Reflexões para Teoria do Estado Nacional: exemplo para Soberania

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Navegação fluvial (foto ABr)
Navegação fluvial (foto ABr)

Plano Nacional de Transporte se interliga com Energia, Agropecuária e Ambiente

 

A necessidade de planejamento custou a ser entendida no Brasil, por mais que, de uma forma ou de outra, tenha sido advogada por luminares patrióticos como José Bonifácio de Andrada e Silva – o Patriarca da Independência, Euclides da Cunha, Teixeira Mendes e outros nomes individuais que, na sua genialidade, anteciparam em muitas décadas aquilo que somente mais tarde viria a ser aceito, e mesmo assim com muita relutância, como uma necessidade inexorável da construção nacional.

Primeiro, porque como colônia política não lhe cabia mais do que executar estritamente o determinado. Depois como colônia econômica, lhe era cerceada a capacidade de desenvolvimento autônomo, o que permanece de algum modo até hoje.

No século 20, a atividade de planejamento ganhou ainda maior relevância com o entendimento sistêmico, de que o todo não era apenas a soma das partes, mas tinha suas características próprias, e que a espontaneidade das relações econômicas privadas não favorecia a racionalidade pública e de longo prazo indispensável ao cumprimento dos objetivos nacionais.

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A estrutura das ações para Soberania deve levar em consideração que, não só pelos aspectos econômicos e de aproveitamento dos recursos nacionais, mas para que as unidades administrativas tenham adequado entendimento de suas responsabilidades, no conjunto das ações do Estado, e possam agir com eficácia, o planejamento é essencial.

A Defesa Nacional talvez aflore quando se pensa em Soberania, mas defender o território nacional resulta de diversas vertentes e, neste artigo, trataremos somente de uma, pois ela não só proporciona recursos indispensáveis para Defesa como para o exercício da cidadania no plano distrital, que já propomos como menor unidade com autonomia administrativa.

Trataremos do transporte, discorrendo sobre alguns aspectos, desde o planejamento nacional até a execução no distrito.

Políticas de conteúdo colonizador e ideológico na área do transporte não permitiram o melhor uso dos nossos recursos naturais.

O transporte ferroviário, por exemplo, foi desenvolvido por ingleses no sentido de levar para o litoral a produção mineral e agrícola, objetivando a exportação. O primeiro documento legal foi assinado pelo regente padre Feijó, autorizando o Governo Imperial a conceder a construção de ferrovias do Rio de Janeiro para Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia (Decreto 100, de 31/10/1835).

Até então o transporte no Brasil era rodoviário, se assim podemos designar os caminhos para tropa de mulas e carros de boi. As ferrovias vieram com a revolução industrial, na Inglaterra; a primeira foi inaugurada em 15 de setembro de 1830, a Liverpool and Manchester Railway.

É curioso verificar que havia nas elites brasileiras o interesse modernizador, não o autonomista. Apenas cinco anos separam a ferrovia inglesa do decreto de Feijó. Mas os responsáveis pelas ferrovias brasileiras, por muitos anos, foram engenheiros ingleses, como estão relacionados por Pedro Carlos da Silva Telles (História da Engenharia Ferroviária no Brasil, Notícia & Cia, RJ, 2011).

O Império, quando a influência inglesa foi marcante, promoveu o desenvolvimento ferroviário no País. Até 1885 foram construídos 6.256 km de ferrovias, com inegável desenvolvimento econômico e social. Na citada obra de Silva Telles, há quadro que associa a produção de café com a extensão das ferrovias, em São Paulo. Das 21 mil toneladas produzidas em 1872, com malha de 38km, naquele Estado a produção foi elevada para 528 mil toneladas e as ferrovias atingiram 807km, em 1898.

Na primeira metade do século 20, entre as diversas alterações ocorridas no Brasil, está a dos transportes. Da Inglaterra, nossas elites se curvaram aos Estados Unidos da América (EUA), e das ferrovias passamos para as rodovias, cujos veículos que as utilizavam promoveram o grande desenvolvimento industrial estadunidense.

Mas o governo nacionalista de Getúlio Vargas (1930–1954) deixou marcas autonomistas, como exemplo se tem a criação tardia, em 1955, do curso de engenharia ferroviária na Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil, atual Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Embora polêmica, a orientação rodoviária do Governo Kubitschek (1956–1961) não se limitou a incentivar a instalação de empresas automobilísticas estrangeiras, mas também ampliou a malha ferroviária, que alcançou sua máxima extensão histórica em 1960, de quase 40 mil km, e, também, a reestruturou com a criação, em 1957, da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), instrumento central para o planejamento ferroviário.

A RFFSA, criada em março de 1957, incorporou, de início, 18 ferrovias, aumentando, ao longo do tempo, até atingir 23. Só ficaram de fora as ferrovias paulistas que constituíram outra empresa, a Ferrovia Paulista S/A (Fepasa).

