Revolução tecnológica militar e a inteligência artificial

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O desafio apresentado pelo desenvolvimento de drones, robôs e algorítmos diversos de inteligência artificial (IA) para emprego militar representa uma questão de envergadura maior que as redes 5G, vez que mudará completamente o panorama militar mundial e consequentemente as relações de poder. Neste ponto cabe ressalvar que mais do que uma vertente tecnológica, IA é o ápice de uma conjunção de tecnologias que estão se integrando, em um fenômeno conhecido como “singularidade tecnológica”, em que o grau de complexidade das interações humano-tecnológicas será de tal magnitude que impedirá a capacidade de compreensão humana, tornando o auxílio de máquinas com IA essencial em múltiplas esferas da existência.

No contexto de defesa, em um campo de batalha, por exemplo, centenas de drones operarão integrados com robôs e máquinas terrestres sob a coordenação de uma mesma unidade de IA. Sua capacidade de compreensão e reação a repentinas mudanças típicas dos conflitos será de tal monta que tornará as capacidades cognitivas humanas obsoletas nesta esfera.

Logo, para enfrentar uma arquitutura militar deste tipo, somente outra inteligência artificial integrando seus diversos mecanismos de combate. As forças que não se adaptarem simplesmente serão derrotadas, como a referida cavalaria polonesa ante os tanques alemães. Desta forma, para além da corrida tecnológica por hardwares avançados, existirá uma permanente corrida pelo desenvolmento do “software superior”, em que alguns milésimos de segundo de processamento pode representar vitória ou completa derrota.

Desse contexto de singularidade tecnológica é possível inferir algumas consequências que terão grande impacto sobre países como o Brasil. Em primeiro lugar, fica evidente a constatação de que as forças que não possuírem capacidade tecnológica para operar com autômatos e inteligência artificial estarão enormemente prejudicadas quando enfrentarem qualquer potência que possua tais capacidades.

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Dentro desta lógica, uma outra constatação é a de que as potências desenvolvidas que antes sofriam limitações na guerra por sua dificuldade de operar com baixas, a exemplo dos EUA no Vietnã, Afeganistão, Iraque e Síria, em médio prazo eliminarão este problema. Ao substituir homem por máquina, os exércitos terão perdas em equipamento no lugar de vidas, o que ao contrário de ser um elemento prejudicial pode até mesmo se tornar um fator de fomento da própria economia. Ao controlar a produção petrolífera em regiões do Oriente Médio ou no litoral da América do Sul, por exemplo, os recursos energéticos obtidos podem financiar indefinidamente os prejuízos em equipamentos perdidos.

Essa quebra de paradigma no longo prazo tem o dom de mudar radicalmente a estratégia de defesa de países em desenvolvimento de grande porte, como o Brasil. Se antes nações desta dimensão podiam sofrer ataques, mas eram quase impossíveis de ser ocupadas permanentemente, com exércitos de drones a realidade pode ser outra. Fatias do território, de difícil acesso e pouco ocupadas, como a zona marítima do pré-sal ou a bacia amazônica, poderiam ser facilmente tomadas, sendo os recursos obtidos de sua exploração mais do que suficientes para financiar sua ocupação.

As redes digitais ainda se prestariam como veículo de narrativas humanitárias para o ganho econômico. Além disso, softwares com inteligência artificial podem, paralelamente, detectar padrões comportamentais na população do país sob ataque e direcionar ataques informacionais, potencializando conflitos entre setores da sociedade. Ou seja, ataque externo e conflito interno.

 

Leia os artigos anteriores de Vladimir de Paula Brito: "Revolução tecnológica, orçamento e política nacional de defesa" e "Revolução tecnlógica militar e a realidade nacional"

 

Como se trata de uma ruptura tecnológica, outra questão interessante é que se tenderá a zerar parte da competição entre potências. Por exemplo, um submarino nuclear é um ativo fundamental à defesa marítima de nações que não possuem hegemonia no mares, por poder negar o acesso deste ao agressor. Por ser nuclear, esse tipo de submarino poderia permanecer indefinidamente no fundo do mar, sendo limitado tão somente pela quantidade de alimentos que possa prover sua tripulação.

Todavia, já estão em curso projetos de veículos subaquáticos não tripulados (unmanned underwater vehicles – UUVs) com o uso de IA, que, contando com bases de suprimentos energéticos em profundidade, podem permanecer quase indefinidamente no fundo do mar, sem o fator humano como limitante. Além disso, essa classe de submarinos é acentuadamente mais barata que submarinos nucleares e convencionais, podendo ser sacrificados em ousadas ações sem baixas humanas.

Paralelamente, também existem iniciativas para drones caçadores de submarinos. O mesmo está sendo pensado e projetado em termos de aviação de caça e vigilância e em blindagem terrestre e demais armamentos. Assim, uma nação que consiga inovar no desenvolvimento de ativos militares em inteligência artificial poderá vir a desenvolver uma Marinha efetiva e com grande capacidade de intimidação, sem ter tido que desembolsar bilhões de dólares para desenvolver a tecnologia nuclear. O mesmo vale para sistemas de mísseis que negam o espaço aéreo ao inimigo, e são infinitamente mais baratos que caças, ou efetivos terrestres que dispensam recursos humanos. Como se percebe, aquelas nações que acompanharem a revolução em curso terão muito a ganhar.

O oposto vale para os que perderem o bonde tecnológico. Para tornar ainda mais complexo esse novo contexto, uma outra consequência futura da prevalência de drones com IA em âmbito militar envolve as ameaças que advirão da dependência tecnológica. Atualmente, quando se adquire um míssil, navio ou lançador de foguetes da indústria bélica de outra nação, o maior risco envolvido se relaciona a suspensão de sua comercialização, o que eliminaria em curto e médio prazo seu emprego, por falta do produto ou de peças de substituição.

Por outro lado, no contexto de equipamentos fornecidos com IA, as consequências de uma ruptura com o fornecedor são bem mais graves. O bombardeiro, submarino, tanque ou robô humanoide pode simplesmente deixar de funcionar, se destruir, ou mesmo ser empregado como arma contra o país que o adquiriu. Por ironia da história, uma sociedade, ao adquirir tais equipamentos, arrisca-se a financiar uma força de ocupação sobre o seu próprio território.

A solução, novamente, envolve a criação e o desenvolvimento de clusters produtivos voltados para o desenvolvimento de softwares a hardwares para a área de defesa, financiados por uma ou mais agências de fomento balizadas pelo Ministério da Defesa. Mediante compras públicas, tais indústrias podem ganhar escala com a venda de produtos de uso dual para o mercado civil brasileiro, que é enorme.

Conforme observado, não é uma solução de curto prazo, e tampouco fácil ou simples, mas certamente trará dividendos em médio e longo prazos, para além de potencializar o ressurgimento da indústria nacional, ampliando sua competitividade em escala global. Pode-se começar por objetivos limitados e factíveis, e na medida em que existam evoluções os objetivos são ampliados. Neste sentido, vale a pena se debruçar sobre o exemplo de Israel, cuja população, território e recursos financeiros são infinitamente menores que os disponíveis ao governo brasileiro, e, no entanto, vem disputando uma posição privilegiada nesta “nova” indústria tecnológica.

Uma vez compreendido o contexto tecnológico, no próximo artigo serão analisadas as condições das Forças Armadas brasileiras para liderar esta jornada.

Vladimir de Paula Brito

Doutor em Ciência da Informação.

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