associá-la a uma ideologia ou a algum sistema de governo contemporâneo. Parece um senhor feudal cuja vontade era a única referência legal, política, econômica e social em suas terras.
A disputa no mundo se concentraria entre as potências que, atualmente, são a República Popular da China (China), a Federação Russa (Rússia) e os EUA.
Destas, apenas os EUA mostram-se destituídos de um projeto de nação que pudesse servir para homogeneizar sua área de influência. Portanto, ao analisar a reconstrução brasileira, teremos a Rússia e a China, com seus modelos diferentes, ou a formulação de um modelo próprio brasileiro para que possamos construir nosso país soberano e cidadão.
No último fim de semana de abril de 2025, o jornalista italiano Edoardo Pacelli escreveu o artigo “Todos os caminhos (diplomáticos) levam a Roma”. Nele discorre sobre alguns dos errantes caminhos de Trump na sua atual administração.
Pacelli discorre sobre o corredor entre Itália e Índia, e a aproximação dos EUA ao Irã e à Arábia Saudita, como modo de isolar a China, não somente do Oriente Medio, mas dentro da própria Ásia.
Caberia questionar se, depois do vai e vem tributário que causou grande prejuízo à plutocracia estadunidense, ainda haveria quem apostasse nos caminhos de Trump. Mas já vimos o primeiro-ministro Modi, da Índia, visitando a Arábia Saudita, ao tempo que a aproximação com Irã não trouxe qualquer consequência nas relações EUA-Israel.
O mundo de 2025 estará tão complexo que qualquer referência passada — econômica, militar, ideológica, continental — já não mais explicaria ou justificaria uma aliança ou uma estratégia combinada. Seria este modelo medieval que estaria se espalhando pelo mundo virtual e nuclear? Seria o sistema descrito por Yanis Varoufakis (Technofeudalism: what killed capitalism, Bodley Head, London, 2023)?
Tecnofeudalismo: o passado no futuro
A respeito do livro de Yanis Varoufakis (2023), o jornalista e escritor canadense Cory Doctorow (1971) escreveu em OutrasPalavras (17/1/2024): “Para compreender o ponto de partida de Varoufakis, é preciso ir além dos significados corriqueiros de ‘capitalismo’ e ‘feudalismo’. O capitalismo não é apenas ‘um sistema no qual se compram e vendem coisas’. É um sistema em que o capital reina no poleiro: as pessoas mais ricas e poderosas são aquelas que coagem os trabalhadores a usarem o seu capital (fábricas, ferramentas, veículos etc.) para gerar rendimentos sob a forma de lucro.”
“Em contrapartida, uma sociedade feudal é organizada em torno de pessoas que têm coisas e cobram de outras pessoas para usá-las na produção de bens e serviços” (ou para a própria vida, para existirem, incluímos nós). “Numa sociedade feudal, a forma de rendimento mais importante não é o lucro, é a renda. Citando Varoufakis: ‘A renda flui do acesso privilegiado a bens de fornecimento fixo’ (terra, combustíveis fósseis etc.). O lucro vem de empreendedores que investem em coisas que de outra forma não existiriam.”
“Mas as rendas”, escreve Varoufakis, “sobreviviam apenas de forma parasitária sobre o — e à sombra do — lucro”. “Ou seja, os rentistas (pessoas cuja riqueza provém de rendas) eram uma pequena parte da economia, ligeiramente suspeitos e à margem de qualquer poder de influenciar sobre como organizar a nossa sociedade.”
“No entanto, tudo isso mudou em 2008, quando os bancos centrais mundiais enfrentaram a Grande Crise Financeira resgatando não apenas os bancos, mas sobretudo os banqueiros, direcionando bilhões de dólares exatamente para aqueles cujo comportamento temerário levou o mundo à beira da ruína econômica. De repente, esses ricos e os seus bancos experimentaram enormes ganhos de riqueza sem lucros. Seus negócios perderam bilhões em lucros (o custo de oferecer os produtos e serviços da empresa excedeu largamente o dinheiro que as pessoas gastaram nesses produtos e serviços). Mas o negócio ainda tinha bilhões como excedente no final do ano, em relação ao que tinha no início: bilhões em dinheiro público, direcionados para eles pelos bancos centrais. Os rentistas feudais não precisam investir para continuar ganhando dinheiro — lembre-se, sua riqueza provém de possuir coisas nas quais outras pessoas precisam investir para ganhar dinheiro.”
