Reflexões para teoria do Estado Nacional: Imperialismo financeiro

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Tio Sam (ilustração Pixabay)
Tio Sam (ilustração Pixabay)

Começa reação para reocupar poder que desfrutaram no século 19

 

Vimos nesta série das “Reflexões para Teoria do Estado Nacional” (Fim de uma Era) que Aristóteles (384 a.C.–322 a.C.) já alertava para a forma censurável de criar dinheiro a partir do próprio dinheiro (Econômicos, Livro I). Não faremos a crítica do período pré-capitalista; iniciaremos no século 15 e veremos como o financismo trabalhou para assumir o poder nas sociedades contemporâneas ocidentais.

Dois vetores se uniram no início do empoderamento das finanças: os cambistas e prestamistas judeus, que atuaram no sul e depois no norte da Europa, e o rentismo fundiário dos aristocratas ingleses, seja da nobreza das famílias tradicionais seja dos novos proprietários: gentry ou gentries.

A riqueza fundiária cobrava, sob diferentes modos, “aluguéis”, ou seja, pela ocupação dos imóveis, e esta situação lhe concedia posição social e política, de influência no poder do Reino. Os prestamistas colocavam as pessoas dependentes das renovações dos empréstimos, pois, seja para produção ou para o comércio, os resultados dos devedores na maioria das vezes não permitiam romper os vínculos. Deste modo, aristocracia e financistas formaram o forte sistema de poder anglo-sionista na Inglaterra.

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O nome sionista cresceu com a publicação, em 1896, do folheto “O Estado Judeu” do jornalista judeu austro-húngaro Theodor Hertzel, que ali firma seus princípios políticos, em idioma alemão, distribuído inicialmente pelo leste europeu. Posteriormente, antes da I Grande Guerra, foi consolidada (1902) a aliança britânica-sionista.

A proposta de Hertzel era apresentada e formulada de maneira a servir aos interesses das potências imperialistas, na medida em que oferecia como moeda de troca um ponto de influência no Oriente Médio e ainda provocava a diminuição da população judaica, tanto na Rússia quanto na Europa, de maneira a centrar os esforços na aplicação de políticas de colonização do território palestino.

Dessa forma, existe uma diferença clara entre o sionismo e o judaísmo, pois o judaísmo é uma das principais religiões e grupos étnicos do mundo, enquanto o sionismo configura-se como um projeto político de cunho imperialista e racialista. Pode-se dizer, guardadas as devidas proporções, que o sionismo está para o judaísmo assim como o nazismo está para a Alemanha.

Porém, na colonização dos Estados Unidos da América (EUA, século 17), este modelo anglo-sionista não penetrou. O historiador nova-iorquino James Truslow Adams (1878–1949), na célebre obra The Epic of America (1931, traduzida por Monteiro Lobato, em 1940, para Companhia Editora Nacional), descreve o “sonho americano” como desejo que distingue estadunidenses de europeus: “Uma terra em que a vida deve ser melhor, mais rica e mais completa para todos, com oportunidades para cada um de acordo com sua capacidade ou realização. É um sonho difícil para as classes altas europeias interpretarem adequadamente” (é) “um sonho de ordem social que cada homem e cada mulher possam atingir, independentemente das circunstâncias fortuitas de nascimento ou posição”.

Este empreendedorismo estadunidense, suportado pelo Estado, com intensa publicidade regional e nacional, e com a produção massificada, utilizando peças simples e trocáveis, o “American System of Manufacturing”, criou para os EUA um sistema de poder industrial e de consumo de massa, diferente dos europeus, especialmente do financismo britânico. O Sistema Americano, baseado na produção e no protecionismo, distinguia-se do Britânico, baseado nas finanças especulativas e no livre-comércio.

Mas, como vimos em artigo anterior (“Imperialismo Estadunidense – Formação”), os “Pais Fundadores” da nação estadunidense cometeram o erro de engessar “um poder” na Constituição. O preço será pago mais de um século depois.

A partir da Guerra Civil, os EUA crescem aceleradamente, na economia e na expansão territorial. Dos 50 atuais estados organizados e incorporados à União, apenas 27 o constituíam em 1898. Arizona, Novo México, Oklahoma, Havaí e Alasca foram incorporados no século 20. Porto Rico e as Ilhas Marianas do Norte têm estatuto de Território não incorporado aos EUA. As Ilhas Guam e Virgens Americanas nem são consideradas organizadas, e, consequentemente, não estão incorporadas. Porém a Samoa Americana é formalmente um Território não organizado, embora se autogoverne sob a Constituição de 1967.

A cada Grande Guerra, dita Mundial, os EUA crescem com seu sistema industrial, e os anglo-sionistas veem reduzir seu poder. Como se espera, começa a reação para reocupar o poder que desfrutaram no século 19. Foi este sistema que melhor compreendeu as possibilidades da Teoria Matemática da Comunicação e soube expandir, nas comunicações de massas, questões que tomariam curso numa “sociedade da abundância”.

