Regulação, constituição e algoritmos na era digital: a urgência de um marco legal para a comunicação social eletrônica no Brasil

Urgência de um marco legal para a comunicação social eletrônica no Brasil e os desafios da regulação algorítmica na era digital. Por Israel Bayma.

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A sociedade contemporânea vive um momento crucial no que se refere à organização dos fluxos informacionais e à proteção dos direitos humanos fundamentais no ambiente digital.

A Comunicação Social Eletrônica (CSE), compreendida como toda forma de difusão de conteúdo por meios tecnológicos digitais e convergentes — rádio, televisão, internet, redes sociais e plataformas digitais — tornou-se um dos eixos centrais da vida democrática, da economia informacional e da soberania cultural das nações.

No entanto, o Brasil ainda não tem um marco legal moderno e abrangente que regule de forma eficaz a comunicação social eletrônica, como disposto no artigo 222, § 3.º, da Constituição de 1988.

Assim, inauguro este pequeno texto partindo do pressuposto de que, sem a aprovação de uma Lei de Comunicação Social Eletrônica (LCSE), esse dispositivo constitucional permanece como uma norma de eficácia limitada, o que compromete a proteção dos direitos à liberdade de expressão, à informação e à comunicação.

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A omissão do legislador não apenas enfraquece a aplicabilidade das normas constitucionais, como também acentua a assimetria de poder entre grandes conglomerados de mídia e a sociedade civil, dificultando o controle democrático sobre os fluxos comunicacionais.

Há muito tempo, os meios de comunicação tradicionais — como rádio e televisão — resistem à regulação da comunicação social eletrônica. Essa resistência intensificou-se ainda mais diante do domínio exercido pelas grandes corporações digitais, as chamadas big techs, cujas estruturas são controladas por oligarquias transnacionais que estão tentando impor suas lógicas políticas, econômicas e culturais em escala global.

Nesse debate, acho importante trazer as reflexões do professor Alexander Galloway, da Universidade de Nova York, que afirma que a internet é, por sua própria concepção, um sistema intrinsecamente regulado. Para Galloway, não há internet sem regulação: os próprios protocolos que a estruturam, como o TCP/IP, trazem em sua essência o conceito de controle.

Segundo ele, é ilusório sustentar que as redes digitais, por serem distribuídas, estejam fora do alcance de qualquer forma de ordenamento. Pelo contrário, elas operam sob um regime altamente organizado e hierárquico, ainda que invisível. Portanto, o verdadeiro debate não é sobre a existência ou ausência de regulação, mas sim sobre a natureza dessa regulação: quem exerce o controle, em que nível ele se manifesta — se nas instâncias estatais ou na infraestrutura técnica das redes — e como esse controle impacta os direitos e garantias dos cidadãos.

Também trago a contribuição de Lawrence Lessig, renomado professor de Direito na Universidade de Harvard e um dos teóricos sobre regulação da internet, que tem contribuído para o entendimento da arquitetura digital como estrutura normativa. Em sua obra Code and Other Laws of Cyberspace, de 1999, Lessig já argumentava que a internet não é um espaço neutro, mas sim regulado por códigos — softwares, protocolos e infraestruturas que funcionam como formas de regulação. E código é um algoritmo.

Ora, os algoritmos sempre estiveram na vida dos programadores, dos cientistas de dados, dos engenheiros e dos demais especialistas e técnicos de computadores. Mas, hoje, avançaram; estão no centro de nossas vidas, de toda a sociedade consumerista. Estão nas redes sociais, mas também nos carros elétricos, nos elevadores, nas câmeras de monitoramento, nos celulares etc. E cada vez aprendem mais ao processarem dados.

Algoritmo não é um conceito novo. É uma sequência de instruções que dizem a um computador o que fazer. As linguagens COBOL, FORTRAN, PASCAL, C++, PYTHON — todas linguagens de alto nível — permitem que se expressem algoritmos de uma forma mais simples, processando um conjunto de instruções que são mais fáceis de usar. Por isso, este autor — engenheiro eletrônico e programador de computadores por muitos anos — adota o conceito de algoritmos como o conjunto de instruções que orientam a execução de tarefas específicas, enquanto a lógica de programação é a maneira como esses algoritmos são organizados para solucionar problemas e atingir um resultado desejado.

O que deve ser feito?

  • Primeiro, não se conceber os algoritmos como algo abstrato ou mera tarefa técnica, e sim conhecer quais escolhas humanas e institucionais estão por trás de suas elaborações.
  • Depois, é preciso saber como os algoritmos são convocados, recrutados e negociados como parte de esforços coletivos para conhecer e se tornar conhecido.
  • Em seguida, não sujeitar o discurso e o conhecimento humano a lógicas procedimentais que sustentam toda a computação.
  • Também é necessário saber como eles funcionam, onde são implantados ou o que os movimenta financeiramente; desvendar seu funcionamento interno e destacar seus critérios implícitos.

Segundo Lessig, a arquitetura da informação deve ser projetada para garantir liberdade, transparência e participação. Ele nos alerta para os riscos da autorregulação pelas grandes plataformas tecnológicas, que atuam muitas vezes sem a devida responsabilização pública.

Também acho relevante as contribuições que podem ser dadas nesse debate pelo movimento do software livre, um conceito desenvolvido por movimentos como a Free Software Foundation, a qual se baseia na ideia de que os usuários das redes digitais — e da internet — devem ter liberdade para executar, estudar, modificar e distribuir softwares. Essa filosofia, de forte conteúdo político-social, aplicada ao campo da regulação da comunicação digital, pode oferecer um paradigma inovador e democrático para enfrentar os desafios impostos pelos algoritmos e pelas plataformas fechadas.

