“Em vez de isentar faixas específicas do Imposto de Renda, o governo deveria corrigir estruturalmente a tabela progressiva do sistema, atualizando outras categorias que, como estão desatualizadas, mantêm uma defasagem histórica e injusta.”
Ao analisar o Projeto de Lei 1.087/2025, que trata da reforma da tributação sobre a renda, e baseando-se em cálculos, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) percebeu que, dentre outros aspectos, a atual alíquota de 27,5%, por exemplo, aplicada para quem ganha acima de R$ 4.664,68 hoje, deveria ser usada para quem ganha acima de R$ 12.582,84.
A isenção, nessa mesma conta, deveria ser dada a todos os contribuintes que recebem, mensalmente, R$ 5.135,95, com alíquotas progressivas que vão até a faixa dos R$ 12 mil já mencionada.
Na análise da Fecomércio-SP, se a tabela fosse corrigida todos os anos desde a implementação do Plano Real, em 1994, as faixas de isenções já seriam muito maiores hoje.
“Porque os sucessivos governos usaram a inflação acumulada do período como um aumento disfarçado da carga tributária. Assim, trabalhadores de rendimentos médios e baixos passaram a ser tributados, na medida em que os aumentos dos valores ao longo dos anos os empurraram para faixas mais altas de tributação. Essa prática é chamada, na economia, de progressão fiscal fria. Isso também é verdade considerando deduções fixadas em valores nominais, como despesas com educação, que também são antigas e estão desatualizadas. Logo, as isenções para quem ganha até R$ 5 mil não representam um benefício aos mais pobres, mas apenas uma correção (parcial) dessas distorções, que já vêm sendo acumuladas há anos”, diz a entidade.
De acordo com a Fecomércio-SP, se o governo quisesse agir efetivamente para tirar o peso do IR de quem não deveria arcar com o imposto, precisaria fazer uma reforma mais profunda. Sem contar que, ao analisar a distribuição da renda no Brasil, fica evidente que boa parte da população economicamente ativa ganha salários mais baixos do que esse limite. O resultado disso são injustiça fiscal e comprometimento de uma almejada progressividade do sistema.
Em meio a horizontes de médio e longo prazos bastante alarmantes ao país, a entidade se mobiliza para empreender essas mudanças no IR aproveitando que o assunto está em voga desde, pelo menos, os anúncios do governo – que se provaram insuficientes.
“Há ainda a preocupação política de que a ampliação da faixa de isenção do IR represente um risco fiscal, já que o Congresso pode usá-la como ferramenta de viés eleitoreiro, aumentando ainda mais as escalas com vistas à próxima eleição. Se isso se confirmar, seria um dano profundo às contas públicas”.
Além disso, a recente proposta de correção da tabela do Imposto de Renda é defendida como uma medida de justiça fiscal pelo advogado tributarista André Felix Ricotta de Oliveira, doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. Ele aponta que a defasagem da tabela ao longo dos anos é um dos principais fatores de injustiça no sistema tributário brasileiro.
“Sou a favor da faixa de isenção até R$ 5 mil. Isso não é um benefício legal – é uma garantia constitucional do mínimo para subsistência”, afirmou.
Ricotta destacou que, se o limite de isenção adotado em 1996 – de R$ 900 – tivesse sido corrigido pela inflação, atualmente pessoas com renda de até R$ 8.789 estariam isentas do tributo.
“Essa proposta é uma reparação histórica”, pontuou, acrescentando que a carga tributária no Brasil é extremamente concentrada nas empresas do lucro real: “65% da arrecadação federal vem dessas empresas. A renda está concentrada, e a tributação segue essa lógica”.
Ao analisar o modelo adotado com a reforma tributária sobre o consumo, o especialista foi ainda mais incisivo. “A ideia vendida de que a reforma vai devolver tributos às pessoas de baixa renda é um engodo. O cashback só incidirá 100% sobre a CBS e, mesmo assim, apenas para itens como gás, energia elétrica e saneamento. Fora isso, 80% do tributo continuará sendo pago pela população pobre tanto a título de CBS como IBS”.
Ricotta também criticou a forma como o governo estruturou a reforma, sem antes realizar mudanças na máquina pública. “O erro foi fazer uma reforma tributária sem uma reforma administrativa. Com a criação da CBS, a União ampliou sua base de arrecadação, enquanto os estados perderam protagonismo. O IBS e a CBS são irmãos gêmeos criados por pais distintos que não confiam um no outro. Isso tende a gerar problemas graves de gestão, disputa federativa no futuro e distorções tributárias”.
Sobre a possível volta da tributação de lucros e dividendos, o tributarista destacou que o debate atual precisa considerar todo o histórico e o contexto fiscal brasileiro. “Na década de 1990, o Brasil optou por tributar fortemente a renda das pessoas jurídicas e isentar a distribuição de lucros. Isso foi feito para evitar discussões infindáveis sobre distribuição disfarçada de lucro. Agora, querem retomar essa tributação, mas sem considerar o que já é pago”.
Para Ricotta, qualquer nova alíquota sobre lucros e dividendos precisa ser calibrada levando em conta os impostos já recolhidos pelas empresas, incluindo IRPJ, CSLL e até PIS/Cofins. “Nenhuma empresa paga efetivamente 34% a título de IRPF e CSLL. A média é de 25%. Se já pagou esse valor, a tributação sobre o sócio deveria ser zero. O debate precisa ser transparente. A Receita tem esses dados e deveria divulgá-los”, defendeu.
Por fim, o tributarista lamentou que, no Brasil, medidas que prometem equidade fiscal acabem sendo desvirtuadas na prática.
“Criaram até um ‘piso do piso’ com o cashback. Dizem que é para quem ganha meio salário mínimo per capita, mas isso ignora a realidade de milhões de famílias. Um casal que ganha dois salários mínimos não terá direito a nada. Isso é uma falácia vendida à imprensa e à sociedade”.
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