“As rendas não são vulneráveis à concorrência, de modo que os rentistas não têm a menor necessidade de investir em novas tecnologias para manter a entrada de dinheiro. O capitalista que arrenda o campo petrolífero precisa investir em novas plataformas de extração e na refinação para se manter competitivo em relação a outras empresas petrolíferas. Mas o rentista do campo petrolífero não tem que fazer nada: ou o inquilino capitalista investe em mais capital e tornará o campo mais valioso, ou perderá para outro capitalista que o substituirá. De um jeito ou de outro, o rentista ganha mais renda.”
“Assim, quando os capitalistas ficam mais ricos, gastam parte desse dinheiro em novos capitais, mas quando os rentistas ficam mais ricos, gastam dinheiro em mais ativos que possam alugar aos capitalistas. A ‘recuperação de tudo’ tornou todo tipo de capital mais valioso, e as empresas que estavam em transição para uma base feudal viraram-se e entregaram esse dinheiro aos seus investidores em recompras de ações e dividendos, em vez de gastarem o dinheiro em pesquisa e desenvolvimento, ou na renovação das fábricas, ou em novas tecnologias.”
“As empresas de tecnologia, porém, foram a exceção. Elas investiram no ‘capital da nuvem’ — os servidores, linhas e serviços pelos quais todos os outros passaram a ter que pagar aluguel para praticar o capitalismo. Pense na Amazon: Varoufakis compara fazer compras na Amazon a visitar um movimentado centro de cidade repleto de lojas geridas por capitalistas independentes. No entanto, todos esses capitalistas são subservientes a um senhor feudal: Jeff Bezos, que tira 51 centavos de cada dólar que trazem e, além disso, decide quais os produtos que podem vender e como esses produtos serão exibidos.”
O mundo pós-capitalista e tecnofeudal não é um mundo sem capitalismo, portanto. É um mundo onde os capitalistas são subservientes aos “feudalistas” (ou “cloudalistas”, segundo o termo de Varoufakis), assim como o resto de nós, os peões da nuvem, desde os utilizadores e artistas das redes sociais que enchem os silos dos tecnofeudalistas com “conteúdo” até aos utilizadores regulares cuja dieta de mídia é ditada pelos “sistemas de recomendação dos cloudalistas.”
“Uma característica definidora do cloudalismo é a capacidade do senhor rentista de destruir o negócio de qualquer vassalo capitalista com o clique de um mouse. Se o Google expulsar sua empresa do índice de pesquisa, ou se o Facebook bloquear sua publicação, ou se o Twitter proibir menções ao seu produto, ou se a Apple retirar seu aplicativo da loja, você estará frito.”
“Os capitalistas ‘ainda têm o poder de comandar o trabalho da maioria que depende dos salários’, mas no fim das contas são meros vassalos dos cloudalistas. Mesmo o capitalista mais vigoroso não consegue escapar ao pagamento de rendas, em grande parte graças à ‘propriedade intelectual’, que afirmo ser mais bem compreendida como qualquer lei que permita a uma empresa ir além dos seus muros para ditar a conduta dos concorrentes, críticos e clientes.”
A energia é apenas uma das implicações tecnofeudais que Varoufakis explora neste seu livro: há também extensas e fascinantes partes sobre geopolítica, política monetária e a Nova Guerra Fria. “O tecnofeudalismo — e a luta para produzir um feudo dominante — é uma lente muito útil para entender a guerra tecnológica entre EUA e China.”
