Neste século, o estado e a cidade de São Paulo se notabilizaram por serem governados pelos seus vices. Analisando primeiro o caso do Estado de São Paulo, desde 2000 nós tivemos oito mandatos sendo que um deles está em andamento, sendo exercido pelo atual governador, Tarcísio de Freitas. Dos sete mandatos finalizados, apenas um deles foi exercido por completo, do primeiro ao último dia: Geraldo Alckmin, de 1º de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2014.
Nos demais seis mandatos, em cinco o governador eleito abandonou o cargo antes do seu término. O sexto caso não pode ser tratado dessa forma, pois Mário Covas não completou seu segundo mandato como governador devido ao seu falecimento. Vamos a relação:
Mário Covas, governador de jan/1995 a dez/1998 e de jan/1999 a mar/2001
Mário Covas, falecido no dia 6 de março de 2001, foi o governador de São Paulo na virada do século. Com o seu falecimento, assumiu o seu vice, Geraldo Alckmin, que governou o estado até o final do mandato, que havia sido vencido por Covas em 1998 e que foi finalizado em dez/2002. Nesse mesmo ano, Alckmin foi eleito para o mandado de jan/2003 a dez/2006, que abandonou em abr/2006 para disputar a eleição presidencial do mesmo ano, onde foi derrotado pelo presidente Lula.
Aqui, cabe mencionar que Alckmin conseguiu a mãe de todas as proezas em uma eleição com dois turnos, tendo menos votos no segundo turno que no primeiro: 39.968.369 x 37.543.178.
No seu lugar, Alckmin deixou o seu vice-governador, Claudio Lembo e suas indefectíveis sobrancelhas, que governou o estado de abr/2006 a dez/2006. Neste ano, quem disputou a eleição para o estado e venceu a disputa foi José Serra, que havia abandonado a prefeitura com menos de um ano e meio de mandato para disputar a eleição ao governo do estado.
José Serra, governador de jan/2007 a abr/2010
Dando continuidade a transformação do Estado de São Paulo em trampolim para a presidência, José Serra abandonou o seu mandato em abr/2010. No seu lugar, ele deixou o seu vice, Alberto Goldman. Neste ano, quem disputou a eleição para o estado foi, novamente, Geraldo Alckmin, que venceu a disputa.
Geraldo Alckmin, governador de jan/2011 a dez/2014 e de jan/2015 a abr/2018
Alckmin exerceu do início ao fim o mandato de jan/2011 a dez/2014, o único que foi exercido por completo neste século.
Alckmin não teve como inventar uma graça com a eleição presidencial de 2014, pois o candidato do PSDB foi Aécio Neves, que perdeu a disputa para a presidente Dilma Rousseff. Diga-se de passagem, essa foi a última vez que o moribundo PSDB conseguiu chegar ao segundo turno da eleição presidencial.
Já em 2018, com Aécio batido pelo escândalo da JBS, onde ele apareceu em uma forma um tanto informal demais tratando de assuntos financeiros com Joesley Batista, Alckmin conseguiu ser o candidato do PSDB à presidência. Após abandonar o governo de São Paulo em abr/2018, ele foi derrotado de forma humilhante na eleição, não chegando nem mesmo ao segundo turno. Depois de 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014, essa foi a primeira vez que o moribundo PSDB não chegava ao segundo turno da eleição presidencial.
Para completar o seu mandato, Alckmin deixou no seu lugar Márcio França, que foi governador de São Paulo de abr/2018 a dez/2018. Ele disputou a eleição para o governo do Estado neste ano, mas foi derrotado por João Dória, que havia abandonado a prefeitura de São Paulo para entrar nessa disputa.
