Reverenciando a vida e a obra de Murilo Melo Filho

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Um dos mais influentes e respeitados jornalistas do país da segunda metade do século XX, Murilo Melo Filho acompanhou de perto a política nacional, por décadas, assim como a mudança da Capital Federal do Rio de Janeiro para Brasília e ainda, dentre tantos outros fatos marcantes em sua longa trajetória profissional, cobriu a guerra do Vietnã, com o fotógrafo Gervásio Baptista, em 1967, e foi o primeiro jornalista brasileiro a cobrir a Guerra do Camboja, com o fotógrafo Antônio Rudge, em 1973, tendo chegado a Saigon e Phnom-Penh, via Tóquio.

Conheceu numerosos chefes de Estado, sobre os quais escreveu textos antológicos, narrando, com criatividade, sagacidade e, sobretudo, imparcialidade, o que presenciava e percebia. Esse homem da imprensa nos deixou, na semana passada, aos 91 anos de idade. Sua presença na imprensa nacional marcou uma época no Brasil, uma vez que seu faro jornalístico era apreciado e aplaudido por todos, além da sua forma de ser sempre gentil e inspiradora.

Além de notável jornalista, Murilo Melo Filho, nascido em Natal, acabaria por ingressar na Academia Brasileira de Letras, onde foi o sexto imortal a ocupar, a partir de 1989, a cadeira nº 20, na sucessão do acadêmico Aurélio de Lyra Tavares, e tendo sido recebido pelo acadêmico Arnaldo Niskier. Nas palavras do Presidente da ABL, acadêmico Marco Lucchesi, Murilo foi, na academia, exemplar, assíduo, com a disposição de emprestar seu talento aos mais diversos cargos e serviços. “Guardo a imagem de um homem bom, de uma alta sensibilidade humana, voltada sobretudo para os mais vulneráveis e desprovidos”.

Foi membro titular da Academia Norte-rio-grandense de Letras, onde ocupava a Cadeira nº 19, na sucessão do Acadêmico Nilo Pereira; do PEN Clube do Brasil e da Academia Carioca de Letras, na Cadeira nº 8, em substituição a Paschoal Villaboin Filho. Integrou o conselho administrativo da Associação Brasileira de Imprensa e da União Brasileira de Escritores.

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Já aos 12 anos, Murilo começou a trabalhar no Diário de Natal, com Djalma Maranhão, escrevendo comentários esportivos. Posteriormente, passou por outras redações locais. Resolveu, aos 18 anos, vir para o Rio de Janeiro, onde estudou no Colégio Melo e Souza e foi aprovado em concursos públicos para datilógrafo do IBGE e do Ministério da Marinha, ingressando a seguir no Correio da Noite, como repórter de polícia. Sua inteligência lúcida e brilhante pôde ser emprestada também nas suas passagens pela Tribuna da Imprensa, com Carlos Lacerda; no Jornal do Commercio, com Elmano Cardim, San Thiago Dantas e Assis Chateaubriand; no Estado de S. Paulo, com Júlio de Mesquita Filho e Prudente de Moraes Neto; e na Manchete, com Adolpho Bloch.

Estudou Direito, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, chegando a advogar por menos de uma década. Seu destino profissional era mesmo os veículos de comunicação. E como repórter freelance, entrou para a Manchete, criando a seção “Posto de Escuta”, que escreveu durante 40 anos. Nessa mesma época, dirigiu e apresentou na TV-Rio, com Bony, Walter Clark e Péricles do Amaral, o programa político Congresso em Revista, que ficou no ar ininterruptamente durante sete anos, sendo a princípio produzido e apresentado no Rio e, depois, em Brasília, com uma grande audiência. Os seus comentários eram precisos, e suas fontes, cobiçadas.

Viveu em Brasília de 1960 a 1965. Construiu ali a sede da Bloch Editores e da Manchete e foi, a convite de Darcy Ribeiro e de Pompeu de Souza, professor de Técnica de Jornalismo na Universidade de Brasília, sendo homenageado pelos formandos em todos os anos os quais atuou como docente.

Como jornalista, teve a oportunidade de acompanhar os presidentes Juscelino Kubitschek a Portugal; Jânio Quadros a Cuba; João Goulart aos Estados Unidos, ao México e Chile; Ernesto Geisel à Inglaterra e à França; e José Sarney a Portugal e aos Estados Unidos.