O afã privatista, que tomou o Brasil desde 1990, impediu que se olhasse o transporte nacional como questão de segurança nacional e fosse desenvolvido o plano integrado de transportes, usando diversos modais: hidroviário ou aquaviário, ferroviário, rodoviário e aeroviário. Excluímos o dutoviário por ser adequado a transporte de gases e líquidos, servindo a clientes específicos. Eventuais usos para sólidos também atenderão a interesses reduzidos.

O Brasil possui 12 bacias hidrográficas. As centrais: Amazônica, Tocantins-Araguaia, São Francisco, Paraguai, Paraná e Uruguai; e as costeiras: Nordeste Ocidental, Parnaíba, Nordeste Oriental, Atlântico Leste, Atlântico Sudeste e Atlântico Sul. A Bacia Amazônica cobre 45% do território brasileiro. Normalmente as estruturas dos relevos que separam as bacias e elas são quase sempre estudadas sob a ótica da geração de energia. Embora sejam a irrigação (produção agrícola e pecuária) e o transporte seus usos que mais diretamente afetem a população ribeirinha.

No caso da hidreletricidade, a malha fluvial propicia energia limpa, praticamente isenta de geração de poluentes.

A importância do planejamento, a partir da ótica do transporte, integrando a geração de energia, a produção agrícola e pecuária, o saneamento, a irrigação e a urbanização, será fator fundamental para a autonomia nacional, promoverá o desenvolvimento tecnológico e a industrialização e, consequentemente, atenderá ao objetivo de Soberania.

Simulemos um caso. Antes é necessário que se saiba que nada do que apresentamos é inovador. Vários países, inclusive europeus, adotam estas soluções que garantem seu nível de vida e desenvolvimento.

A rede fluvial da França (lembrar que seu território é próximo ao da Bahia) tem 8.501km e é constituída por 1.782 eclusas, 559 barragens, 74 pontes-canais e 35 túneis-canais. No ano 2000, 2.200 barcaças, chatas e rebocadores transportaram 59 milhões de toneladas de carga. Além de esta rede fluvial francesa ter sido utilizada por 300 “bateaux-mouches”, mil barcos de turismo e 50 mil de lazer. Estima-se, pois não há um sistema de computação centralizado, que haja gerado mais € 600 milhões em seus usos.

Acrescente-se que esta malha francesa não é totalmente utilizada, embora se interligue com a da Alemanha (7.339km) e da Bélgica (1.040km) entre outras, por não atender a gabaritos e normas europeias. Pois o transporte por água apresenta várias vantagens: além da economicidade e do pouco consumo de energia, ele permite transportar significativas tonelagens e é pouco poluente.

O Plano Nacional de Transporte, por conseguinte, estaria interligado com o Plano Nacional de Energia, com o Plano Nacional de Produção Agropecuária, com o Plano Nacional de Proteção e Preservação Ambiental e com os Planos Regionais de Urbanização e Saneamento Básico, dentro da estrutura de decisão que sugerimos em artigo anterior.

O Plano Nacional de Transporte estabeleceria os Planos de Transporte Aéreo, Fluviais, Ferroviários, Rodoviários, com as diversas opções de modo que uma paralisação de caminhoneiros, por exemplo, não gerasse comoção nem agressão ao direito de ir e vir, que uma greve de aeroviários impedisse atendimentos de urgência e assim por diante. Demonstraria também que a direção do País por forças do “mercado” é um absurdo ideológico de terraplanistas.

Como é evidente e será necessariamente avaliado nos Planos Nacionais, a questão econômica é apenas uma das condicionantes e nem sempre deve prevalecer.

Cada modal tem suas vantagens e desvantagens, ocupa mão de obra mais ou menos especializada, exige diferentes tipos de empresas auxiliares para serviços de manutenção das instalações e dos veículos empregados, enfim, necessita estudo técnico e adequado à geografia local. Não pode ser levado por modelos nem definições estrangeiras. Por isso todos são Planos Nacionais.

O País Soberano não convive com o de engenheiros ingleses dirigindo o planejamento, nem a execução de projetos ferroviários no Brasil. Tampouco com empresas cuja orientação é estabelecida no exterior, conduzir o plano de circulação de pessoas e cargas no País.

Vê-se, portanto, que um Plano Nacional deve surgir das definições políticas nacionais, construídas por políticos preparados na ação e com liderança popular e entre os pares. Não se improvisa.

O que apresentamos para o transporte, no estrito âmbito da Soberania, ainda se interliga com planos de mobilidade urbana, no âmbito da Cidadania, mostrando que o Estado Nacional é resultado de malhas de necessidades e de condições objetivas que tem na ação política sua principal formação.

Os cinco níveis da ação do Estado, como se propõe, permitem integrar a ação no nível do Plano Nacional, com os Planos Regionais e Planos Locais, propiciando que seus detalhamentos setoriais estejam harmônicos e com os mesmos objetivos.

Para os neoliberais isso pode parecer totalitarismo ou ditadura, para o povo que participa é a forma segura de ter sua vida tranquila e suas necessidades atendidas sem favores de messias.

 

Felipe Maruf Quintas é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

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