Saneamento: privatização exclui cidade mais pobre do acesso a serviço

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O Projeto de Lei 4.162/2019, que tramita no Senado e que define o marco regulatório e facilita a transferência de estatais do setor para agentes privados. Entre outras medidas acaba com a cooperação entre entes federados nos serviços de água e esgoto. O projeto, que prevê maior participação da iniciativa privada no saneamento, na prática fará com que municípios mais pobres sejam excluídos do acesso aos serviços.

De acordo com Marcos Montenegro, coordenador geral do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), hoje, por meio do subsídio cruzado, os municípios superavitários garantem o saneamento naqueles que são deficitários. "Se o PL for aprovado, essas cidades mais pobres, que não são atraentes para as empresas de saneamento, terão que operar com recursos próprios. E sabemos que isso é impossível em muitos casos", afirma Montenegro.

O PL ainda coloca o Brasil na contramão do mundo. Segundo estudo realizado pelo Instituto Transnacional, com sede na Holanda, 884 municípios, em mais de 35 países, reestatizaram seus serviços de 2000 a 2017. A razão, na maioria das vezes, foram as tarifas altas e a baixa qualidade.

O ex-secretário nacional de Saneamento e membro do Conselho de Orientação do Ondas, Abelardo de Oliveira Filho, alerta que a experiência também mostra que a privatização não garante mais investimentos para o setor de saneamento. "Um exemplo disso é Manaus, onde o saneamento é privatizado há 20 anos e conta com mais de 600 mil pessoas sem água e apenas 12,5% da população com acesso ao esgotamento sanitário. Aliás, o Banco Mundial, incentivador das privatizações nos anos 90, já fez 'mea culpa', porque nunca houve aporte de recursos privados no saneamento. O dinheiro sempre foi do setor público", destaca

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Segundo Aberlado, para garantir a universalização do saneamento há necessidade de que a Lei Nacional do Saneamento (11.445/2007) seja totalmente implantada. "Só assim será garantido o acesso à água de qualidade para todos, além de garantir recursos financeiros permanentes para se investir no setor de saneamento. Para isso, no entanto, uma das necessidades é a revogação da EC 95", afirma o ex-secretário.

De acordo com a Caixa Econômica Federal, as operações com saneamento e infraestrutura apresentaram evolução de 1,2% em 12 meses, totalizando R$ 84,7 bilhões, em março deste ano. A Caixa informa que aumentou o volume de empréstimos para os estados e municípios por meio do Financiamento à Infraestrutura e Saneamento Ambiental (Finisa), além de créditos com recursos do FGTS. O limite, aberto dia 2 de março, resultou, de acordo com o banco, em R$ 3,7 bilhões em contratações para 216 tomadores de todas as regiões do país.

Contudo, conforme observa com Pedro Blois, presidente da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), apesar dos números divulgados pela Caixa, os investimentos em saneamento têm sofrido redução nos últimos quatros anos. "O governo acabou com o Ministério da Cidades. E a Secretaria Nacional de Saneamento virou mero objeto de decoração do Ministério do Desenvolvimento Regional. Faltam mais recursos e políticas para o setor", afirma.

Segundo ele, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já está com diferentes projetos engatilhados para promover a privatização dos serviços em estados como Acre, Amapá, Alagoas e Rio de Janeiro, entre outros.

"O governo, com o ministro Paulo Guedes, quer impor a privatização como se fosse resolver o problema do país e nós somos contrários, ainda mais no momento como o que estamos vivendo, em que este serviço se tornou ainda mais essencial", ressalta Blois.

O representante dos urbanitários também critica o uso inadequado do BNDES para favorecer a iniciativa privada. No entendimento do presidente do FNU, ao invés de financiar projetos que visam à transferência de serviços públicos essenciais à população para a iniciativa privada, o banco deveria fazer investimentos em empresas públicas que não estão conseguindo empréstimos para implementar melhorias no sistema.

Jair Ferreira, diretor da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), lembra que no governo Fernando Henrique Cardoso foram privatizadas algumas empresas de água e saneamento e o resultado foi "desastroso". Conforme observa, não houve melhoria na qualidade da prestação dos serviços e as tarifas aumentaram.

"Privatizar não é a solução, como o governo tenta passar para a população. O saneamento é questão de saúde pública e é papel do Estado assegurar o acesso a esse bem. Não podemos tratar essa questão sob a ótica do lucro", acrescenta o diretor da Fenae, que integra o Fórum Nacional de Reforma Urbana.

 

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