O grande número de exceções na regulamentação da reforma tributária é um dos pontos de preocupação de parte do setor produtivo, que teme aumento da carga de tributos. Esse foi um dos alertas feitos por participantes da segunda audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado sobre o tema, ontem. Na audiência, representantes de diversos setores da economia – entre eles, da indústria, da agropecuária e do comércio – apontaram pontos positivos da reforma tributária (Emenda Constitucional 132), como simplificação, integração e não cumulatividade mas fizeram sugestões para alterações no texto do Projeto de Lei Complementar (PLP) que regulamenta os novos tributos previstos.
O debate faz parte de uma série de 11 audiências públicas da CCJ sobre o PLP 68/2024, em análise na comissão. As discussões devem subsidiar o trabalho do relator do projeto, senador Eduardo Braga (MDB-AM). O foco da audiência desta quarta foi ouvir os interesses dos setores produtivos e o impacto da reforma no PIB e na economia do país.
Representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o ex-senador Armando Monteiro Neto disse ter certeza de que o novo sistema vai produzir mais crescimento econômico, aumentando a base de arrecadação pela “via saudável” do crescimento, e não pelo aumento de tributos. Ele citou um estudo da UFMG que estima que o impacto da reforma no crescimento do PIB ao longo de 15 anos pode chegar a 12%. Também destacou que enfim o país terá uma tributação integrada, sem a segmentação da taxação do consumo entre bens e serviços.
Monteiro, porém, ressaltou a preocupação do setor industrial com as exceções ao modelo de cobrança (os chamados regimes diferenciados). Ele afirmou que a indústria é um dos setores mais prejudicados com as distorções do atual sistema tributário, que contribuíram para o processo de desindustrialização precoce no país. De acordo com conselheiro emérito da CNI, a indústria é o setor com maior capacidade de gerar crescimento para o Brasil.
“Um sistema que onera o investimento, que torna o investimento mais caro, é um sistema (me permita) burro, porque você está impondo ao país uma desvantagem no processo de atração dos investimentos. Refiro-me ainda à questão da complexidade do nosso sistema, o nível de litigiosidade e o fato de que temos uma imensa dificuldade no sistema de creditamento”, elencou.
O economista Igor Lopes Rocha, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), também expressou preocupação com as exceções. Para ele, a reforma é positiva e pode trazer ganhos para o setor produtivo, mas é preciso tomar cuidados com as muitas exceções, que podem gerar um aumento considerável na carga tributária final.
“O que acontece é que a reforma, com o modelo do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), é como se fosse um condomínio. Quando todo mundo paga, todo mundo paga menos. Quando 30%, 40%, 60% dos moradores do condomínio, por alguma razão, defendem que não devem pagar aquele condomínio, quem paga o condomínio vai pagar mais, então é muito importante ter isso em mente. Isso tira eficiência do sistema produtivo, tira a competitividade do país, tira eficiência da reforma tributária”, alertou.
Uma das sugestões apresentadas pelo representante da CNI é reduzir ainda mais o tempo para a restituição de saldos credores ao sistema produtivo. Outra proposta é de que, nos regimes aduaneiros especiais, seja assegurado o mesmo tratamento às compras internas e ao produto importado, para que não haja desvantagem aos produtos produzidos no país. Armando Monteiro defendeu ainda que tributar minerais que são insumos da cadeia produtiva é um retrocesso, porque traria uma cumulatividade ao sistema.
O alerta sobre a tributação desses insumos também foi feito por Renato Conchon, coordenador do Núcleo Econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Para ele, a reforma retira o Brasil das “trevas tributárias”, mas é preciso fazer ajustes em alguns pontos. A CNA elaborou uma lista de sugestões para o relator.
“Estamos sugerindo aperfeiçoamentos e nós vamos, obviamente, entregar isso para o senador Eduardo Braga no sentido de contribuir, mantendo o escopo da reforma, mas, sobretudo, garantindo a segurança jurídica e a não cumulatividade plena, para que de fato nós tenhamos um sistema tributário o mais perfeito possível, para a gente não perder essa oportunidade”, afirmou, ao reconhecer a complexidade do trabalho do relator.
Entre os ajustes redacionais sugeridos pela CNA, estão alterações no conceito de produto in natura, para não prejudicar produtores rurais que vendam seu produto embalado para o consumidor final. Outra alteração proposta pela confederação busca incluir produtos como sucos, castanhas, cogumelos, óleos vegetais e mel na cesta básica, que contém itens isentos dos impostos sobre consumo.
A inclusão de mais itens na cesta básica também é uma reivindicação da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Paulo Rabello de Castro, que representou a entidade na audiência, defendeu a inclusão de produtos regionais, como açaí, charque, rapadura e mate. A Abras também pede que sejam incluídos na cesta outros produtos, como biscoitos de água e sal, água mineral, milho e ervilha em lata, gorduras animais, atum e sardinha em lata, linguiça e salsicha. Para ele, a reforma, como está, aumenta a carga tributária para os produtos vendidos em supermercados.
