Sinais para 2022

822
Urna eletronica (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Urna eletrônica (foto de Edilson Rodrigues, Agência Senado)

Nas semanas seguintes ao fim das eleições municipais (menos no Amapá), atores políticos importantes à esquerda e direita emitiram avaliações, entrevistas, tuítes, ecoando os resultados, suas interpretações e, sobretudo, dando a largada extraoficial para os arranjos visando 2022. Essas falas deixaram sinais e rastros mais ou menos explícitos pelo caminho que tentamos coligir aqui.

À esquerda, ainda em pleno domingo de votação (29/11), o governador do Maranhão Flávio Dino abriu os debates sobre as eleições presidenciais em 2022, sem dizer uma palavra, ao votar com a camisa “Lula Livre”. O sinal claro pôs em evidência o ex-presidente mais popular e mais odiado da história do país, que praticamente não figurou nas propagandas eleitorais gratuitas de televisão em 2020.

Não tardou a reação de Ciro Gomes, afirmando que Dino perdera a noção da realidade. O governador do Maranhão, em sua conta no Twitter, preferiu responder que não cairia em provocação, mas logo depois citou frase célebre de Leonel Brizola afirmando que nunca costeou o alambrado. Assim, entre caneladas, foi dada a largada na corrida presidencial de 2022 entre os candidatos da centro-esquerda.

Se o clima esquentou entre os candidatos de PDT e PCdoB, dentro do PT o fogo amigo falou ainda mais alto. O senador Jaques Wagner e Alberto Cantalice, quadro do Diretório Nacional do PT, apontaram artilharia na direção do ex-presidente Lula pregando a renovação do partido.

Espaço Publicitáriocnseg

O ex-governador da Bahia foi incisivo ao afirmar que não pode ser eternamente refém de Lula e carrega consigo o peso da opinião de um dos poucos, do círculo estreito da mais alta confiança do ex-presidente, que sobreviveram ao massacre sofrido pelo Partido dos Trabalhadores na última década.

Fernando Haddad respondeu nas páginas da Folha de São Paulo afirmando que Lula e o PT não são só indissociáveis, mas eventos únicos, e aproveitou o espaço em que é colunista na grande imprensa para qualificar PSB e PDT como partidos de “centro”, riscando no chão uma linha de divisão.

Ao mesmo tempo, e como reação, a insuspeita TV Brasil 247 convidou a principal liderança do Partido da Causa Operária para uma transmissão ao vivo no YouTube, onde Rui Costa Pimenta lançou a candidatura presidencial de Lula 2022, no que foi seguido pelo tuíte da candidata do PT ao Governo do Rio de Janeiro em 2018, Marcia Tiburi, que cravou: “Lula vai ser eleito presidente em 2022. Aposto.”

São caricaturas que contrastam com o amadurecimento do Psol que, pelas vozes de Edmilson, Freixo e Boulos, pregou em conjunto a necessidade de unidade do campo da esquerda em 2022, algo surpreendente em um partido de trajetória marcada pelo sectarismo.

Do outro lado do muro e em clima de vitória, lideranças políticas da centro-direita adotaram tom mais fraternal. Eles sabem melhor do que ninguém que, a despeito da gigantesca vitória eleitoral do PSDB e da centro-direita nas eleições municipais de 2016, Geraldo Alckmin, com todo apoio das máquinas, da grande imprensa e do “centrão”, não ultrapassou a barreira dos 5% dos votos.

Talvez por isso o neto de ACM ainda esteja acenando para todos os lados, de Ciro Gomes a Bolsonaro, passando por João Dória e Luciano Huck, sem deixar de lembrar, é claro, que o DEM não tem compromisso assumido com ninguém. A postura é parecida com a de Rodrigo Maia que, porém, excluiu Bolsonaro da lista e afirmou a urgência de uma inusitada reunião entre Huck, Dória e Ciro.

O ex-governador do Ceará acredita ser capaz de construir aliança com DEM e PSDB ainda no primeiro turno e, desiludido com as antigas promessas de apoio de Lula, fez um alerta a Flávio Dino de que o PT não irá apoiar qualquer candidato que não seja do próprio PT. Esta coluna tem razões suficientes para acreditar que tanto Dino como Ciro vão ficar chupando dedo enquanto esperam, respectivamente, por Lula e por Rodrigo Maia.

O ainda presidente da Câmara e o ainda prefeito de Salvador estão na crista da onda, mas voto mesmo que é bom, como Geraldo, eles não têm e devem acabar abraçados com Dória ou Huck. Vacinado e entusiasta de um apresentador de televisão que começou a carreira impulsionado pela bunda da Tiazinha, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lembrou que Dória precisa sair de São Paulo para almejar ser presidente.

O governador de São Paulo, que amarga expressivos índices de rejeição em São Paulo e se escondeu durante o processo eleitoral, fala pouco sobre a repercussão das eleições e trabalha pela vacina. É a carta da manga de João Dória para rivalizar com Jair Messias.

Se virou arqui-inimigo do bolsonarismo, Dória não conta com a simpatia da esquerda. Seu sucessor, Bruno Covas, reeleito prefeito de São Paulo, acena constantemente às raízes sociais-democratas do PSDB de Mário Covas e fez um discurso da vitória em defesa da vida, da ciência, da diversidade, contra o negacionismo e o ódio.

Parecem sinais dos tempos, já que Paulo Hartung, um dos principais articuladores da campanha de Huck, define o presidenciável (e a si próprio) como um homem de centro-esquerda. Algo similar fez o prefeito eleito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que disse ser um homem mais à esquerda dentro do DEM e vai compondo um secretariado incorporando temáticas que hegemonizam o universo ideológico contemporâneo, que já foi qualificado como uma espécie de laboratório do governo Luciano Huck, e que se parece muito, guardadas as devidas proporções, à formação do gabinete de Joe Biden (de partido homófono) nos EUA.

Se os ventos parecem começar a mudar de direção, pesquisa realizada por instituto de baixa credibilidade sediado no Paraná, mas confirmada por pesquisa recente da XP/Ipespe, lembra a todos que Bolsonaro ainda lidera as intenções de votos de primeiro e segundo turno para 2022, assim como manteve seu patamar de aprovação segundo o último Datafolha.

Espanta um presidente da República preferir lançar uma exposição com as roupas da primeira-dama em vez de comprar seringas e vacinas e ainda assim ter a preferência do eleitorado nacional. Vale lembrar que Bolsonaro entrou nestas eleições sem partido político, sem número e sem o dinheiro do fundo eleitoral, mas investe pesado na sua articulação com o centrão pela presidência da Câmara dos Deputados.

A postura do PSD, de Gilberto Kassab, parece sintomática desse momento. Tendo performado bem nas eleições municipais, com destaque para a expressiva vitória na capital do eterno estado-chave de Minas Gerais, o PSD fica em cima do muro, falando por ora em ter candidato próprio para a presidência da República e com emissários flertando para todos os lados (vide a entrevista de Alexandre Kalil no Roda Viva em 30/11), farejando desde já um cenário impressionantemente aberto para 2022.

 

Eduardo Beniacar é cientista político.

Leia mais:

Quem está ameaçando quem, afinal de contas?

Pedidos ao Papai Noel

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui