Sistemas da servidão: banca reconquista o poder

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City de Londres (foto Wikipedia CC2)
City de Londres (foto Wikipedia CC2)

O grande derrotado nas duas Grandes Guerras do século XX foi o financismo inglês. Este havia sufocado o mercantilismo e a industrialização, mas caíra diante da ex-colônia que construiu sua sociedade em base industrial, os Estados Unidos da América (EUA).

Vimos que o poder do lucro e dos salários, por cerca dos “30 anos gloriosos” – designação de economistas franceses para o período de desenvolvimento após 1945 – mudou objetivos políticos em quase todo mundo. As sociedades se dividiram na industrialização capitalista, modelo estadunidense, e na industrialização socialista, modelo soviético.

A banca, como designamos o financismo no século XX, começa sua luta se associando, financiando e se apropriando de bandeiras então dispersas contra poluição e movimentos ecológicos e conservacionistas. Seus recursos fazem da realeza inglesa um importante vetor da luta contra a industrialização, apagando a devastação que causara na Europa e, em especial, nas terras e povos britânicos.

Também, como fizera no período da expansão colonial do século XIX, a banca promove conflitos localizados, por questões étnicas, religiosas, mas tendo por fundo a economia. Concentra esta ação no Oriente Médio e na África, onde está o petróleo, principal insumo e a energia da segunda revolução industrial.

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Mas, com sua ação solerte, não enfrenta abertamente a industrialização, simula combater o comunismo e traz as economias capitalistas para seu lado.

O que será denominada “crise do petróleo” é uma jogada inteligente que ataca não só o produto, também os Estados produtores, revertendo os ganhos industriais em ganhos financeiros, patrimoniais e em instituições e imóveis na Inglaterra.

E tem início no final dos anos 1960, incentivando a rivalidade de árabes, palestinos e judeus. Toda década 1970 será gerida pelas consequências das crises do petróleo, que tem o preço multiplicado até o limite de sua aplicabilidade, e, em seguida, caem ao tempo que disparam as taxas de juros.

Estava montada a situação econômica e financeira para a grande reversão do poder, em pouco mais de meio século.

Nos anos 1980, tendo conseguido os governos de dois dos mais importantes países capitalistas, EUA e Reino Unido, o capital financeiro, a banca, promove mudança radical na condição formal das finanças, com as desregulações. Vamos esmiuçar este passo importantíssimo das finanças.

O objetivo explícito das direções de Estados é o bem estar do povo. Isto, no sistema industrial, fazia privilegiar ou a proteção direta do Estado, que assumia a produção e a distribuição, o sistema socialista, ou a prioridade para o lucro e o salário, o sistema capitalista.

Assim, no capitalismo de bem estar do pós-II Guerra Mundial, as finanças gozavam de posição secundária, propiciando a ampliação da produção – aumento do lucro e do trabalho – e ampliando a propriedade das famílias, gerando demandas ao universo produtivo. Um capitalismo voltado ao ciclo produção-consumo, em que a melhoria do poder aquisitivo dos trabalhadores era condição para o aumento da produtividade e vice-versa.

O que faz a banca? Reverte esta lógica, colocando a proteção do “mercado”, agora entendido como restrito ao financeiro, como objetivo de Estado.

O domínio da banca a partir dos anos 70-80 reverteu a lógica do emprego, do empreendimento, dos riscos dos negócios para a concentração da renda financeira. E, simultaneamente, muda também a ética das ações, pois não há justificativa, nem nas filosofias, nem nas religiões, para que as pessoas sejam escravizadas pelo dinheiro.

O domínio da banca é também do uso da corrupção como instrumento de ação corrente, de legítimo modo de se obter ganho. O ganho capitalista, antes inserido em relações materiais, torna-se crescentemente especulativo, dando azo a todo tipo de negociata no qual os perdedores são a grande maioria da sociedade.

São momentos chaves da trajetória da banca, a partir do fim da II Grande Guerra: as campanhas ecológicas, as crises do petróleo, as desregulações e o fim dos estados socialistas e dos direitos trabalhistas.

Tratemos da última década do século 20, onde os dois últimos momentos, antes enunciados, são os mais importantes.

O fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e a entrega da mais importante das Repúblicas a um político fraco, Boris Iéltsin (1931–2007), cercado de abutres dispostos a destruir o Estado industrial, pareceu suficiente à banca. Também com a intromissão no poder da República Popular da China, levando à ascensão de Deng Xiao Ping (1904–1997), após a morte de Mao Tse Tung, em 1976, e introduzindo zonas de produção capitalistas – Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) na faixa litorânea leste do país.

Realmente, ao fim do século 20, parecia que o financismo do início do século, dirigido pelos capitais ingleses, retomava o poder, agora ampliado com capitais estadunidenses e a proteção militar da maior potência do planeta. Era o fim da história, como trombeteou o economista Francis Fukuyama.

Mas havia mais do que esta ótica ocidental e formal. Uma grande quantidade de capital ilícito de grande liquidez se acumulara, principalmente com a proliferação de paraísos fiscais.

Se, no século 19 e no império colonial inglês, o Sol nunca se punha, no império da banca, desde a última década do século 20, um capital constituído pela astúcia inglesa, em ilhas espalhadas pelo mundo, também teria sempre a luz do Sol. São os paraísos fiscais que, em ilhas da comunidade britânica ou de algum modo ligadas ao Reino Unido, recolhem e distribuem capitais anônimos, interferindo na economia de países, promovendo mudanças de governo, alterando as sociedades que lhes abrem as portas.

No sentido do Canal da Mancha para oeste temos, entre outras, as seguintes ilhas: Man, Guernsey, Jersey, Cayman, Virgens Britânicas, São Vicente e Granadina, Turcas e Caicos (Caraíbas), Ilha Niue (Pacífico), Cook, Maurício, Seychelles (costa oriental africana) e a península de Gibraltar, fechando o círculo.

Paraísos fiscais, ecológicos por definição – não a ecologia necessária à reprodução da vida humana mas a ecologia ornamental ao mau e velho malthusianismo da plutocracia britânica – expressam, assim, a face desapiedada do capitalismo financeiro: o reino do dinheiro pelo dinheiro, sem a “contaminação” da vida humana, das massas populacionais, da produção, do emprego, do consumo e do lazer. Dinheiro, apenas dinheiro.

 

Felipe Quintas é doutorando em ciência política na Universidade Federal Fluminense.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

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