A partir de 2025, as empresas brasileiras serão desafiadas a dar um salto significativo na forma como cuidam da saúde e segurança dos trabalhadores. Com a inclusão dos riscos psicossociais no escopo da NR 01 (Norma Regulamentadora Geral), o Brasil se alinha a uma tendência global que trata a saúde mental como um componente vital da saúde ocupacional.
Essa mudança não se limita a uma adequação legal, mas sinaliza uma transformação cultural no ambiente corporativo, que deve passar a valorizar mais a dignidade e o bem-estar dos profissionais. Neste artigo, exploramos em profundidade o tema, desdobrando as implicações legais, os impactos práticos e as oportunidades de crescimento para empresas e trabalhadores.
Dados de organizações como a Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, estão entre as principais causas de incapacidade laboral em todo o mundo.
No Brasil, os transtornos mentais são a terceira maior causa de afastamentos registrados no INSS, atrás apenas de lesões físicas e doenças musculoesqueléticas.
Fatores como a pandemia de COVID-19, que intensificou o isolamento social e aumentou o estresse ocupacional, aceleraram a conscientização sobre a necessidade de abordar a saúde mental no trabalho.
A nova NR 01 reflete esse cenário, integrando a avaliação de riscos psicossociais como uma obrigatoriedade e não mais como um aspecto secundário.
Os riscos psicossociais são condições no ambiente de trabalho que podem prejudicar a saúde mental e emocional dos trabalhadores. Eles estão profundamente relacionados à forma como o trabalho é organizado, ao ambiente social no qual ocorre e às condições pessoais dos trabalhadores.
São exemplos de riscos psicossociais:
- Estresse crônico: Quando há pressão constante para atingir metas irrealistas ou realizar tarefas em prazos inviáveis.
- Assédio moral ou sexual: A exposição contínua a comportamentos abusivos ou inadequados por parte de colegas ou superiores.
- Isolamento social: Situações em que o trabalhador não se sente integrado à equipe ou à cultura da empresa.
- Conflitos interpessoais: Relações conflituosas no trabalho podem gerar um clima organizacional tóxico.
- Falta de controle sobre o trabalho: A ausência de autonomia para decidir como realizar tarefas prejudica o senso de realização.
Esses fatores não apenas afetam diretamente o trabalhador, mas também têm repercussões negativas para a empresa, como aumento do absenteísmo, queda na produtividade e alta rotatividade de funcionários. Registre-se que, para o trabalhador, as consequências também são devastadoras: crises de ansiedade, insônia crônica, depressão, problemas gástricos, infartos, AVC, dores musculares incapacitantes, enxaqueca, ideação suicida e até autoextermínio.
O que muda com a NR 01 em 2025?
- Inclusão de riscos psicossociais no PGR
O Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), que já exigia o mapeamento de riscos físicos, químicos e biológicos, agora deve incluir também os riscos psicossociais. Isso significa que as empresas precisarão:
- Mapear fatores de estresse no ambiente de trabalho.
- Avaliar o impacto de práticas organizacionais na saúde mental.
- Implementar medidas concretas para mitigar os riscos identificados.
- Integração com outras normas
A NR 01 dialogará com outras normas específicas, como a NR 17 (Ergonomia), que também aborda aspectos relacionados ao bem-estar físico e mental. Essa integração garante uma abordagem mais ampla e coordenada para a saúde do trabalhador.
- Fiscalização mais rigorosa
As auditorias realizadas pelos órgãos de fiscalização do trabalho incluirão avaliações das ações tomadas pelas empresas para prevenir e tratar riscos psicossociais. Empresas que não cumprirem as exigências podem enfrentar multas e sanções administrativas.
- Maior responsabilização dos líderes
A norma coloca mais responsabilidade sobre gestores e líderes, que deverão ser capacitados para identificar sinais de sofrimento mental em suas equipes e agir de forma preventiva.
As empresas que historicamente trataram a saúde mental como uma questão secundária terão que adotar uma abordagem proativa. Isso exige: revisão de processos internos para reduzir sobrecargas de trabalho; criação de canais seguros para que os trabalhadores possam relatar problemas sem medo de represálias; e promoção de práticas que valorizem o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, como horários flexíveis e possibilidade de trabalho remoto.
O setor de Recursos Humanos precisará assumir um papel central na implementação da NR 01. Isso inclui: criação de políticas claras contra assédio moral e sexual; parcerias com psicólogos organizacionais para suporte contínuo; e monitoramento constante de indicadores como absenteísmo, afastamentos e engajamento dos colaboradores.
Além disso, algumas empresas precisarão criar ou adaptar espaços físicos para promover o bem-estar, como áreas de descompressão ou salas para momentos de desvinculação com o trabalho.
A capacitação de líderes e equipes sobre saúde mental será essencial para evitar abordagens equivocadas ou superficiais.
Embora a nova regulamentação traga benefícios claros, ela também apresenta desafios significativos, especialmente para pequenas e médias empresas. Os principais desafios são: custos iniciais (investir em diagnósticos, treinamentos e adaptações pode ser oneroso, especialmente para empresas com poucos recursos); falta de conhecimento (muitas organizações ainda têm pouca familiaridade com o conceito de riscos psicossociais e como abordá-los); e resistência cultural (empresas tradicionais podem relutar em mudar práticas arraigadas que favorecem a pressão excessiva ou a competição exacerbada).
Mas há que se reforçar as principais oportunidades com essas mudanças e investimentos para as empresas, quais sejam:
- Melhoria da produtividade: Trabalhadores saudáveis mentalmente são mais engajados e produtivos.
- Redução de custos com saúde: A prevenção de problemas mentais reduz afastamentos e gastos com tratamentos.
- Atração e retenção de talentos: Empresas que demonstram preocupação genuína com o bem-estar se tornam mais atrativas para profissionais qualificados.
O que as empresas devem fazer desde já?
- Diagnóstico organizacional
Realizar uma análise detalhada do ambiente de trabalho, utilizando questionários, grupos focais e outros métodos para identificar pontos críticos relacionados à saúde mental.
- Planejamento estratégico
Desenvolver um plano de ação que integre as novas exigências da NR 01 à estratégia de negócios da empresa.
- Capacitação contínua
Investir na formação de gestores e equipes para que estejam preparados para lidar com os desafios relacionados à saúde mental.
- Estabelecimento de parcerias
Buscar apoio de especialistas, como psicólogos organizacionais e consultorias em saúde ocupacional, para estruturar programas eficazes.
Conclusão
A inclusão dos riscos psicossociais na NR 01 representa um marco para o mercado de trabalho brasileiro, trazendo à tona a importância de abordar a saúde mental de maneira integrada e estruturada.
Embora a adaptação às novas exigências represente um desafio para muitas empresas, ela também é uma oportunidade de crescimento e transformação, tanto para as organizações quanto para os trabalhadores.
Afinal, ambientes mais saudáveis, humanos e inclusivos não são apenas uma exigência legal, mas um diferencial competitivo em um mundo que valoriza cada vez mais o bem-estar e a qualidade de vida.
Ao adotar essas mudanças, as empresas estarão não apenas cumprindo a lei, mas também contribuindo para uma sociedade mais equilibrada e produtiva. Em 2025, a revolução da saúde mental no trabalho será uma realidade, e as organizações que liderarem esse movimento colherão os frutos de um ambiente mais saudável e sustentável.
Michelle Heringer, especialista em assédio no trabalho.