No centro da diplomacia do Vaticano, o relacionamento com a China representa um dos desafios mais complexos e ambiciosos. Entre a autoridade espiritual e a soberania política, Roma e Pequim confrontam-se há décadas, buscando um equilíbrio frágil, mas estratégico.
Uma das questões mais delicadas que o Papa Leão terá de abordar é, sem dúvida, a China. A meticulosa diplomacia do Vaticano certamente poderá contar-lhe todos os detalhes deste assunto, que envolve a Santa Sé há mais de meio século.
Mas isso é apenas parte da história. Outra parte, talvez mais substancial — pelo menos para Pequim — reside no debate que sobrecarregou o Partido Comunista Chinês, levando-o, finalmente, a se abrir à Santa Sé. Seja qual for a decisão da Igreja em relação à China, ela pode ser crucial para os interesses do partido no Vaticano.
Ao contrário de muitos outros países, Pequim não tem deferência nem compreensão “naturais” pelo Vaticano. Com exceção de alguns especialistas, a China tem sido totalmente alheia e vaga em relação à Santa Sé. Uma série de eventos desencadeou um debate interno e levou o partido a prestar atenção e a aprofundar seu conhecimento sobre a Santa Sé e seu papel.
A URSS foi fundada em um país profundamente cristão. Outros países não cristãos não são comunistas. A China é não cristã e comunista. Para a Igreja, representa tanto um desafio quanto uma oportunidade. Ao contrário de outros países — e ao contrário da época dos jesuítas na China, no século 17 — este país não tem forte presença religiosa “concorrente” (hindu ou muçulmana na Índia, budista no Leste Asiático), e o povo chinês não tem religião.
Então, o Papa Leão XIV em breve se verá diante de um dos dossiês mais estratégicos e complexos da política externa da Santa Sé: o relacionamento com a República Popular da China. Um tema que, durante décadas, foi tratado com extrema cautela pela diplomacia do Vaticano, mas que, nos últimos anos, ganhou nova centralidade, igualmente para Pequim. O que levou o Partido Comunista Chinês a abrir um diálogo com a Santa Sé não foi um impulso religioso, mas, sim, a urgência política nascida de um vazio ideológico e espiritual, cada vez mais evidente na sociedade chinesa. Em um comentário publicado pelo Instituto Appia, o diretor e sinólogo Francesco Sisci reconstitui as etapas do diálogo em questão.
O ponto de virada foi a manifestação espetacular do movimento Falun Gong, em 25 de abril de 1999, quando mais de 10 mil membros do grupo cercaram pacificamente Zhongnanhai, a sede da liderança central, para protestar contra as restrições às suas práticas espirituais. O episódio revelou ao partido que a população chinesa, após décadas de propaganda ateísta e desilusão ideológica, estava em busca de novas formas de fé. O protesto, que ocorreu apenas uma década após a repressão na Praça da Paz Celestial, foi percebido como uma ameaça à ordem política.
Diante da impossibilidade de atender internamente a essa demanda, alguns setores do partido passaram a cogitar a ideia de se apoiar em religiões já existentes e estruturadas, capazes de oferecer alguma referência espiritual e, ao mesmo tempo, um arcabouço de controle. Ao contrário das confissões protestantes ou budistas, que eram muito fragmentadas e difíceis de administrar em nível local, a Igreja Católica tinha uma estrutura centralizada, com um único ponto de referência externo: Roma. Paradoxalmente, essa distância oferecia maior estabilidade. Em vez de ter que lidar com uma miríade de líderes religiosos, um diálogo direto com o Vaticano teria sido suficiente.
Foi justamente ao investigar a questão das nomeações episcopais que as autoridades chinesas descobriram que muitos bispos oficialmente aprovados por Pequim haviam, na realidade, obtido secretamente o reconhecimento papal. A mediação era frequentemente confiada à missão católica em Hong Kong. Esse sistema, se formalizado, poderia se tornar um ponto de equilíbrio. A Igreja manteria a autoridade espiritual, enquanto a República Popular preservaria sua soberania civil.
Esse princípio foi idealmente sancionado pela carta que o Papa Bento XVI endereçou aos católicos chineses, em 2007. O Pontífice convidou os fiéis a fazerem parte integral da sociedade chinesa, rejeitando o rótulo ocidental de “quinta coluna”. Porém, o texto provocou reações mistas: alguns cardeais o consideraram muito conciliador, enquanto as autoridades chinesas se opuseram a um trecho que criticava a Associação Patriótica Católica, o organismo criado por Pequim na década de 1950 para controlar a Igreja em território nacional. Com o tempo, a Associação se transformou em um centro de poder autônomo, separado de Roma e do partido central.
A oportunidade de superar o impasse surgiu em 2012, com a nomeação conjunta do bispo Ma Daqing para Xangai. Entretanto, na época de sua ordenação, Ma Daqing anunciou publicamente sua separação da Associação Patriótica. O gesto foi interpretado pelas autoridades chinesas como uma afronta, e a confiança conquistada até então foi abruptamente interrompida.
Foi somente com a eleição do Papa Francisco, em 2013, e a ascensão do cardeal Pietro Parolin à Secretaria de Estado que o diálogo pôde ser retomado de forma substancial. Parolin, com um profundo conhecimento da realidade chinesa desde o início dos anos 2000, conseguiu reconectar os fios. Um momento simbolicamente decisivo foi em 2015, ano em que a viagem do Papa Francisco aos Estados Unidos recebeu mais cobertura da mídia e repercussão do que a visita do presidente Xi Jinping. Para Pequim, foi um sinal de alerta: o Vaticano, embora não tivesse exército nem poder econômico, continuava sendo uma potência cultural e diplomática de primeira linha.
Dois anos depois, em 2018, foi assinado o acordo provisório sobre a nomeação dos bispos. Os detalhes do acordo permanecem confidenciais, mas marcou um importante reconhecimento mútuo, com Roma aceitando a proposta de nomeação de Pequim, mas reservando-se o direito da palavra final. Essa fórmula de compromisso permitiu, apesar das críticas e resistências, o início de um processo de regularização.
O Papa Leão herdou, então, esse processo em curso, consciente de que ainda há muito a ser definido: a questão da Associação Patriótica, as condições dos católicos “clandestinos”, a possibilidade de uma viagem papal à China. Contudo, no fundo, permanece uma convicção: num mundo dividido por tensões geopolíticas, o diálogo entre Roma e Pequim ainda pode oferecer um exemplo de diplomacia espiritual, fundada na paciência, no respeito e na longa memória da Igreja.
Eu vejo a figura do Papa Leão 14, um “Apaziguador” entre as mais polêmicas Nações que seria a China, e justamente por ser um regime comunista de esquerda, contanto que não venham um interferir na soberania do outro, do contrario que o Brasil há tempos interfere na soberania dos Estados Unidos, já está valendo