Conversamos com Eduardo Araújo, diretor da Tax All Consultoria Tributária, sobre se o setor de serviço paga menos tributos que indústria e comércio. Cabe destacar que estamos considerando apenas a regra geral, pois se fôssemos considerar os benefícios fiscais, essa entrevista seria interminável.
As empresas de serviços pagam menos tributos que as indústrias e as empresas de comércio?
Se eu te responder essa pergunta de maneira seca, olhando apenas para as alíquotas, sim, já que as alíquotas da indústria e do comércio são maiores que as alíquotas de serviços; só que essa resposta, dada dessa forma, pode ser considerada imprudente, pois nós temos que entender o motivo pelo qual as alíquotas são desse jeito.
Eu vou analisar primeiro a indústria, pois como ela tem IPI, ela é ainda mais tributada que o comércio. A indústria possui alíquotas mais elevadas, como um ICMS que pode bater 20%, às vezes até mais, e um IPI que pode bater 25%, dependendo do produto que se está falando, mas como a base de cálculo desses impostos já é um IVA, eles incidem sobre um valor agregado. Assim, por mais que a alíquota seja alta, ela somente vai incidir sobre a margem de valor que foi agregado, desde a compra de insumos para industrialização até a venda do produto industrializado.
A metodologia das empresas de serviços é diferente. As alíquotas são reduzidas, só que as empresas desse setor têm como base de incidência o faturamento, ou seja, uma base maior.
Quando dizem que as empresas de serviços pagam menos tributos, isso depende do caso. Se nós estivermos comparando com uma indústria que possui uma margem de rentabilidade muito alta e que paga altas alíquotas de IPI e de ICMS, provavelmente, ela vai ter uma carga tributária superior, porém, quando falamos de indústria e comércio, não é comum haver uma margem de rentabilidade muito alta. Pelo contrário, há uma margem menor na qual incidem alíquotas maiores que as alíquotas de serviços.
Historicamente, as empresas de serviços não têm muitos insumos para produzir os seus serviços, pois suas atividades são baseadas no trabalho de pessoas. Isso faz com que elas tenham uma margem maior com uma alíquota reduzida. É por isso que essa pergunta tem que ser sempre analisada olhando a base de cálculo e a alíquota envolvida.
Qual a lógica da tributação de consumo da indústria, do comércio e de serviços?
Vamos imaginar uma indústria que fabrica calçados e um supermercado. Eles trabalham com o conceito de ganho de escala. Como nesses casos os custos dos produtos e das mercadorias vendidas possuem um grau de relevância muito grande sobre o faturamento, essas empresas criam modelos onde conseguem escalar a produção para dar rentabilidade ao negócio.
Apesar de elas terem um alto custo, elas conseguem fazer ou comercializar vários produtos em determinado período. Para esse modelo, o governo criou o valor agregado, onde os impostos somente incidem sobre o que foi agregado.
No caso das empresas de serviços, tirando exceções como as empresas de tecnologia, elas não possuem o efeito de escala. Seus serviços são personalísticos, geralmente vinculados a profissões regulamentadas, e envolvem muito mais uma questão de intelecto agregado do que uma questão de escala de commodity de produção.
Quando o governo identifica uma atividade com mais valor agregado de mão de obra, ele reduz a tributação, pois sua produção não tem escala. Por exemplo, num mesmo período, uma empresa de serviços produz menos serviços que uma fábrica faz de produção e que um comércio comercializa.
A lógica é que para produtos que são escaláveis e que possuem margens menores, você tem alíquotas maiores sobre o valor agregado. Para produtos que não são escaláveis e que possuem margens maiores, você tem alíquotas reduzidas, pois a base de cálculo é maior.
A lógica da tributação de consumo de uma empresa de serviços se repete na lógica da tributação da sua renda?
Para dar essa resposta, vou deixar de lado as empresas do Simples para que possamos analisar dois grupos de empresas que serão muito afetados pela reforma: as empresas do lucro real e as empresas do lucro presumido.
No caso das empresas do lucro presumido, como o próprio nome já diz, o governo presume o lucro e, em cima disso, faz a tributação do imposto de renda e da contribuição social. As empresas de serviços, indústrias e comércios, que são tributadas dessa forma, possuem as mesmas alíquotas, 15% de Imposto de Renda e 9% de CSLL e adicional, porém, se a empresa é de serviços, a presunção da sua base de cálculo será maior que a presunção da base de cálculo de uma indústria ou de um comércio.
Quando vamos para o lucro real, a situação muda. As alíquotas são iguais, mas a base de cálculo é realmente aquela que se encontra na realidade, que, na prática, vai ser, exatamente, a que se encontra no lucro presumido.
A premissa da tributação da renda é a mesma na tributação do consumo, com tratamentos diferentes para a indústria e o comércio e para serviços, mas alterando a base de cálculo, e não as alíquotas como ocorre na tributação do consumo.
Como você tem visto a condução desse debate?
Essa questão do setor de serviços sempre ter sido favorecido não pode ser o principal foco da reforma. Se a indústria e o comércio reclamam que possuem uma alta carga tributária e se o setor de serviços é criticado por ter uma baixa carga, o que pode ser rebatido dependendo do caso, o que deveria ser criado é um modelo mais justo para quem está sendo sobretaxado, mas sem que se aumente a carga tributária para o outro lado, pois, de forma geral, a carga tributária já é muito alta para todos. Não se pode compensar um lado descompensado o outro.
Uma saída para isso poderia ser a proposta de criação do Imposto Federal, num modelo parecido com a CPMF. Esse imposto teria uma alíquota menor e mudaria, completamente, a forma de arrecadação dos tributos federais, pois incidiria sobre a movimentação financeira. Quando se foca nesse tipo de movimentação, pouca coisa fica de fora. A CPMF era um tributo simples de ser arrecadado e fiscalizado e pouco gerava litígio. Isso deveria ser colocado em debate e analisado junto com a PEC 45/2019.