Reforma e expectativas

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Se não ocorrer um novo escândalo político nacional, ou não surgirem novos fatos desdobrando os escarcéus recentes (privatização das telefônicas, viagens de turismo de ministros às custas do tesouro, nomeação de torturador para o comando da Polícia Federal etc.), o processo da reforma tributária deverá entrar, nos próximos dias, na agenda pública do País. Esgotados os trabalhos das CPIs do Poder Judiciário e dos Bancos, no Senado, a aprovação, em agosto, do relatório da Comissão Especial da PEC 175/95, que está funcionando durante o recesso para adiantar o expediente, sinalizará para a opinião pública, em caráter definitivo, que a Câmara dos Deputados vai finalmente deliberar sobre a reforma tributária. Poderá parecer um milagre, mas é bastante provável que o grupo parlamentar presidido pelo deputado Rigotto consiga a proeza. Mas ainda é preciso torcer…
Porém, para que não ocorram novas frustrações na sociedade brasileira, tantas vezes decepcionada por planos e reformas apresentadas pelo governo como salvadoras, é preciso desfazer algumas expectativas indevidamente criadas.
A primeira é de que com a reforma tributária se obteria a racionalização do sistema, com redução do número de impostos, contribuições e taxas, e a simplificação de sua cobrança, como insinuava a propaganda atraente, mas enganosa, em torno da proposta do Imposto Único. Concentrar nele o grosso da arrecadação nacional significaria elevar a alíquota atual da CPMF de 0,38% para algo entre 4 e 6%, o que seria inviável.
Apesar de se perseguir racionalização dos tributos, a Comissão já sabe que os novos tributos que precisam substituir os antigos não deixam margem para reduzir seu número. O Imposto sobre Vendas a Varejo, novo tributo cuja criação é reivindicada por São Paulo, é um exemplo das dificuldades que a comissão tem para modernizar o sistema sem produzir alterações profundas nas finanças de União, estados, municípios, e além disso desonerar as exportações, os novos investimentos, a cesta básica e outros objetivos relevantes que persegue.
Outro equívoco que devemos evitar é o de supor que a reforma permitirá a redução da carga tributária brasileira, hoje em torno de 30% do PIB e considerada por alguns demasiadamente elevada. É verdade que, no Brasil, os tributos pesam mais do que na Argentina, por exemplo, e noutros países subdesenvolvidos. Porém, nossa carga é equivalente a dos EUA e bastante inferior à média dos países da OCDE (47% do PIB). Para um país que comprimiu as despesas sociais e os investimentos públicos abaixo do mínimo razoável e, ainda assim, produziu um déficit em suas contas públicas de 8% do PIB, em 1998, prometer redução da carga de tributos é totalmente enganoso e contraditório com a realidade. Além disso, como o Brasil se comprometeu agora com o FMI a gerar superávits da ordem de 3% do PIB, em 1999 e anos seguintes, o que se deveria esperar era um crescimento futuro da carga tributária da ordem de 10 a 11% do PIB.
Portanto, não tenhamos ilusões. Se conseguirmos manter a carga atual, em termos nominais, e aumentar a carga efetiva através da redução da sonegação será uma grande coisa, num país que atingiu seu limite de endividamento e quer reduzir o serviço de sua dívida que absorve grande parte da arrecadação.
A ampliação da carga fiscal efetiva não pode se dar em cima dos mesmos contribuintes e bases tributáveis atualmente responsáveis pelo grosso da arrecadação: renda, patrimônio e o ciclo produção-circulação-consumo. É preciso alcançar os que contribuem com pouco ou nada, através da evasão (crime) ou da elisão (aproveitamento das brechas da lei) tributárias. É fundamental, também, buscar novas bases de tributação para poder cogitar de aliviar as bases tradicionalmente oneradas por impostos e contribuições. Somente desta forma se poderá reduzir os tributos atualmente incidentes sobre as pessoas e empresas que pagam, sem inviabilizar a operação dos serviços públicos e o funcionamento da máquina governamental em seus diferentes níveis, sobretudo seus programas sociais que deveriam promover a redistribuição indireta da renda.
É esta a função que pode exercer um novo Imposto sobre Atividades Poluidoras, com vistas a gerar arrecadação sobre a produção e o consumo de bens e serviços que lançam efluentes e rejeitos poluidores na atmosfera, nas águas e no solo, ou que pressionam o consumo de recursos naturais existentes. Tal receita adicional é que permitiria reduzir impostos e contribuições sobre outros fatos geradores, como por exemplo o consumo de bens e serviços essenciais para a população ou para o desenvolvimento econômico: alimentos, combustíveis limpos para o transporte público, telecomunicações, eletricidade etc., hoje pesadamente taxados. O Brasil está atrasado neste campo, pois, de acordo com pesquisa elaborada por Francisco E. Mendes e Ronaldo S. da Motta, para o Ipea/MPO (Instrumentos Econômicos para o Controle Ambiental do Ar e da Água: uma Resenha da Experiência Internacional), países como França, Japão, Portugal, Suécia, EUA, Colômbia, República Checa e até a China já taxam emissões poluentes do ar – basicamente gases de enxofre, carbono e nitrogênio. Austrália, Dinamarca e EUA tributam os CFCs, Halons, tetracloreto de carbono e metil-clorofórmio que destroem a camada de ozônio. Alemanha, Bélgica, Colômbia, Coréia, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, República Checa e Turquia cobram taxas sobre lançamento de efluentes poluentes nos corpos d”água.
Além de permitir orientar as atividades econômicas no sentido de adotarem as melhores tecnologias, do ponto de vista do conjunto da sociedade, o imposto a ser criado sobre a poluição tem um potencial de arrecadação de recursos de cerca de R$ 4 bilhões, equivalente aos atuais IPTU, ISS, IPVA ou IOF.

Luiz Alfredo Salomão
Membro da Comissão da Reforma Tributária da Câmara dos Deputados e diretor da Escola de Políticas Públicas e Governo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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