O Plenário do Senado aprovou ontem o Projeto de Lei 3.944/2024, que proíbe a importação de resíduos sólidos, como papel, plástico, vidro e metal. De autoria do deputado federal Célio Silveira (MDB-GO), a matéria foi relatada pelo senador Weverton (PDT-MA) e segue agora para a sanção da Presidência da República.
A proposta altera a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305, de 2010). Weverton disse que é incompreensível que o Brasil produza a quantidade de lixo que produz e ainda precise importar material para reciclagem.
Ele citou dados da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema) para destacar que o Brasil recicla apenas 4% do lixo que gera, mas continua importando toneladas de resíduos sólidos, sobretudo para o cumprimento de obrigações previstas na legislação quanto ao conteúdo mínimo reciclado a ser utilizado como insumo. A estimativa é que, entre 2023 e 2024, foram importadas mais de 70 mil toneladas de materiais como papel, plástico, vidro e alumínio, ao custo de US$ 322 milhões.
“A possibilidade de importação de resíduos sólidos tem se tornado um dos maiores entraves ao fortalecimento da cadeia econômica da reciclagem”, afirmou o senador ao ler seu relatório em Plenário.
Durante a tramitação da matéria na Comissão de Meio Ambiente (CMA), onde a matéria recebeu parecer favorável no último dia 11, Weverton apresentou duas emendas consideradas de redação. Uma delas deixa clara que será permitida a importação de resíduos utilizados na transformação de minerais estratégicos, incluindo metais para a indústria de transformação.
A outra emenda ajusta a redação de um artigo, excluindo os pneus da autorização de importação de resíduos para o setor de autopeças. Segundo o Weverton, a alteração vai no sentido da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 101, que proibiu a importação de pneus desde 2009. Já no Plenário, Weverton acrescentou ao texto das emendas a informação de que os assuntos serão tratados em futuro regulamento.
Os senadores Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), Vanderlan Cardoso (PSD-GO), Esperidião Amin (PP-SC), Sergio Moro (União-PR) e Tereza Cristina (PP-MS) manifestaram preocupação com a proibição de importação de resíduos de aparas de papel, que, segundo eles, seria essencial para as empresas que trabalham com embalagens, por exemplo. Para Jorge Seif (PL-SC), autor da emenda que pedia exceção para os resíduos sólidos de papel, a previsão de que o assunto poderá ser tratado em futuro regulamento não traz segurança para os empresários do setor.
“Isso vai prejudicar, só em Santa Catarina, cerca de 40 empresas, que empregam 15 mil trabalhadores”, afirmou Seif.
Depois de muito debate, Weverton decidiu pela inclusão da expressão “tais como aparas de papel de fibra longa” no texto, de forma que a demanda dos senadores fosse acatada e a emenda fosse considerada um ajuste redacional.
O projeto também estabelece que o importador e o fabricante de autopeças ficam autorizados a importar resíduos sólidos derivados de produtos nacionais previamente exportados, para fins exclusivos de logística reversa e reciclagem integral, ainda que classificados como resíduos perigosos.
A logística reversa é um processo de gestão de produtos, materiais e resíduos após o fim de sua vida útil. Envolve classificação dos produtos ou materiais coletados, desmontagem dos produtos que podem ser reutilizados ou reciclados, processamento dos materiais separados, distribuição dos materiais processados, disposição final dos resíduos. Resíduos sólidos perigosos são materiais descartados que podem ser prejudiciais à saúde pública e ao meio ambiente, como agrotóxicos, pilhas e baterias, óleos lubrificantes
De acordo com o relator, as proibições previstas no projeto poderão incentivar a cadeia econômica da reciclagem formada por cooperativas e associações de catadores – com cerca de 800 mil trabalhadores, segundo dados do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis.
“Esses trabalhadores são os mais prejudicados pela atual precariedade de políticas públicas que efetivamente incentivem a reciclagem”, afirma o relator.
Weverton ressalta que, segundo a Abrema, para as indústrias que são obrigadas a utilizarem a logística reversa e a usar materiais reciclados como insumo, é menos custoso atualmente importar resíduos do que adquiri-los de cooperativas de catadores ou de empresas de reciclagem brasileiras, dada a precariedade dessa cadeia para atender a demanda.
Ao anunciar seu apoio à matéria, o senador Giordano (MDB-SP) contou que foi catador de papel na juventude. Ele disse que é importante acabar com a figura do atravessador, e afirmou que não é preciso importar plástico ou papelão, pois as cooperativas de reciclagem conseguiriam fornecer esses materiais. Segundo ele, o problema é a falta de acesso às indústrias.
“O maior sonho de um catador é vender seu produto diretamente para a indústria”, ressaltou Giordano.
Conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, foram importados, entre janeiro de 2023 e maio de 2024, 28 mil toneladas de papel; 5,6 mil toneladas de plástico; 16,6 mil toneladas de alumínio; e 19 mil toneladas de vidro. Essa quantidade, apenas para esses quatro materiais, totalizou importações de US$ 322 milhões.
“A cadeia de importação de alumínio responde por 96,6% do gasto total, aproximadamente R$ 1,87 bilhões, e isso motivaria uma das ressalvas feitas pelo projeto, para a possibilidade de importação de resíduos utilizados na transformação de minerais críticos, dada a elevada demanda dessa indústria, que não seria suprida pela cadeia de reciclagem doméstica”, registrou Weverton em seu parecer.
Em 2024, o Brasil descartou 2,4 milhões de toneladas de equipamentos, como modems e roteadores, marcando um aumento de 15% em relação a 2020, segundo o relatório E-Waste Monitor da ONU.