Sendo o petróleo o principal insumo energético do modelo estadunidense, as campanhas ecológicas (preservação da natureza, combate à poluição, terrorismo ambiental) começam a inundar as revistas, jornais, teses acadêmicas e movimentos sociais em todo Planeta. Foi um investimento que começou a dar retorno já nas “crises do petróleo”, desencadeadas a partir de 1968, e que duram até hoje, século 21.

A tabela da revista Fortune, de 1974, é bastante ilustrativa dessa situação. Trata das 50 maiores empresas industriais do mundo pelo volume de vendas. Apenas 15 têm faturamento superior a US$ 10 bilhões, destas 11 são estadunidenses e oito são petroleiras (cinco dos EUA). As empresas de petróleo somam 18 na tabela, inclusive a brasileira Petrobras.

Porém o mais importante foi promover um conjunto de situações, não restritas mas de forte impacto econômico, na vida das pessoas. O sistema financeiro passa a investir fortemente, a partir dos anos 1960, criando situações irreais que a televisão e o cinema tratam de dar espontaneidade, despretensão, singeleza, fazendo parecer que ocorria com o próprio espectador, sua família, seus amigos.

Em 1960, 75% dos operários estadunidenses se deslocavam para o trabalho em viaturas próprias, e 90% das famílias dispunham de televisão. Também os livros de bolso chegavam a 3 milhões de jovens que frequentavam os 2 mil estabelecimentos de ensino superior; era o público que recebia a maciça doutrinação das finanças.

Ao até então desejado “American Way of Life” faziam chegar as Guerras (Coreia e Vietnã), a insatisfação das mulheres em suas casas suburbanas, o exagerado risco de assalto nas ruas (inserindo a questão racial: negros e latinos) e ampliação do uso das drogas.

A propagação e banalização de uma vida sem sentido explode com os movimentos hippies, o “Flower Power”, os “Sem destino” (Easy Rider, 1969), “pedra de toque para uma geração” que “capturou a imaginação nacional” (documentário Making-of). Exporta a ideia e importa as consequências do “maio de 1968” francês, agitado por forças estrangeiras para derrubar o General De Gaulle, líder da Resistência francesa na II Guerra Mundial e que, após ter participado do combate ao III Reich, não aceitou subordinar seu país ao domínio estadunidense configurado no pós-guerra através, entre outros mecanismos, do dólar.

John Kennedy (1917–1963), 35º presidente, assume em 20 de janeiro de 1961, certo que os EUA estão sendo atingidos por crise profunda da qual a população não se dá conta. Porém erra ao colocar, no primeiro plano da solução, a economia e, com ela, a justiça social, centrada na educação mais igualitária. Não completará três anos de governo.

Revivem-se os mitos da Formação da Nação: liberdade individual e Estado falsamente ausente. Enquanto as finanças dos EUA passam a agir fora das fronteiras. Em 1950, 95 bancos estadunidenses atuavam no exterior; em 1967, eram 298.

A chegada de Richard Milhous Nixon (1913–1994) à Casa Branca, como 37º presidente (20/1/1969), acentua a transformação que reverterá, em pouco mais de uma década, a situação de poder e o sonho americano. Na campanha, Nixon apelou para a “maioria silenciosa”, americanos socialmente conservadores que não gostavam da contracultura hippie e das manifestações contra a Guerra no Vietnã. Parece até inacreditável que, em menos de 50 anos de campanha das finanças anglo-sionistas, os estadunidenses abandonassem o estado de bem-estar alcançado pelo industrialismo e fossem seduzidos pelo canto da sereia financeira neoliberal.

Já em 1968, a defesa do ouro ao preço fixo de US$ 35/onça se tornava cada vez mais insustentável, pela inflação estadunidense. No primeiro semestre de 1971, ativos na ordem de US$ 22 bilhões fugiram dos EUA. Em 15 de agosto de 1971, Nixon emitiu a Ordem Executiva 11.615 com fundamento na Lei de Estabilização Econômica de 1970, impondo unilateralmente controles de preços e salários por 90 dias, sobretaxa de 10% nas importações e, mais importante, tornou o dólar inconversível em ouro, exceto no mercado aberto, esta última anunciada como “suspensão temporária”. Foi o fim do Sistema Bretton Woods, cujo processo de dissolução durou até 1973.

Seguem-se as crises do petróleo até 1980, com o vice de Nixon, Gerald Ford, e com Jimmy Carter na Presidência dos EUA. Coube a Ronald Reagan (1911–2004), 40º presidente (janeiro de 1981 a janeiro de 1989), pelos EUA, e Margaret Thatcher (1925–2013), primeira-ministra (4 de maio de 1979 a 28 de novembro de 1990), pelo Reino Unido, promoverem as desregulações financeiras que marcam o fim do longo ciclo desenvolvimentista, centrado na produção e no consumo, iniciado após a Guerra da Secessão (1861–1865), nos EUA, a I Grande Guerra (1914–1918), no mundo, e com a Revolução de 1930 (Era Vargas), no Brasil.

Os Imperialismos foram mais estudados e criticados pelas condições econômicas (impedir o desenvolvimento das colônias) e políticas (submeter as soberanias) e a decorrente subordinação tecnológica. Porém sempre teve imensa importância a condição psicossocial, como se constata nos idiomas europeus, línguas oficiais de todas as Américas, a Oceania, a maioria dos países africanos e mesmo na Ásia. Veja-se que os EUA e Canadá, nas Américas, a Austrália e Nova Zelândia, na Oceania, e a Índia, na Ásia, se desenvolveram política e economicamente mantendo amarras culturais na Europa.

O Imperialismo Financeiro fez muito mais do que dominar economicamente, ele desorganizou estruturas de Estado, constituiu uma realidade virtual para a vida cotidiana das pessoas. Buscando apartar-se o máximo possível das relações materiais de produção, o financismo nega, consequentemente, as relações sociais concretas como um todo, pois, em sua abrangência, tudo que existe deve dirigir-se ao objetivo de lucro; sendo a realidade humana constituída de tantas finalidades distintas da obtenção de excedentes monetários, ela torna-se insuportável para o financismo, que deseja apagá-la, utilizando, para isso, todo o aparato de controle da mídia, das comunicações e de toda sorte de tecnologia, sobretudo no âmbito digital.

Se Andrew Carnegie (1835–1919), John D. Rockefeller (1839–1937), Thomas Edison (1847–1931), George Eastman (1854–1932), Henry Ford (1863–1947) fraudaram o povo com a publicidade enganosa sobre a qualidade dos seus produtos; os Stuart (1660), associados aos Rothischild (1773), fundaram verdadeira religião cujos pastores (banqueiros, prestamistas, cambistas) são instruídos a se apropriam das riquezas das famílias, dos negócios e das nações para o enriquecimento dos financistas e rentistas: o sistema financeiro anglo-sionista, atualmente, anglo-sionista-estadunidense e, muito provavelmente, já agora, senão em futuro próximo, incorporando os capitais marginais, das drogas, dos contrabandos e de toda sorte de ilícitos.

De início apenas criaram a escravidão pela dívida, depois se apossaram dos bens, passaram a controlar os negócios e, atualmente, com os “gestores de ativos” dominam segmentos inteiros de negócios. Toda indústria farmacêutica, siderúrgica, química, de comunicação de massa no mundo têm nos seus maiores acionistas a BlackRock, Vanguard, State Street, Fidelity, UBS, PIMCO, Allianz e outros com ativos de centenas de bilhões e mesmo dezenas de trilhões de dólares estadunidenses.

Desde os anos 1920, mais intensamente após os anos 1950, as finanças desinformam sobre as questões ambientais e, paulatinamente, foram criando cisões, segregações entre pessoas, por sexo, religião, etnia, fazendo ressurgir o espírito das inquisições e das desagregações, secessões, por toda parte. Os movimentos iniciados nos anos 1960 foram tomando cada vez mais espaço nas mídias, discussões acadêmicas, políticas, parecendo serem as únicas questões que realmente mereciam ser debatidas.

No século 19, exceto na crítica marxista, as análises sobre o desenvolvimento capitalista identificavam as concentrações, pelas integrações vertical e horizontal, tirando vantagem do avanço tecnológico, formando conglomerados e monopólios. Esta expansão levaria às multinacionais, que teriam, no entanto, a direção em única nação. Os “gestores de ativos” têm seus capitais espalhados por 85 paraísos fiscais distribuídos pelos continentes, desde remota ilha no Oceano Pacífico até um setor do centro de Londres, a “City”.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, ministro dos governos José Sarney e Fernando Henrique Cardoso e professor emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no artigo “A crise financeira global e depois: um novo capitalismo?”, assim demonstra entender a economia atual: “A crise financeira global de 2008 foi consequência do processo de financeirização, a criação maciça de riqueza financeira fictícia iniciada da década de 1980, e da hegemonia de uma ideologia reacionária, o neoliberalismo, baseada em mercados autorregulados e eficientes. Dessa crise emergirá um novo capitalismo, embora sua natureza seja de difícil previsão. Não será financeirizado, mas serão retomadas as tendências presentes nos 30 anos dourados em direção ao capitalismo global e baseado no conhecimento, além da tendência de expansão da democracia, tornando-a mais social e participativa.”

Além de não mencionar a verdadeiramente indesejável nova orientação psicossocial das finanças – corrupção, suborno, segregações de diversas naturezas nas sociedades, falsidades, falácias e “fakes” tudo – o ministro de FHC pede a volta do capitalismo dos “Pais Fundadores”. Não acredita no avanço da sociedade vencendo os obstáculos e, em vez de novas concentrações, buscar formas mais amplas e inovadoras de participação popular e de integração social. Nesta cegueira, as finanças avançam e dominam tudo: pessoas, negócios, Estados Nacionais e organismos plurinacionais.

 

Felipe Maruf Quintas é cientista político.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

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