João Dória, governador de jan/2019 a abr/2022
Depois de abandonar a prefeitura de São Paulo para disputar o governo do Estado, foi a vez de João Dória abandonar o governo do Estado para disputar a presidência. Pelo menos ele achou que ia disputar, pois após vencer o que se pode chamar de prévias do PSDB, o partido, em um gesto ímpar de “lealdade”, decidiu não apoiá-lo na eleição presidencial. Sem apoio, Dória desistiu da disputa e da sua meteórica, e patética, carreira política. Se em 2018 o PSDB não conseguiu chegar pela primeira vez depois de seis eleições ao segundo turno, em 2022 o partido não teve candidato, mostrando ao eleitorado em geral, e ao seu eleitorado que fez questão de dizimar, que o seu buraco era muito, mas muito mais profundo.
No seu lugar, Dória deixou Rodrigo Garcia, que foi governador de abr/2022 a dez/2022. Garcia disputou a eleição ao governo do Estado em 2022, mas não chegou ao segundo turno, disputado por Tarcísico de Freitas e Fernando Haddad. Com a sua derrota, o moribundo PSDB perdia, depois de sete mandatos consecutivos, o governo de São Paulo.
Tarcísio de Freitas, governador em exercício desde jan/2023
Desde o primeiro dia do seu mandato, Tarcísio é visto como o substituto do presidente Bolsonaro. Depois que Bolsonaro foi tornado inelegível pelo TSE, ele passou a ser visto como o candidato da Direita para a eleição presidencial de 2026. Caso a sua candidatura se confirme, Tarcísio será mais um a abandonar o governo de São Paulo para disputar uma eleição presidencial. Se isso acontecer, o que é muito provável, seu substituto será um senhor que se der cinco voltas na Paulista, ninguém vai reconhecer: Felicio Ramuth, do PSD de Gilberto Kassab. Guarde bem esse nome, pois ele pode ser o próximo governador de São Paulo.
E a Prefeitura de São Paulo?
Na prefeitura de São Paulo, nós temos um quadro ainda mais esquizofrênico que o quadro do Estado de São Paulo, sendo que na cidade, neste século, nunca um prefeito foi reeleito. Se o Estado de São Paulo se tornou trampolim para a presidência, a prefeitura de São Paulo se tornou trampolim para o Estado de São Paulo, ou seja, o trampolim do trampolim, sendo que no caso da prefeitura nós temos um agravante: como as eleições não são casadas, enquanto um governador abandona o governo do estado com 3 anos e 3 ou 4 meses de mandato, na prefeitura um prefeito abandona o cargo com um ano e 3 ou 4 meses de mandato para disputar o governo do Estado.
Marta Suplicy, prefeita de jan/2000 a dez/2004
Marta Suplicy foi eleita prefeita para o mandato de jan/2000 a dez/2004. Depois de uma péssima gestão, ele foi derrotada, mesmo com a máquina a favor, por José Serra no segundo turno da eleição para a prefeitura em 2004.
José Serra, prefeito de jan/2005 a mar/2006
Serra foi eleito para o mandato de jan/2005 a dez/2008, mas abandonou o mandato em mar/2006 para disputar o governo de São Paulo. No seu lugar, ele deixou Gilberto Kassab, que completou o seu mandato.
Gilberto Kassab, prefeito de mar/2006 a dez/2008 e de jan/2009 a dez/2012
Depois de completar o mandato de Serra, Kassab disputou a eleição contra Marta Suplicy, derrotando a candidata petista no pleito de 2008. Ele exerceu o seu mandato por completo e passou a prefeitura para Fernando Haddad, que derrotou José Serra na disputa de 2012. Serra, achando que o paulistano é burro e otário, quis voltar à prefeitura após ter abandonado o mandato de prefeito, conquistado em 2004, e o mandato de governador, conquistado em 2006. Subestimando a inteligência dos paulistanos, Serra abriu caminho para Haddad e sua péssima administração.
