Restou o Banco Central, detentor do monopólio de emissão de moeda

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Se alguma vez um diagnóstico sobre a situação da economia mundial gozou de consenso, a vez é esta. Nunca o mundo enfrentou crise econômica semelhante, com a paralisação simultânea das principais economias, representando cerca de 50% da população e de 80% do PIB mundial.

Podemos dizer que a atual crise é pior do que a de 1929, uma vez que naquela quem não quebrou continuou a trabalhar – não houve paralisação da vida econômica de qualquer país, tal como vemos hoje, a nível mundial.

Como enfrentar esta crise inédita? A resposta clássica: pela intervenção do Estado, através de uma ação coordenada do Tesouro, e do Banco Central (BC). O Tesouro intervindo pela emissão de Dívida Pública (DP) e a aplicação dos recursos gerados em obras de infraestrutura; atendimento às demandas de estados e municípios; e em programas assistenciais a trabalhadores e empresas.

O BC intervindo pela injeção de liquidez nos bancos, que, assim, ampliariam a oferta de crédito, dando solvência às empresas para retomarem suas atividades. Ocorre que respostas clássicas, para crises não clássicas, por óbvio, não funcionarão. As respostas deverão ser igualmente inéditas. Vamos analisar o caso brasileiro.

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Iniciemos pelo Tesouro, que entrou na pandemia gerando um resultado nominal negativo anual da ordem de R$ 400 bilhões, sabidamente insustentável (cerca de 10% do estoque atual de DP). O ministro da Economia declarava, até a pandemia, acertadamente, que o equilíbrio fiscal era o objetivo prioritário do governo.

Com a pandemia e suas dramáticas consequências sobre a execução fiscal (queda de receitas e elevação de despesas), o Orçamento Nacional foi inviabilizado. A criação do Orçamento de Guerra, onde se lançarão as despesas extraordinárias da pandemia, não tem outro objetivo senão o de permitir ao governo isentar-se das limitações impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Orçamento de Guerra não gera receitas, nem reduz despesas.

Nada altera a dramática realidade: o Tesouro está anulado. Elevar impostos ou reduzir despesas para compensar a queda de receita ou a brutal elevação das despesas com a Saúde, em um cenário de atividade econômica paralisada, ou semiparalisada, com taxa de desemprego recorde, é o caminho certo para uma depressão catastrófica.

Resta o BC. Este, detentor do monopólio de emissão de moeda, tem irrestrita capacidade de irrigar o sistema com a quantidade de dinheiro que for necessária para fazer a economia voltar a funcionar. Neste sentido, o BC deve dar início a um processo de monetização em duas etapas: monetização com lastro, e, caso isto se revele insuficiente, a monetização sem lastro.

Na primeira etapa o BC injeta liquidez no sistema via redução do depósito compulsório e adoção do “afrouxamento monetário” (quantitative easing) aprendido na crise de 2008, adquirindo, no mercado secundário, títulos de qualquer natureza, inclusive títulos da DP.

O canal de transmissão da moeda assim criada sendo a criação de crédito pelos bancos, o parâmetro de avaliação desta primeira etapa deve ser a posição de Reservas Livres (acima do Depósito Compulsório) dos bancos junto ao BC. Se estiverem criando crédito, não haverá Reservas Livres, e o BC continua a monetizar títulos, inclusive da DP. Se estiverem criando Reservas Livres é sinal de que a liquidez criada “empoçou” nos bancos, que, em algum momento, por suas razões, suspenderam a concessão de crédito. O BC, neste caso, deve passar à segunda etapa.

Na segunda etapa, polêmica por inédita, o BC monetiza, sem contrapartida, a queda de receita e a elevação das despesas de Saúde, dos orçamentos nacional, estadual e municipal, mediante crédito da receita insuficiente e da despesa excedente em relação ao mesmo mês de 2019, acrescido da taxa de inflação. Operacionalmente trata-se de intervenção de fácil execução, bastando que estados e municípios abram contas no BC (apenas 5.597 contas, correspondentes aos 5.570 municípios, mais 26 estados, e 1 DF), a exemplo do Tesouro, que já tem sua conta no BC. Trata-se de intervenção de fácil apuração e verificação, uma vez que os Orçamentos são peças públicas.

À medida que se agravam os sintomas da crise (falências, desemprego e colapso da capacidade fiscal) e se vislumbra a monetização sem contrapartida como uma opção, instalou-se uma polêmica amplamente debatida em todas as economias relevantes do mundo (inclusive na China).

A natureza da polêmica: seus oponentes apontam o retrospecto histórico da monetização de déficits fiscais pelo BC como a causa direta de todos os processos hiperinflacionários já verificados. Já seus defensores consideram que em economias que apresentam PIB em queda, sinais claros de inflação zero, com viés deflacionário, indicativos de uma depressão, o objetivo maior deve ser, justamente, a criação de um processo inflacionário.

O parâmetro de avaliação, neste caso, deve ser uma combinação de teto para a inflação criada versus nível de atividade econômica – iniciado um movimento de crescimento do PIB, da ordem de 2% ao ano, o BC reduz, progressivamente, a monetização sem contrapartida. Algo facilmente mensurável.

No caso do Brasil dois dados deveriam bastar para indicar a extrema gravidade da situação e a urgência da intervenção direta do BC, cobrindo o Tesouro: o IPCA negativo de abril e maio e a paralisação total da indústria automobilística. Não há tempo a perder. A chance de hiperinflação é zero. E, mantido o receituário ortodoxo, ou keynesiano, de deixar a crise por conta do Tesouro, a chance de uma depressão profunda, com todas suas consequências sociais, é alta.

Silvio Figer

Economista e consultor empresarial.

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