Saudosismo dialético ou a dialética da saudade ?

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O engenheiro John Cotrim fez coisas incríveis e inéditas há 45 anos. Se definido politicamente como conservador, essa qualificação mereceria alguns complementos: modernizante, modernizador, tocador eficiente e eficaz de empreendimentos planejados, ranzinzamente ético, pioneiro na gestão da formação de recursos humanos de alto nível para todo o setor elétrico.
Rememorando os 17 anos que passou na direção de Furnas, contava que JK deu-lhe total autonomia no recrutamento dos diretores da nascente empresa. Ironizava fazendo uma comparação astronômica. Alinhamentos de todos os planetas do sistema solar levam centenas de milhares de anos para acontecer.
Aquele grupo inicial de diretores tinha sido uma conjunção fortuita, passível de acontecer somente a cada período de tempo da mesma ordem de grandeza do alinhamento de Mercúrio até Plutão. Durou 17 anos, dos quais dez sob arbítrio militar, quando tornou-se exceção num ambiente em que a opacidade geral velava pela pusilanimidade das políticas públicas. Até hoje espera-se repetição.
Mas esse oásis gerencial e técnico foi coerente com o ambiente geral do setor somente no que se refere às suas características físicas alcançadas do inicio dos anos sessenta até o final dos anos oitenta: primordialmente hidrelétrico, com grandes reservatórios de acumulação plurianual e uma inédita rede de longas linhas de transmissão em alta e extra alta tensões, interligando áreas de produção com importantes diversidades pluviométricas.
Enfim, essas eram as, quiçá óbvias, vantagens do Brasil. Porém, a gestão sob a coordenação da Eletrobrás foi centralista e autoritária, com a perda crescente da autonomia das empresas regionais, sendo classificada de subversiva qualquer defesa de um processo de busca de caminho que substituísse a gestão fisiológica, sob influência dos grandes fornecedores de bens e serviços, por uma gestão sob controle da sociedade, institucionalizados instrumentos e mecanismos de representação que viabilizassem esse objetivo.
Nos anos 90 e nos dois anos do novo século, tanto no biênio negro como no decênio cinzento, exacerbou-se a degradação gestionária do setor. Tornou-se aguda a luta pelo poder num contexto de destruição predatória dos recursos humanos das empresas racionalizada como enxugamento necessário.
Vitaminou-se o pindorâmico fisiologismo privado na obtenção de cargos de direção nas empresas privatizadas. Priorizaram-se currículos que misturaram e entrelaçaram, em doses variadas mas sempre presentes, os seguintes ingredientes: mediocridade premiada, oportunismo delirante, falta de imaginação devastadora, servidão voluntária permanente aos interesses externos e , obviamente, coroando as características anteriores, ética escassíssima.
O poeta satírico Duarte da Paz contribuiu com o seguinte resumo: “Nos países onde/os canalhas e medíocres/ tomaram o poder/ o terror impera, só/ a sátira prospera.”
Betinho e Cotrim andam se encontrando no espaço-tempo. Betinho surpreendeu-se com o radicalismo do engenheiro. No planeta, ouvira sempre que o fundador de Furnas teria sido simplesmente um direitista modernizante e ético. Fixado agora no resgate de velhas histórias. Alterna a repetição da autonomia outorgada por JK, às vésperas da fundação de Furnas, com seu pioneirismo na formação de recursos humanos para o setor.
Betinho tem que lembrá-lo a toda hora que o ambiente ranzizamente ético no neolítico da empresa foi também um novidade importante. Betinho anda triste. Foi convidado para uma palestra para outros brasileiros veteranos e recém chegados. Deu ênfase a necessidade de uma campanha conscientizadora através da intervenção, noite após noite, nos sonhos dos que na Terra ainda estão, lembrando que maus comportamentos morais e éticos não são exclusivamente ligados ao lucro pessoal proporcionado pelos cargos públicos.
Maquiavelismos mais ou menos competentes, micro conspirações vulgares, pusilanimidades de toda ordem também bloqueiam os caminhos para as utopias palpáveis passo a passo. Confirmam as tendências das novilinguas totalitárias nas quais virtude e vicio se tornam sinônimos. Justificam a dupla qualificação de personagens infelizmente presentes na história: “gangsters-ideológicos” e “gangsters-propriamente-ditos” . Eles interagem e contaminam-se.
Contudo, Betinho liberta-se pouco a pouco da tristeza. Tem certeza que, após 28 de outubro de 2002, se aconteceram permanências aéticas justificáveis ou injustificáveis pela necessidade de coligações macropolíticas, foram pequenas distrações, seqüelas inerentes aos costumes políticos de Pindorama. As correções acontecerão com rapidez. Sobretudo porque, como apregoa o título do artigo publicado neste espaço em 16 de outubro passado, “Empresas de Serviço Público: fácil transformá-las em empresas públicas e cidadãs!”

Olavo Cabral Ramos Filho
Membro do Conselho Diretor do Clube de Engenharia, ex-superintendente de Engenharia de Transmissão de Furnas e ex-diretor do Ilumina.

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