Em vigor desde outubro de 2023, a Resolução 175 da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que estabelece constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento, prevê prazo final de adaptação de todo o setor até o dia 30 de junho de 2025. De acordo com o advogado Gustavo Rabello, sócio de mercado de capitais do Souza Okawa Advogados, a norma vem expressar a limitação da responsabilidade dos cotistas.
Caso o fundo apresente um patrimônio líquido negativo, o cotista tem certeza que o risco dele está exposto diretamente ao capital que ele investiu naquele veículo, sem que ele tenha obrigatoriedade de aportar mais recursos além daqueles recursos que ele se comprometeu inicialmente a aportar no fundo. “Isso traz uma grande vantagem para a indústria de fundo local e faz com que investidor saiba mensurar o risco dele. Também acaba por dar mais segurança para a atração de fundos estrangeiros”, diz Rabello.
Atahualpa Padilha, advogado do escritório Benício Advogados, explica que a Resolução CVM 175 dispõe sobre a constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento, bem como sobre a prestação de serviços para os fundos.
“Divulgada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 23 de dezembro de 2022, essa norma unifica e simplifica as regras aplicáveis aos fundos, substituindo a Instrução CVM nº 555 e mais de 30 outras normas. Com isso, reduz a margem para interpretações divergentes e reforça a segurança jurídica, tanto para os fundos em si quanto para os investidores, gestores, administradores e outros prestadores de serviços para fundos de investimento. Além disso, a reformulação busca eliminar barreiras que dificultavam o crescimento da indústria de fundos, aproximando o Brasil das práticas de mercados internacionais mais desenvolvidos”, diz Padilha.
Padilha explica que, diferentemente das regulamentações anteriores, a nova norma inova ao adotar um formato contendo um texto principal, que estabelece regras gerais para todo o setor, e anexos específicos para diferentes categorias de fundos. Isso torna a indústria de fundos internamente consistente, uma vez que generaliza regras que antes eram tratadas de forma específica nas normas de cada tipo de fundo, deixando para os anexos referentes a cada categoria apenas aquilo que lhe é realmente peculiar. Além da nova estrutura, entretanto, a norma traz algumas alterações importantes, que já estão gerando impacto na indústria.
Inovações da Resolução CVM 175
- As classes de cotas têm um significado totalmente novo. Ao passo que, anteriormente, as classes eram mera subdivisão do patrimônio do fundo, de forma a remunerar de forma diferente diferentes tipos de investidores, com o advento da Res. 175 as classes são verdadeiros “minifundos”, e dizem respeito a patrimônios inteiramente apartados, com objetivos de investimento únicos. Assemelham-se à antiga estrutura de fundos master e fundos feeder, e nesse sentido simplificam bastante aquele tipo de operação. A antiga subdivisão de cada patrimônio ainda é possível, no entanto, mas agora sob a alcunha de subclasses. Em síntese, os fundos passam a poder funcionar como uma “casca”, com diversas classes e subclasses dentro deles.
- À primeira vista, pode parecer que a nova estrutura “multiclasses” dos fundos traz vulnerabilidade a classes que nada têm a ver entre si. Entretanto, como já aludido, a responsabilidade de cada classe se adstringe ao próprio patrimônio. A título de exemplo, classes com patrimônio líquido negativo poderão declarar insolvência da própria classe, não afetando, assim, as demais classes do fundo.
- A nova norma estabelece algo que já era há muito a prática do mercado: o gestor ganha status de prestador de serviços essenciais, ao lado do administrador. Isso significa que o gestor passa a ter também responsabilidade pela seleção e contratação de outros prestadores de serviço, tal como distribuidores, agências de rating e consultores de investimento.
- Os fundos passam a poder investir até 100% de seu patrimônio líquido no exterior, desde que observem as regras impostas na própria norma, especialmente o disposto no anexo de cada tipo de fundo.
- Equiparam-se alguns ativos a ativos financeiros. Créditos de descarbonização e créditos de carbono, desde que registrados conforme estipulado na norma, e criptoativos, desde que negociados em entidades autorizadas, passam a poder ser alvo de investimentos, observando-se, de toda maneira, limites e regras estipulados na própria norma.
- Ficam estabelecidos dois mecanismos de gestão de liquidez: o chamado side pocket, que permite dividir a carteira entre ativos líquidos e ilíquidos, e a barreira aos resgates, que define regras para determinados períodos de resgate.
“Há ainda várias outras inovações, e o presente não pretende ser um substituto ao texto normativo. O maior desafio aos gestores de fundos será, realmente, aprender e se atentar às novas dinâmicas impostas pela norma, tomando sempre o cuidado de não pensar que a lógica anterior à Res. 175 se aplica automaticamente. Tendo dito isso, as novas possibilidades e regras, e a própria estrutura da norma, devem simplificar, por um lado, e trazer novas oportunidades, por outro, à indústria de fundos de investimento”, diz Padilha.
“Na prática, dentre os principais impactos para gestores e administradores temos: fluxo alto de adaptação dos regulamentos de fundos em vigor, no sentido de refletir as novas disposições. Assunção de novas obrigações impostas aos gestores que envolvem, dentre outros, a contratação de determinados prestadores de serviços não essenciais como é o caso do distribuidor, que ate então era contratado pelo administrador”, diz Rabello.
Além disso, afirma Rabello, a exigência de uma adoção de transparência em relação às taxas praticadas pelo fundo e pagas aos seus diversos prestadores de serviços trazidas pela 175 é um fator que exige certo desdobramento na hora de incorporar na documentação do fundo, uma vez que algumas taxas não eram acessíveis aos olhos do investidor antes da entrada em vigor da norma. O regulador exigiu, portanto, transparência totalnessesentido.
“Por fim, a norma passa a incorporar a partir de março deste ano o seu novo Anexo VI, que incorpora ao Marco Regulatório de Fundos as regras aplicáveis ao Fiagro. Ao meu ver será a modalidade de fundo mais importante no contexto de normas em razão da flexibilidade que tal veículo terá ao investir ao mesmo tempo em imóveis, participações societárias e direitos creditorios. Este fator exigirá uma governança robusta em regulamentos e seus prestadores de serviços essenciais. O Fiagro, que já é um sucesso com base em sua regra transitória, ficará ainda mais relevante para a industria do agronegócio quando a nova regra passar a vigorar”, finaliza Rabello.
Por Gilmara Santos, especial para o Monitor