“Elevando uma carga de cerca de 13,8% para 19%, mais de cinco pontos percentuais, é óbvio que o consumo deve cair; segundo nossas estimativas, algo da ordem de 5 a 7%. Precisamos alertar o Senado Federal para que não compactue com essa sanha arrecadatória, que eu considero que vem do Ministério da Fazenda, pelos problemas circunstanciais de déficit primário. Há necessidade de uma reforma administrativa, mas que parece ser mais rápido e mais fácil estar sempre conspirando para aumentar a arrecadação”, lamentou.
Assim como ele, o vice-presidente jurídico da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Anderson Trautman Cardoso, cobrou do Poder Executivo um projeto de reforma administrativa para contribuir com a redução do custo do Estado e permitir a diminuição do déficit fiscal e da carga tributária.
Eduardo Lourenço, consultor tributário do Instituto Pensar Agropecuária (IPA), também levou sugestões do setor para a comissão. Entre elas, está o aumento do prazo para a revisão das regras sobre créditos presumidos, de um ano para cinco anos. A mudança, de acordo com o consultor, traz maior segurança jurídica no que diz respeito a investimentos. Outra sugestão é permitir que a lista de insumos agropecuários prevista no projeto seja definida com a participação do Ministério da Agricultura, para permitir a inclusão de itens e favorecer a inovação tecnológica.
A consultora tributária Alessandra Brandão, da Confederação Nacional do Transporte (CNT), concorda que a reforma, de modo geral, traz vantagens ao setor produtivo. Ela expressou, no entanto, preocupação com alguns pontos do texto. O principal deles, na visão da especialista, é o transporte internacional. A consultora explicou que hoje são desoneradas operações de transporte do exterior para o Brasil e do Brasil para o exterior, o que não está mantido no projeto. O texto só considera o transporte como exportação caso o contratante seja uma empresa residente e domiciliada no exterior.
“Com isso, se uma empresa brasileira ou uma exportadora brasileira contrata uma empresa de transporte para pegar carga no Brasil e entregar, por exemplo, num país no Mercosul, isso vai ser tributado, e essa tributação é totalmente contrária aos preceitos da reforma. Isso tem uma consequência nefasta para o setor de transporte brasileiro, porque as transportadoras brasileiras vão ter ônus maior do que as estrangeiras, e isso vai fazer com que os exportadores brasileiros passem a contratar empresas estrangeiras”, alertou.
Para o consultor tributário Gilberto Alvarenga, representante da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), não adianta reduzir alíquotas sem respeitar princípios da reforma que garantem uma carga tributária menor. Um dos pontos apontados como preocupantes pela confederação é o condicionamento do crédito ao recolhimento na etapa anterior. A exigência, na visão do consultor, fere a não cumulatividade plena, princípio central da reforma tributária, e ainda transfere ao contribuinte uma responsabilidade que não é dele, de fiscalizar a adimplência da cadeia produtiva.
Além disso, estudo da Vieira Melo e Lionello (VML) prevê redução de 90% na judicialização de processos tributários após fase de ampliação de contencioso durante a transição. Mas se a etapa de implementação das mudanças pode inchar os tribunais provisoriamente, também deve promover investimentos em sistemas contábeis e fiscais, com automatização e treinamento de profissionais movimentando positivamente a economia. No longo prazo, as empresas devem reduzir custos com compliance e ser estimuladas a investir em práticas ESG e produtos e serviços sustentáveis, que são beneficiados com menor carga tributária. Calcula-se que a reforma deve gerar até 12 milhões de novos empregos e um crescimento de 20% no PIB brasileiro nos próximos 15 anos, cerca de R$ 1,2 trilhão.
“A reforma tributária traz muitas oportunidades para as empresas. Desde a etapa de transição até sua consolidação, o novo sistema tributário movimentará positivamente a economia e o resultado é mais eficiência e agilidade jurídica também”, avalia Alexânia Simão, coordenadora jurídica da Viera Melo & Lionello. “Embora a expectativa seja de que a carga tributária mantenha a arrecadação igual à atual, a unificação de impostos e a adoção de um sistema de crédito mais amplo tendem a reduzir os custos e a distribuição deve variar entre os setores, beneficiando as empresas que promovem a sustentabilidade”, acrescenta.
O processo de transição exige que as empresas estejam atentas às implicações legais e operacionais da reforma, que inicia a unificação tributária em 2026 e mantém dois modelos durante uma fase. Se a atualização demandará investimentos nos sistemas contábeis e fiscais, além de treinamento de profissionais, ao final, as empresas economizarão em compliance.
A simplificação tributária é o maior ativo prometido pela reforma tributária, mas o novo modelo garante mais eficiência e agilidade também nos processos judiciais após a etapa de transição. Dúvidas, compensações administrativas e discussões sobre créditos tributários devem impactar no volume de ações em um primeiro momento na avaliação dos especialistas, mas, implementado, o novo sistema reduz espaço para litígios devido a interligação e maturidade do sistema financeiro brasileiro, que conta com a tecnologia da Receita Federal, reconhecida mundialmente por sua automação, além promover a não cumulatividade ampla e o chamado split payment.
Com informações da Agência Senado
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