Sempre que alguém parte, o sentimento de perda é gigante, ainda mais quando aquele que nos deixa é uma pessoa tão admirada e que nos deu, ao longo dos anos, grandes lições de humanismo e de vida. Sérgio Cabral sofria com o mal de Alzheimer há muitos anos, desde 2016, quando a doença foi diagnosticada, mas encontrava em sua mulher, Magaly, o apoio necessário para que, muito bem cuidado, pudesse ir caminhando até que, no último domingo, 14 de julho, depois de três meses internado em uma UTI, partiu. Esse gigante da Cultura Nacional foi para a eternidade, deixando um legado extraordinário.
Sérgio Cabral sempre será lembrado como um jornalista talentoso; um escritor da melhor qualidade; um amante da Música Popular Brasileira; um apreciador e entusiasta do samba e das Escolas de Samba; um vereador atuante, íntegro e visionário; um conselheiro do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, com uma trajetória brilhante; um marido exemplar; um pai afetuoso; um avô carinhoso; um vascaíno fanático. Sérgio Cabral foi um homem generoso, querido, bom de prosa e, sobretudo, encantador e sedutor.
Conheci o jornalista Sérgio Cabral na redação do jornal O Globo, quando lá ingressei como estagiário. Nossa amizade foi sendo construída dia após dia. Gostava de ouvi-lo, de absorver sua vasta cultura musical, de escutar, com atenção, seus comentários sobre o Rio.
Essa ligação se estendeu ainda mais no momento em que se candidatou ao cargo de Vereador, pela nossa Cidade Maravilhosa, quando passei a frequentar o seu apartamento em Copacabana, com reuniões permanentes e enriquecedoras e quando conheci, além da sempre gentil Magaly, os filhos Serginho, que mais tarde seria meu aluno na então Faculdade da Cidade, se tornaria deputado estadual por várias legislaturas, senador da República e, por duas vezes, governador do Estado do Rio de Janeiro, Claudia e Maurício. Fizemos campanhas juntos, com a querida Zilmar Basílio Borges. Editávamos o jornal da campanha, com Ziraldo fazendo as geniais charges.
Ficou na Câmara Municipal por três mandatos, entre 1983 e 1993. Atuou como secretário Municipal de Esportes e Lazer, entre 1987 e 1988, e lá fui eu ser assessor de imprensa dessa Secretaria. Cria a Fundação Rio-Esportes e me convida para ser diretor de Comunicação e Marketing. Em seguida, torna-se conselheiro do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, onde se aposentaria, aos 70 anos.
Sérgio Cabral morreu aos 87 anos e ensinou a todos a amar a música brasileira, a amar o Rio de Janeiro, com suas mazelas e belezas inigualáveis, a combater preconceitos e a aceitar o próximo da forma como ele se apresenta.
Nascido em 1937, na zona norte do Rio, no bairro de Cascadura e criado em Cavalcante, Sérgio Cabral iniciou sua carreira jornalística como repórter do Diário da Noite. Foi um dos fundadores do jornal O Pasquim, chegando a ser preso na ditadura devido à sua atuação no jornal, além de editor de jornais e revistas. Escreveu biografias de artistas do samba e da música popular brasileira, como Pixinguinha, Nara Leão, Ary Barroso, Grande Otelo, Ataulfo Alves, Elizeth Cardoso e Tom Jobim.
Na década de 1960, cobriu os desfiles de escolas de samba, tornando-se, depois, jurado e comentarista das apresentações, considerado um dos mais preparados da história do carnaval carioca. Na TV Globo, integrou o júri especializado, que dava notas para a apresentação das escolas de samba, desde a década de 70. Com muita rigidez, era considerado o jurado mais severo, guardando a nota máxima apenas para uma apresentação antológica. Julgou no início mestre-sala e porta-bandeira e comissão de frente e depois samba-enredo. Trabalhou como comentarista de carnaval também na TVE, em 1980, e na TV Manchete, em 1984, 1987, 1989 e 1990.
Desses trabalhos, resultou um dos seus livros mais importantes, As Escolas de Samba do Rio de Janeiro, publicado em 1974 e relançado em 1996. Ele se definia como um torcedor da Portela, mas que amava a Mangueira, o Salgueiro e o Império Serrano.
Também atuou como compositor, assinando várias letras, em parceria com Rildo Hora e Visgo de Jaca e produtor musical e sendo coautor de dois sambas clássicos: Visgo de Jaca, eternizada na voz de Martinho da Vila, no álbum Canta Canta, Minha Gente (1974), e Os Meninos da Mangueira, que fez grande sucesso na voz do cantor Ataulfo Alves Júnior, em 1976.
Sempre apaixonado pelo samba, Sérgio Cabral criou o musical Sassaricando: e o Rio inventou a marchinha, em parceria com a historiadora Rosa Maria Araujo. Tamanho foi o sucesso desse musical que acabou ficando uma década em cartaz.
Sérgio Cabral, em entrevista na década de 1980, disse: “Trabalho com o samba. Trabalho e gosto. Com o samba, com a música popular, com o futebol. Com as coisas bem cariocas”.
O jornalista e escritor deixou um acervo de mais de 60 mil itens, como partituras e documentos, que ajudam a contar a história da música popular. O material foi doado para o Museu da Imagem do Som, no Rio de Janeiro.
Dentre tantas e importantes obras, destacam-se: As Escolas de Samba – o que, quem, onde, como, quando e porque (1974); Pixinguinha, Vida e Obra (1977); ABC do Sérgio Cabral (1979); Tom Jobim (1987); No Tempo de Almirante (1991); No Tempo de Ari Barroso (1993); Elizete Cardoso, Vida e Obra (1994); As Escolas de Samba do Rio de Janeiro (1996); A Música Popular Brasileira na Era do Rádio (1996); Pixinguinha Vida e Obra (1997); Antonio Carlos Jobim – Uma biografia (1997); Livro do Centenário do Clube de Regatas Vasco da Gama (1998); Mangueira – Nação Verde e Rosa (1998); Nara Leão – Uma biografia (1991); Quanto Mais Cinema Melhor – Uma biografia de Carlos Manga (2006); Grande Otelo – Uma biografia (2007) e Ataulfo Alves (2009).
Sérgio Cabral, esse gigante da cultura nacional, nos deixou, mas sua vasta e importante obra, contada em livros, continuará para sempre na lembrança de todos. Merece todos os nossos mais efusivos aplausos e homenagens. Um homem de bem e do bem.
Paulo Alonso, jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula.