Reflexões para Teoria do Estado Nacional: o Nacionalismo no século 20

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Bandeira do Brasil - Ordem e Progresso (foto de André Maceira, CC)
Bandeira do Brasil - Ordem e Progresso (foto de André Maceira, CC)

Tanto à esquerda quanto à direita, deu a nota dominante da política brasileira

 

O século 20 foi, de várias formas, o século do nacionalismo nos círculos intelectuais e políticos brasileiros. A afirmação intelectual da soberania nacional O pensamento nacional acompanhou o processo de nacionalização que avançava na política, com a remoção da dinastia luso-brasileira de Bragança e a sua substituição pelas oligarquias estaduais e pelas forças militares na transição da Monarquia para a República, e na economia, com a “marcha para oeste” do café e a aplicação dos excedentes cafeeiros em uma industrialização que, se ainda incipiente, já substituía importações e transformava estruturalmente o perfil socioeconômico brasileiro.

Naturalmente, é mais fácil enxergar os fatos em retrospectiva do que durante o desenrolar dos acontecimentos.

Entre o final do século 19 e o início do século 20, a consciência nacionalista florescente angustiava-se diante de um país, que, embora “gigante pela própria natureza”, não apresentava ainda instituições e dinâmicas à altura das suas potencialidades. A alienação intelectual e econômica do país aos centros europeus e, cada vez mais, aos Estados Unidos da América (EUA) frustrava aqueles que defendiam a autonomia brasileira em todos os âmbitos, pois a mendicância de ideias e de empréstimos ao estrangeiro impedia a criação de concepções e de recursos próprios, capazes de interpretar e construir o Brasil para dentro e a partir dele mesmo, e não para fora e a partir de valores e práticas estranhos à realidade nacional e, portanto, incompatíveis com os seus maiores desígnios.

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Na primeira metade do século 20, os maiores expoentes intelectuais do nacionalismo foram Alberto Torres (1865–1917) e seu discípulo Oliveira Vianna (1883–1951). Ambos consideraram faltar coesão interna à nacionalidade brasileira, pois a sociedade, dispersa em núcleos locais historicamente singulares com baixa ligação entre si, carecia de sentimento maior de unidade que proporcionasse formas políticas mais orgânicas e participativas. Enquanto isso as instituições, desenhadas conforme preceitos idealistas e alheios à realidade profunda do povo, eram desvirtuadas e fragilizadas pela submissão a interesses e poderes localistas, o que agravava o estado geral de desorganização nacional.

As fórmulas federalistas e parlamentaristas importadas, tão ao gosto das elites ilustradas, seriam inadequadas às configurações profundas do Brasil.

Se em outras latitudes elas representariam pactos e acordos pela garantia dos direitos e das liberdades, no Brasil elas permitiriam a captura do poder por grupos dominantes cuja atuação se dava ao arrepio das leis e da própria integridade nacional.

Para Alberto Torres e Oliveira Vianna, somente o poder estatal centralizado, forte e enérgico poderia organizar a nação e dotá-la de direção histórica realmente coletiva e abrangente.

O vigor do Poder Executivo aproximaria as instituições da realidade social e faria do Estado não mais uma artificialidade criada para atender interesses oligárquicos, mas uma organização efetivamente nacional, enraizada nos modos existenciais concretos do povo brasileiro.

Torres propôs a criação de um Conselho Nacional vitalício, que enfeixasse todos os aparelhos do sistema político e todas as unidades federativas com o fito de defender a soberania nacional, proteger a economia interna da cobiça externa e zelar pela justiça social.

Oliveira Vianna, por sua vez, defendeu a organização corporativista da sociedade para vincular o Estado à sociedade, bloquear os interesses egoístas de classe, sobretudo dos proprietários rurais e industriais, e criar a solidariedade social que o país necessitava para alcançar maior coesão espontânea e construir instituições mais democráticas. A centralização do poder seria um instrumento para criar as condições sociais para a sua posterior descentralização.

As ideias de Alberto Torres e Oliveira Vianna encontraram ressonância a partir de 1930, durante a Era Vargas, para a qual, inclusive, o último trabalhou diretamente, tendo sido um dos redatores da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Após a 2ª Guerra Mundial, o nacionalismo vinculou a ideia de Estado forte ao planejamento econômico como estratégia de racionalização política do processo de desenvolvimento industrial ao qual se entendeu ser central para a afirmação da soberania nacional.

Nesse sentido, foram duas as principais organizações nacionalistas que formularam concepções de Estado nacional planejador: o Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), representando um viés mais à esquerda, e a ESG (Escola Superior de Guerra), mais à direita.

O Iseb, representado por intelectuais como Alberto Guerreiro Ramos, Hélio Jaguaribe, Álvaro Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré e outros, buscou a elaboração de um pensamento e de uma consciência especificamente brasileiros, lastreados na concretude, nas questões e nos imperativos da realidade pátria. Ele se incumbiu de construir um pensamento social genuinamente brasileiro, capaz de entender a realidade brasileira em termos próprios e de nela intervir apropriadamente para materializar, pelo desenvolvimento econômico, os valores de independência e soberania.

O desenvolvimento, por sua vez, enquanto processo histórico brasileiro, estaria fundamentado em um projeto estratégico de desenvolvimento autônomo do capitalismo nacional, baseado em recursos e fatores internos, independentemente de comandos exógenos. O planejamento seria a operacionalização do projeto e marcaria o controle da nação sobre si própria, superando o subdesenvolvimento, entendido como uma fase de alienação político-econômica aos centros exógenos.

O projeto das reformas de base, do governo João Goulart, foi fortemente influenciado pelo reformismo desenvolvimentista do Iseb, que visava profundas transformações na estrutura social brasileira para a efetivação do ideal nacionalista popular de um Brasil dos e para os brasileiros.

A principal contribuição teórico-programática da ESG, por sua vez, foi a Doutrina de Segurança Nacional, ideologia oficial do regime militar inaugurado em 1964.

Ela era calcada no binômio Segurança/Desenvolvimento. O objetivo era fortalecer o Poder Nacional em suas várias expressões: política, econômica, psicossocial e militar; posteriormente agregou-se, como expressão do poder, a científico-tecnológica.

De acordo com a Doutrina de Segurança Nacional, segurança significaria não apenas defesa, voltada à integridade dos limites fronteiriços do País e ao combate militar ao inimigo externo, mas, principalmente, a manutenção da estabilidade das instituições e da coesão nacional. Dedicar-se-ia, assim, ao combate à agressão interna levada a cabo por agentes infiltrados e fatores desestabilizadores de ordem material e ideológica.

Haveria uma interdependência e uma causalidade recíproca entre Segurança e Desenvolvimento, entre a coesão das instituições e o progresso econômico, num paralelismo com o binômio Ordem e Progresso tal como entendido pelos positivistas que inscreveram esse lema na Bandeira Nacional.

Dessa forma, tanto à esquerda quanto à direita, o nacionalismo deu a nota dominante da política brasileira no século 20, alçando o país a um patamar superior de desenvolvimento e de projeção internacional.

O Brasil, ao final do século 20, existia numa escala econômica e demográfica infinitamente superior à do início, provando a sua vocação para conquistas progressivas quando imbuído de ideias soberanistas que o nacionalismo, em suas várias vertentes, tão bem expressou.

 

Felipe Maruf Quintas é doutorando em Ciência Política.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

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