Setor de transporte iniciará 2021 em crise

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Ônibus urbanos (Foto: Rovena Rosa/ABr)
Ônibus urbanos (Foto: Rovena Rosa/ABr)

Desde março, os transportes de passageiros sobre trilhos e de ônibus coletivo urbano acumulam um déficit de R$ 16,3 bilhões, sendo R$ 7,5 bilhões somente em relação à arrecadação de receita do setor de trilhos e R$ 8,8 bilhões relacionados ao desequilíbrio entre custos e receita do transporte coletivo por ônibus. Passados mais de nove meses do início das restrições referentes à pandemia, os operadores de trilhos e ônibus estão transportando, em média, 60% dos passageiros, o que demonstra a lenta recuperação do setor. Além disso, o país chega ao mês de dezembro com o número crescente de contágio o que agravará ainda mais a situação e, consequentemente, a crise dos transportadores ao longo de 2021.

A Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos) e a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) alertam que a falta de recursos para o setor afetará milhões de brasileiros que só têm o transporte público como meio de deslocamento – os serviços de transporte coletivo por ônibus urbano atendiam, antes da pandemia, cerca de 40 milhões de pessoas diariamente, e os serviços metroferroviário mais de 12 milhões. As entidades reforçam que o setor de transporte iniciará o próximo ano fortemente impactado pela crise e há uma preocupação muito grande com esse segmento, que é essencial para a população e não teve nenhum tipo de apoio emergencial, seja do Governo Federal ou dos estaduais.

O veto integral ao Projeto de Lei 3.364/2020, que destina R$ 4 bilhões a estados e municípios para a recuperação do transporte público frente aos impactos da Covid-19, compromete a sustentabilidade do atendimento à população e coloca em risco milhares de empregos diretos e indiretos, além da arrecadação de tributos ao estado. As empresas de ônibus coletivos garantem 405 mil postos de empregos diretos e cerca de 1,2 milhão de empregos indiretos, enquanto as empresas metroferroviárias respondem por mais 42 mil empregos diretos e mais de 120 mil indiretos.

Tendo em vista que o transporte público é um serviço essencial garantido na Constituição Federal e também utilizado, principalmente, no percurso casa-trabalho a ANPTrilhos e a NTU apelam ao Governo Federal para que o socorro ao setor seja reavaliado e concretizado com o objetivo primordial de manter o atendimento à população e os empregos do setor.  As entidades setoriais estão dispostas a fazer o que for possível para que os sistemas de atendimento à população não paralisem suas operações.

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Já o PL. 3.819/20, aprovado na noite do último dia 15 no Senado, que estabelece novos critérios de autorização para empresas de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, beneficia familiares dos senadores que articularam sua aprovação. Os dois pontos centrais do projeto – o circuito fechado e o impedimento da intermediação nas vendas de passagens – beneficiam diretamente viações de ônibus que operam as chamadas linhas públicas, em detrimento dos milhares de fretadores que trabalham com o uso de aplicativos colaborativos, com preços mais baixos.

O PL, no entanto, deve encontrar dificuldades de aprovação na Câmara dos Deputados, especialmente após ter se tornado pública a informação de que os senadores responsáveis pela articulação da matéria são beneficiados diretos.

A proposta, de autoria do senador Marcos Rogério (DEM-RO), foi relatada por Acir Gurgacz (PDT-RO), proprietário da Eucatur, uma das maiores empresas de transporte de passageiros do país. A articulação de bastidores ontem de noite, que quebrou acordo prévio entre os senadores para submeter o projeto ao plenário, contou com forte empenho de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que é herdeiro de empresas de transportes e tenta ainda emplacar seu assessor, Arnaldo Silva Júnior, como diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Críticos da proposta apontam que as mudanças aprovadas na noite de ontem burocratizariam as regras vigentes a ponto de restringir a competição e beneficiar as empresas que atualmente já possuem concessão pública, mantendo assim um oligopólio que há décadas comanda o setor. O projeto também reforça a proibição do chamado circuito fechado, prática que inviabilizaria a atuação de pequenas e médias empresas de fretamento que nos últimos dois anos ampliaram sua participação no mercado, atuando por meio de aplicativos, com viagens que custam até 60% a menos do que vendidas pelo setor tradicional. A situação lembra a mesma vivenciada por serviços como os da Uber e 99, quando iniciaram suas atividades no Brasil.

A proposta é explícita quando se remete a essas plataformas tecnológicas, denotando clara reação do setor, motivada especialmente pelo crescimento de empresas como Buser e 4Bus, startups importantes no setor e que representam a chamada nova economia. A vedação do intermediador, prevista no PL, colide com o entendimento de julgamento recente do Supremo Tribunal Federal, que na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 449, que teve como relator o hoje presidente do tribunal, ministro Luiz Fux, considerou que “a evolução tecnológica é capaz de superar problemas econômicos que tradicionalmente justificaram intervenções regulatórias, sendo exemplo a sensível redução de custos de transação e assimetria de informação por aplicativos de transporte individual privado, tornando despicienda a padronização e a aderência às normas gerais do sistema de transporte. Como bem restou consignado, o exercício de atividades econômicas e profissionais por particulares deve ser protegido da coerção arbitrária por parte do Estado, competindo ao Judiciário, à luz do sistema de freios e contrapesos estabelecidos na Constituição brasileira, invalidar atos normativos que estabeleçam restrições desproporcionais à livre iniciativa e à liberdade profissional”.

Já o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), em ação julgada no início de dezembro, considerou que serviços como o da Buser “promovem, em realidade, uma aproximação de forma extremamente qualificada entre os passageiros e as empresas que são autorizadas a prestar serviços de fretamento particular”.

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