Breve consideração sobre a organização da Rússia e da China
A Rússia é uma federação formada com o desmembramento da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Compõem a Federação Russa: 22 repúblicas, que geralmente representam territórios de diferentes grupos étnicos, nove territórios, que são subdivisões administrativas de segundo nível, 46 regiões (oblast, em russo), que são as maiores divisões administrativas do país, três Cidades de Importância Federal – Moscou, São Petersburgo e Sebastopol – que têm um status especial e não fazem parte de nenhuma região, o Oblast Autônomo Judaico e quatro Distritos Autônomos (Chukotka, Khantia-Mansia, Nenétsia e Yamalo-Nenéts).
A Federação Russa é uma república que tem o presidente como chefe de Estado e o primeiro-ministro como chefe de Governo. O Legislativo é bicameral, isto é, a Assembleia Russa possui duas casas para representar o povo: a Duma — a câmara baixa — e o Conselho de Federação — a câmara alta do parlamento russo. A Duma equivale à Câmara dos Deputados no Brasil, e o Conselho de Federação, ao Senado.
A Duma (pensar, no idioma russo) é composta por 450 deputados eleitos para um mandato de cinco anos — uma proposta de emenda à Constituição aumentou em um ano o tempo de mandato dos deputados da Duma. Qualquer lei, inclusive os projetos de lei da câmara alta (Conselho de Federação), deve ser submetida primeiramente à Duma, antes de qualquer mudança ou aprovação da câmara alta ou do Executivo.
O Conselho de Federação foi criado pela Constituição Russa de 1993 e possui 166 membros que atuam como a voz das entidades regionais. Ao contrário da Duma, o Conselho não é eleito diretamente pelo povo. Desde 30 de setembro de 2022, a Federação da Rússia tem, constitucionalmente, 83 subdivisões federais, pois seis subdivisões recentemente adicionadas são reconhecidas como parte da Ucrânia. Os sujeitos federais têm igual representação — dois delegados cada — no Conselho da Federação, a câmara alta da Assembleia Federal.
Mesmo com eleições periódicas e regulares, o Ocidente Unipolar Neoliberal insiste em classificar a Federação Russa como um sistema totalitário e seu presidente como ditador. Apenas revela que não aceita modelos de governo conforme as diferentes culturas; é um modelo verdadeiramente totalitário, com fundamento em teorias políticas do século 18.
A República Popular da China (China), que neste século 21 assumiu a liderança tecnológica e no desenvolvimento sócio-político do país, onde não existe analfabeto, nem morador de rua e desempregados, passa a sofrer todo tipo de ataque midiático com desinformações e mentiras que uma busca ou leitura mais atenta logo revelará.
O Congresso Nacional do Povo (Assembleia Nacional Popular — ANP) é o órgão máximo de decisão da China, que tem no Partido Comunista Chinês (PCCh) importante colaborador na administração do País.
Formada por três vertentes: o confucionismo ajustado ao século 21, o marxismo conforme a interpretação maoísta e o capitalismo liberal, herança de Deng Xiao Ping (1978-1992), o sistema foi construído a partir de acomodações de Jiang Zi Min (1989-2003), da modelagem confuciana de Hu Jin Tao (2003-2013) e da governança estabelecida por Xi Jinping (a partir de 2013), onde se ressalta a criação da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR, 7/9/2013).
As províncias chinesas são as seguintes, com respectivas capitais: Anhui (Hefei), Cantão (Guangzhou), Fujian (Fuzhou), Gansu (Lanzhou), Guizhou (Guiyang), Hainan (Haikou), Hebei (Shijiazhuang), Heilongjiang (Harbin), Henan (Zhengzhou), Hubei (Wuhan), Hunan (Changsha), Jiangsu (Nanjing), Jiangxi (Nanchang), Jilin (Changchun), Liaoning (Shenyang), Qinghai (Xining), Shaanxi (Xi’an), Shandong (Jinan), Shanxi (Taiyuan), Sichuan (Chengdu), Yunnan (Kunming) e Zhejiang (Hangzhou).
Além destas províncias, a China tem cinco regiões autônomas (Xinjiang, Mongólia Interior, Tibete, Ningxia e Guangxi), quatro municípios (Pequim, Tianjin, Xangai e Chongqing) e duas Regiões Administrativas (Hong Kong e Macau), com variados graus de autonomia.