Foi 32 vezes à Europa, 27 aos Estados Unidos, quatro à América do Norte, duas à Ásia e duas à África. Em audiências, contatos, entrevistas, recepções e visitas, esteve com alguns dos líderes que escreveram a história do mundo na segunda metade do século XX, dentre eles: os presidentes Eisenhower, Kennedy, Nixon e Reagan, na Casa Branca, em Washington; os presidentes Charles de Gaulle e Giscard d’Estaing, no Palais d’Elysée, em Paris; Salazar, Spínola, Caetano e Mário Soares, em Lisboa; Thatcher, em Londres; Adenauer, em Bonn; Nasser e Anuar-el-Sadat, no Cairo; Ben Gurion, Golda Meir, Moshé Dayan, Itzak Rabin, Simon Peres e Albert Sabin, em Jerusalém; Indira Ghandi, em Nova Delhi; Raul e Fidel Castro, Raul Roa e ‘Che’ Guevara, em Havana; Perón, Evita, Frondizi e Menem, em Buenos Aires; Eduardo Frei, o pai, em Santiago do Chile; o General Van Thiê, no Vietnã do Sul, e Ho-Chi-Min, no Vietnã do Norte; Rainha Elizabeth II, Craveiro Lopes, Selassié e Sukarno, em Brasília.

Conheceu os picos gelados de Zermat, na Suíça, e as geleiras de Anchorage e do Pólo Ártico; os desertos (americano) de Nevada e (africano) do Saara; o calor da Galiléia, do Mar Morto e das tórridas plantações de café na Costa do Marfim; a neve de Kiev e dos Montes do Ural, na antiga União Soviética; as nevascas de Helsinque e de Oslo; os templos budistas de Angfor e de Phnom-Penh, no Camboja; de Bangok, na Tailândia, e de Kyoto, no Japão; as ruas sujas do Harlem, em Nova York, e do Cairo, no Egito; os lugares santos de Roma e de Jerusalém.

Dentre várias obras, Murilo publicou, em parceria com grandes intelectuais, Cinco dias de junho, com Arnaldo Niskier, Raimundo Magalhães Jr e Joel Silveira; O assunto é padre, com Adonias Filho, Amando Fontes, Cassiano Ricardo, Gustavo Corção, Hélio Silva, Josué Montello, Octávio de Faria, Rachel de Queiróz e Walmir Ayala; Reportagens que abalaram o Brasil, com Carlos Lacerda, Darwin Brandão, David Nasser, Edmar Morel, Francisco de Assis Barbosa, João Martins, Joel Silveira, Justino Martins, Otto Lara Resende e Samuel Waine; Augusto dos Anjos: a saga de um poeta, com Gilberto Freyre, Josué Montello, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Antonio Houaiss, Raimundo Magalhães Jr, Eduardo Portela, Ronaldo Cunha Lima e Humberto Nóbrega; e Crônica política do Rio de Janeiro, com Barbosa Lima Sobrinho, Villas-Bôas Corrêa, Pedro do Couto, Márcio Alves, Rogério Coelho Nelo e Paulo Branco. Essas obras foram aplaudidas pela crítica literária, pelo conteúdo apresentado por cada uma, bem como pela importância que demonstraram por reunirem as maiores inteligências do Brasil.

Na sua consagrada carreira de escritor, Murilo também foi autor de O desafio brasileiro; O modelo brasileiro; O progresso brasileiro; Memória viva; O nosso Rio Grande do Norte; Testemunho político; Múcio Leão: centenário; Tempo diferente; História do gás: do Rio de Janeiro ao Brasil e O Brasileiro Ruy Barbosa.

Esse jornalista e escritor que vivenciou a história do Brasil e do Mundo, contando-a em suas reportagens e artigos, que escreveu livros e tratados sobre os mais variados temas e que, com simplicidade e elegância, honrou as academias de letras pelas quais passou, deixa exemplos de caráter, de honradez e de dignidade, em um momento em que o Brasil está sem liderança e que atravessa uma das suas maiores e mais acentuadas crises institucionais, com falta de decoro e de ética na política.

Foi uma grande alegria, uma verdadeira honra e um enorme aprendizado ter convivido com Murilo Melo Filho, na Academia Carioca de Letras.

Paulo Alonso

Jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula.

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