A recente proposta de retirada da carne da cesta básica, defendida pelo governo como medida para equilibrar o sistema tributário, tem provocado intensos debates no meio jurídico e econômico. Advogados tributaristas afirmam que a medida pode agravar a desigualdade social no Brasil, afetando diretamente as famílias de baixa renda e elevando o custo de vida.
De acordo com o tributarista Thulio Carvalho, mestre em Direito pela PUC-SP, a reforma tributária visa, entre outros pontos, à redução de isenções para simplificar o sistema tributário e diminuir a alíquota padrão do Imposto e da Contribuição sobre Bens e Serviços (IBS/CBS). No entanto, Carvalho aponta que a exclusão da carne da cesta básica pode ter consequências regressivas.
“Tributar itens consumidos pela população mais pobre pode, de fato, agravar a desigualdade, uma vez que os mais humildes acabariam pagando, proporcionalmente aos seus ganhos, mais tributos do que as classes mais altas”, afirma.
Além disso, Carvalho destaca que a carne é um item essencial na dieta dos brasileiros e, por isso, deveria ser isenta de tributação.
“Por que manter reduções tributárias para bens ou serviços menos relevantes socialmente, como shows, enquanto itens fundamentais, como a carne, são retirados da cesta básica?”, questiona o especialista.
O Ministério da Fazenda propõe que as carnes sejam incluídas no programa de cashback para as classes de menor renda, garantindo a devolução de parte dos impostos pagos. Contudo, estudos indicam que uma parcela significativa da população de baixa renda não estaria contemplada pelo programa, o que, segundo Carvalho, resultaria em uma injustiça tributária.
“O cashback defendido pelo governo é ineficaz, pois exclui pessoas que deveriam ser protegidas pela Constituição como forma de reduzir a desigualdade”, adverte.
Já André Felix Ricotta de Oliveira, professor doutor em Direito Tributário e sócio da Felix Ricotta Advocacia, também compartilha da preocupação. Ele avalia que a retirada da carne da cesta básica pode gerar um efeito oposto ao desejado, elevando o custo de vida das famílias mais vulneráveis.
“A carne é um item essencial. Retirar sua isenção fiscal pode aumentar a desigualdade social, especialmente para as famílias de baixa renda”, afirma Ricotta.
Ricotta também critica o modelo de cashback proposto pelo governo, argumentando que ele não resolve o problema de justiça fiscal.
“O cashback, na forma apresentada, é um paliativo que não garante a devolução integral do IBS e da CBS às pessoas mais carentes. Além disso, há desafios logísticos e fiscais que podem comprometer a implementação eficiente desse mecanismo”, explica o advogado.
Ambos concordam que o tema exige uma discussão mais aprofundada, considerando não apenas os aspectos fiscais, mas também os impactos sociais e econômicos que a medida pode gerar.
“É fundamental que o governo repense a tributação de itens essenciais, como a carne, e avalie soluções que sejam justas e equilibradas, especialmente para as famílias de baixa renda”, concluem.
Já para Gustavo Defendi, sócio-diretor da Real Cestas, “embora a alíquota zero, incluindo a isenção de impostos sobre a carne, tenha sido apresentada como uma solução para aliviar a carga financeira das famílias de baixa renda, seus efeitos práticos são limitados, exigindo ações mais eficazes para beneficiar os mais necessitados.”
“A recente aprovação da alíquota zero para esses produtos, celebrada como uma solução para beneficiar a população mais pobre, enfrenta desafios práticos que podem limitar seu impacto positivo. A alíquota zero, ao isentar produtos da cesta básica de impostos, incluindo a carne, deveria, em teoria, reduzir os preços ao consumidor final. Contudo, na prática, essa medida enfrenta obstáculos que impedem que os benefícios fiscais cheguem plenamente aos mais necessitados. Um dos principais problemas é que o desconto proporcionado pela isenção de impostos pode ser absorvido por intermediários ao longo da cadeia produtiva e comercial, como produtores, distribuidores e varejistas, em vez de ser repassado ao consumidor”, diz.
Segundo ele, com a inclusão da carne na isenção, espera-se que um dos itens mais caros da alimentação básica se torne mais acessível, mas há o risco de que os intermediários não repassem a isenção integralmente ao consumidor final.
“Isso significa que o preço da carne pode não cair de forma significativa, frustrando a intenção de aliviar o orçamento das famílias de baixa renda.”
“Diante dessas limitações, é essencial que as políticas fiscais sejam reavaliadas para garantir que os benefícios cheguem diretamente às famílias que mais precisam. A introdução do mecanismo de cashback, por exemplo, representa uma alternativa eficaz. Esse sistema permite a devolução de parte dos tributos pagos diretamente aos consumidores de baixa renda, garantindo que o benefício fiscal seja direcionado de maneira precisa.”
Já o cashback, em sua opinião, “ao contrário da alíquota zero, garante que os benefícios fiscais cheguem diretamente às famílias mais necessitadas, de forma semelhante ao que acontece com programas de fidelidade de cartões de crédito, onde o consumidor recebe uma parte do dinheiro de volta a cada compra. Isso não só assegura que as famílias de baixa renda recebam os benefícios fiscais, mas também incentiva a formalização das atividades econômicas e fortalece a consciência fiscal dos cidadãos. Ao focar especificamente nos mais necessitados, o cashback evita distorções ao longo da cadeia de suprimentos, promovendo uma justiça fiscal mais precisa e sustentável.”