Esse aumento reflete o impacto do consumo acelerado, impulsionado pelo crescimento do e-commerce e a rápida obsolescência tecnológica. Diante do desafio de dar uma finalidade a todo esse lixo eletrônico, a logística reversa desponta como solução para transformar esses resíduos em dinheiro, promovendo a reciclagem, a reutilização e uma nova abordagem sustentável para a gestão de resíduos em 2025.
O Brasil recicla apenas 4% do lixo gerado, e cerca de 31,9% dos municípios ainda recorrem a lixões como destino final dos resíduos, de acordo com estudo da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). Esse cenário reflete as dificuldades do país na gestão de resíduos sólidos, que são agravadas pela falta de infraestrutura e fiscalização eficaz. No entanto, novas políticas públicas e atualizações legislativas, como a ampliação da logística reversa e o rastreamento de resíduos, apontam para um futuro mais sustentável, com expectativas de avanços significativos até 2025.
Nos últimos anos, o cenário tem se transformado positivamente, principalmente com o avanço das legislações que tratam da gestão de resíduos e da logística reversa. Eduardo Azevedo, COO da Minha Coleta, comenta as perspectivas para 2025, destacando a evolução das normativas federais e estaduais. Segundo ele, o Brasil tem experimentado um aumento nas atualizações legislativas, com ênfase no sistema de rastreamento de resíduos – um passo fundamental para garantir que os materiais destinados à reciclagem realmente sejam processados de maneira correta e eficiente.
“Temos grandes avanços nas legislações federais, tanto para a gestão de resíduos quanto para a logística reversa”, afirmou Azevedo. “Em 2023, o Governo Federal atualizou o sistema de descarte de resíduos, o Sinir, e agora estamos vendo mais estados adotando suas próprias plataformas. O Espírito Santo e Brasília, por exemplo, lançaram seus sistemas de rastreamento este ano.”
Essa mudança é crucial para garantir o cumprimento das metas de reciclagem e descarte adequado. Com a criação de sistemas estaduais e a atualização dos já existentes, espera-se que o Brasil consiga monitorar com mais precisão o destino dos resíduos. Para o próximo ano, a tendência é que as plataformas de rastreamento, tanto públicas quanto privadas, desempenhem um papel mais rigoroso na fiscalização do processo, garantindo que as regulamentações se tornem mais aplicadas e eficazes.
Além das mudanças no setor público, o mercado financeiro também está se tornando um agente importante nesse processo de transformação. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem ampliado suas exigências no que diz respeito à sustentabilidade e ao impacto ambiental das empresas. As companhias que emitem títulos verdes agora precisam apresentar relatórios mais detalhados sobre suas práticas ambientais, incluindo a gestão de resíduos.
“A CVM tem crescido em relação à fiscalização do ISD (Investimento Social e Sustentabilidade)”, explicou Azevedo. “Agora, todas as empresas que captam recursos por meio de títulos verdes terão que estruturar relatórios detalhados sobre sua gestão ambiental. Isso representa um movimento importante no sentido de aumentar a transparência e reduzir práticas como o greenwashing.”
Ele acredita que essa tendência se aprofundará até 2026, quando as empresas terão que melhorar significativamente seus relatórios ambientais. Azevedo também destacou a importância das regulamentações internacionais, como as implementadas pela União Europeia, que visam a redução do greenwashing e a melhoria da qualidade das informações ambientais fornecidas pelas empresas.
Apesar dos avanços legislativos, o Brasil ainda enfrenta dificuldades na implementação de políticas públicas, especialmente nas cidades de menor porte. O Marco Legal do Saneamento Básico, que entrou em vigor em 2020, determina a obrigação dos municípios de implementarem sistemas adequados para a gestão de resíduos e fornecimento de serviços de saneamento. Contudo, muitos municípios ainda enfrentam desafios na aplicação efetiva dessas leis.
“Alguns municípios ainda têm grande dificuldade em aplicar as leis que foram criadas para garantir a gestão correta dos resíduos”, observou Azevedo. “Porém, acredito que, com o aumento da fiscalização e com o apoio dos sistemas estaduais, teremos um avanço significativo na gestão dos resíduos nos próximos anos.”
Para 2025, as expectativas são de que a tecnologia continue a ser uma aliada crucial na gestão de resíduos. A utilização de plataformas de rastreamento e de novas tecnologias para monitoramento e descarte de materiais deve acelerar o processo de transição para uma economia circular no Brasil. Além disso, Azevedo acredita que o desenvolvimento de novas tecnologias para a rastreabilidade dos resíduos trará maior visibilidade e controle sobre o processo, o que contribuirá para o cumprimento das metas ambientais do país.
No entanto, ele também alertou para a necessidade de investimentos mais robustos no setor. Apesar de algumas iniciativas internacionais, como os US$ 300 milhões anunciados na última COP, os recursos ainda são insuficientes para gerar mudanças significativas no curto prazo.
“Infelizmente, o resultado da COP deste ano não foi positivo em relação aos investimentos necessários para combater as mudanças climáticas, que estão diretamente ligadas à gestão de resíduos. O valor de US$ 300 milhões é uma fração do que é necessário”, afirmou Azevedo. “Porém, acredito que o desenvolvimento de novas tecnologias de rastreamento e o aumento da fiscalização resultarão em melhorias substanciais na gestão dos resíduos no Brasil, ainda que a curto prazo não vejamos uma transformação completa.”
Com informações da Agência Senado