Fernando Haddad, prefeito de jan/2013 a dez/2016
Haddad exerceu o seu mandato por completo, fazendo uma péssima administração de jan/2013 a dez/2016. Em 2015, quando ele disputava a reeleição, ele foi derrotado, mesmo com toda a máquina a favor, por João Dória no primeiro turno, feito que nunca havia acontecido até então desde que a reeleição foi instituída em 1997. Para piorar a sua proeza, Haddad teve menos votos que o somatório de votos brancos e nulos: 967.190 x 1.155.850. Haddad fechou sua administração com o combo completo da incompetência, com direito a batata extra, molhinho especial e refil de refrigerante.
João Dória, prefeito de jan/2017 a abr/2018
Da mesma forma que Serra, Dória abandonou a prefeitura com um ano e quatro meses de exercício para disputar o governo de São Paulo. No seu lugar, ele deixou seu vice, Bruno Covas, que completou o mandato encerrado em dez/2020.
Em out/2019, Covas foi diagnosticado com câncer, mas mesmo assim decidiu disputar a eleição de 2020 contra Guilherme Boulos, o que foi um absurdo. Eleito, ele iniciou o novo mandato em jan/2021, se é que o exerceu de fato em algum momento, para falecer em maio do mesmo ano. No seu lugar, assumiu Ricardo Nunes, o vice do vice, eleito neste domingo prefeito de São Paulo para o mandato de 2025 a 2028.
Olhando para o vice de Ricardo Nunes
Existe chance de Nunes abandonar seu novo mandato? Existe, e não é desprezível. Se Tarcísio abandonar o seu mandato para disputar a presidência, Nunes, muito provavelmente, deve aparecer como candidato do MDB ao governo de São Paulo. Se isso acontecer, ele abandonaria a prefeitura em março ou abril de 2026 para disputar essa eleição. No seu lugar, ele deixaria o seu vice, Mello Araújo, do PL.
O que faz esse cenário mais turvo, mas não improvável, é que ao mesmo tempo em que o MDB vai querer vencer a eleição de 2026 para o governo de São Paulo, o PSD de Felicio Ramuth e Gilberto Kassab também vai querer. Aqui, o que deve pesar é a projeção dos dois candidatos, e nesse ponto Nunes sai na frente por causa da Prefeitura.
Voltando a Mello Araújo, Bolsonaro, Waldemar da Costa Neto e o PL erraram ao não apoiar a candidatura de Ricardo Salles para esta eleição, o que possibilitou o surgimento e a consolidação de Pablo Marçal, que só não chegou ao segundo turno devido a divulgação, de forma absolutamente irresponsável, de um laudo falso de consumo de drogas atribuído a Guilherme Boulos. Mesmo assim, eles podem acabar recebendo a prefeitura de bandeja daqui a dois anos. A favor de Mello, pode-se dizer que, como ele não tem histórico em cargos eletivos para o executivo, ele começaria sem a marca pesada de um passado incompetente. Se vai dar certo ou não, são outros quinhentos.
“Ahhh, mas se Boulos tivesse sido eleito, ele não abandonaria o seu mandato!!!”
Não é bem assim. Se Boulos tivesse sido eleito, ele poderia abandonar a prefeitura, da mesma forma que Serra e Dória fizeram e da mesma forma como Nunes deve fazer. Isso porque ele poderia disputar o governo de São Paulo na eleição de 2026, já que PT e Psol não possuem candidatos com tração para isso.
A ironia do destino é que se Boulos tivesse sido eleito e, consequentemente, abandonasse a prefeitura, ele deixaria no seu lugar Marta Suplicy, eternamente lembrada pela sua péssima administração que foi de jan/2000 a dez/2004. Depois da sua “experiência” a frente da Prefeitura de São Paulo, o paulistano sempre deu o seu recado a Marta nas urnas, que insiste em ignorá-lo: ela perdeu as eleições de 2004 e de 2008 no segundo turno e ficou em terceiro na eleição de 2016.
Obs.: da mesma forma que o eleitorado da cidade de São Paulo mandou seu recado para Marta Suplicy e José Serra, ele está mandando um recado muito claro para Guilherme Boulos.