Os conflitos que passaram a proliferar no mundo do “após Muro”, de índole de desrespeito aos direitos humanos, exacerbação dos nacionalismos, revivescência do espírito de etnias, fanatismos religiosos, estão provocando entre os politicólogos e estrategistas norte-americanos uma intensa polêmica sobre a necessidade de rever o conceito de interesse nacional vigente.
Os Estados Unidos, pelo menos desde as duas últimas décadas do século passado, formularam a sua política internacional baseada no conceito de interesse nacional. Este conceito ordena em alta prioridade os supremos interesses da nação, tais como: soberania, integridade territorial, supremacia cientifica e tecnológica, supremacia militar e outros objetivos nacionais básicos.
No Brasil, na linguagem da ESG, chamamos estes interesses de objetivos nacionais. Estes são a cúpula orientadora da política interna e da política externa. São a meta balisadora do planejamento da estratégia nacional.
Baseados na interpretação do interesse nacional os governos de Washington, desde a última década do século XIX, formularam suas estratégias de política internacional. O acadêmico Peter Trubowitz, em estudo recente, revela os desdobramentos da estratégia internacional da Casa Branca desde o lançamento do livro do Almirante Alfred Mahan The Influence of the Sea Power upon History (1890), obra que teria gerado a mensagem de “Destino Manifesto” inspiradora da política dos Estados Unidos.
O conceito de interesse nacional então adotado, durante os 20 anos em que o Estado recebeu a influência predominante de Theodore Roosewelt (1890 a 1910), sucessivamente como governador do Estado de Nova York, secretário da Marinha e, finalmente presidente da República de 1901-1909, orientaram a política exterior do país na condução dos seguintes acontecimentos: guerra hispano-americana e conseqüente expansão do poder norte-americano na Ásia (Filipinas, Havaí e outras ilhas) e no Caribe (Cuba, Porto Rico), criação do Estado do Panamá e abertura do canal interoceânico ligando os dois maiores oceanos do planeta. Segundo o professor Trubowitz, após a 1º Guerra Mundial, diante das novas responsabilidades políticas surgidas para o Estado, houve necessidade de reajustar o conceito de interesse nacional.
Atualmente, face às novas injunções externas que obrigaram os Estados Unidos a intervirem nas guerras do Golfo Pérsico e da Iugoslávia, cresce o movimento dos especialistas em segurança no sentido de nova revisão do interesse nacional do país. Já se manifestaram com seus estudos os conceituados politicólogos e estrategistas Joseph Nye Jr., Samuel Huntington, William Perry, Ashton Carter, entre outros. Todos vêm, em graus de mudança diferentes, a necessidade de uma revisão, incluindo os Direitos Humanos entre os supremos interesses a serem defendidos pela política internacional de Washington.
Esta inclusão terá, de certa forma, o efeito de legitimar, perante o povo norte-americano, a ampliação do espaço ideológico e estratégico de atuação e intervenção dos Estados Unidos nos conflitos de outros países.
É perigoso se deixar que o nosso horror pelos crimes contra os direitos naturais do homem, como sejam a tortura física e o genocídio, se transforme em razão para se criar um instrumento fácil para “os grandes” praticarem abusos de interpretação e de intervenção nos países mais fracos, como acaba de acontecer contra a nação iugoslava, onde o remédio está causando um mal maior do que o próprio mal que se procurou punir.
A hegemonia de uma superpotência e a arrogância dos “grandes” por si só, já não criam um ambiente internacional tranqüilizante. Aumentar o espaço de um possível arbítrio, mesmo não intencional, mas nem sempre evitável, não favorece a desejada paz e harmonia entre as nações.
Em síntese, esta revisão do conceito de interesse nacional dos Estados Unidos, virá resultar no fortalecimento da tese do “premier” inglês Tony Blair, defendida na reunião de comemoração dos 50 anos da Otan, em abril último em Nova York, quando propôs que a ONU reveja a sua Carta, a fim de incluir o seu apoio ao intervencionismo, mesmo militar, em caso de violação dos direitos humanos. Mas quem julgará se houve violação dos direitos humanos, como sabemos, serão os mesmos “grandes”.
Carlos de Meira Mattos
General reformado do Exército e conselheiro da Escola Superior de Guerra (ESG).