O modelo do software livre pode inspirar diretamente o desenho de uma governança algorítmica mais justa, democrática e transparente para as redes sociais:

  • Licenças copyleft, como a licença GNU GPL, podem ser adaptadas para exigir que quaisquer modificações em algoritmos de recomendação e impulsionamento — especialmente aqueles que operam sobre conteúdos sensíveis — sejam abertas ao escrutínio público.
  • Descentralização e democratização, centrais ao software livre, podem ser promovidas com o uso de protocolos abertos, como o ActivityPub, oferecendo alternativas concretas ao oligopólio das big techs.
  • Participação cidadã e cooperativa: o movimento do software livre propõe que os usuários sejam agentes ativos na fiscalização, adaptação e evolução das plataformas. Aplicado à comunicação social eletrônica, isso significaria a criação de instâncias colegiadas, com representação da sociedade civil, para fiscalizar algoritmos, processos de moderação e políticas de recomendação de conteúdo.

Um exemplo prático desse modelo seria a exigência de que algoritmos de recomendação e impulsionamento em grandes plataformas digitais fossem licenciados sob termos que garantam:

  • Acesso ao código-fonte, permitindo auditoria técnica e independente;
  • Documentação pública dos critérios de priorização e moderação de conteúdo;
  • Proibição de caixas-pretas (black boxes) que favoreçam conteúdos virais ou desinformativos sem qualquer transparência.

Deve-se reconhecer que a internet já é, de fato, objeto de regulação no Brasil. Existem normas relevantes como o Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/2014), a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD – Lei n.º 13.709/2018) e a própria Lei Geral de Telecomunicações (Lei n.º 9.472/1997) — nos aspectos da regulação de infraestrutura. No entanto, essas legislações operam de forma setorial, segmentada, desconectada e, muitas vezes, insuficiente diante da complexidade das novas dinâmicas da comunicação digital.

É igualmente alarmante a realidade brasileira no que diz respeito à concentração da propriedade dos meios de comunicação tradicionais, como rádio e televisão, ainda controlados majoritariamente por grupos familiares com fortes vínculos políticos, o que configura o fenômeno que identifiquei há muitos anos como coronelismo eletrônico. Trata-se de uma forma de poder político oligárquico regionalizado, perpetuado por décadas, que resiste a qualquer tentativa de democratização dos meios de comunicação social.

Diante da convergência digital, o Brasil passou a conviver com uma dupla concentração: a tradicional, enraizada no sistema político, e a emergente, fundada na hegemonia das plataformas digitais estrangeiras.

Nesse ecossistema, o ambiente regulatório brasileiro permanece fragmentado, disperso entre diferentes órgãos e instâncias, incapaz de lidar com os desafios impostos pela convergência tecnológica, pelas plataformas globais de conteúdo e pelos algoritmos opacos que operam sem transparência efetiva.

A ausência de uma legislação específica torna-se ainda mais crítica diante do papel dos algoritmos na organização da comunicação na sociedade digitalizada.

Hoje, os algoritmos determinam não apenas o que vemos e lemos nas redes sociais — e na internet —, mas também impactam diretamente a formação da opinião pública, a distribuição da informação e a amplificação de discursos extremistas. O caso da radicalização de jovens em ambientes digitais como a manosfera é um exemplo retumbante das consequências da falta de transparência e responsabilização das plataformas.

Para enfrentar tais desafios, é necessário um modelo regulatório que inclua, obrigatoriamente, dispositivos sobre a transparência algorítmica.

Isso implica exigir que plataformas revelem os critérios gerais que orientam seus sistemas de recomendação e impulsionamento para acesso a conteúdo. Não se trata de violar segredos comerciais, mas de garantir o direito dos usuários à explicação e à auditoria dos sistemas que moldam seu acesso à informação. Tal medida é coerente com tendências internacionais como o Digital Services Act (DSA) da União Europeia.

Além disso, é preciso assegurar que a comunicação social eletrônica seja regulada de forma compatível com os princípios da nossa Constituição: da pluralidade, da diversidade cultural e da proteção da dignidade humana. Isso exige:

  • Mecanismos de responsabilização eficazes para os abusos cometidos por plataformas e influenciadores;
  • Políticas públicas de educação midiática;
  • Normas claras que coíbam o uso indevido de redes sociais para fins antidemocráticos.
  • A regulamentação da comunicação social eletrônica não deve ser confundida com nenhum tipo de controle da comunicação.

Ao contrário, trata-se de garantir que os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição — como o direito à comunicação, à informação e à liberdade de expressão — possam ser exercidos plenamente em um ambiente digital que respeite os limites republicanos, éticos e democráticos.

Conclui-se que, para que o Brasil possa responder aos desafios da era digital e assegurar sua soberania informacional, é imprescindível aprovar uma Lei de Comunicação Social Eletrônica. Essa legislação deve:

  • Integrar e atualizar o marco regulatório existente;
  • Regulamentar o uso de algoritmos;
  • Garantir a transparência;
  • Fortalecer o controle democrático sobre os meios de comunicação social eletrônica.

Esse vácuo regulatório atual não apenas desprotege os cidadãos, como também compromete a própria estabilidade das instituições democráticas brasileiras frente aos novos riscos comunicacionais do século 21.

Israel Fernando de Carvalho Bayma é engenheiro eletrônico e advogado, especialista em Regulação de Telecomunicações e usuário do sistema operacional Debian.

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