Soberania e dependência: a ação penal 2668 e o STF

Ação Penal 2668 no STF e os desafios da soberania brasileira diante da dependência política, econômica e tecnológica

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Pixuleco de Bolsonaro em Brasília (foto de Lucio Tavora, Xinhua)
Pixuleco de Bolsonaro em Brasília (foto de Lucio Tavora, Xinhua)

“O Deus que dotara o Brasil com a neve do sul e o calor abrasador do norte, com a lua serena e meiga do estio e as noites nubladas do inverno, com o terreno fértil dos campos e as jazidas inesgotáveis das minas, com a variedade infinita das plantas e dos animais, não podia negar a seus filhos capacidade para todos os cometimentos; mal qual de nós não se tem embasbacado diante do mais insignificante produto de arte, para bradar, cheio de pasmo imbecil: isto é arte de inglês?!

Sim, meus senhores, o brasileiro não crê em si, nem no poder do trabalho, e daí vem que ele só se educa para a vida passiva do empregado.

“A política – que tudo enreda em sua teia de Penélope, tem suas forças caudinas, por onde é mister passarem, muitas vezes, as aspirações mais legítimas – ela é como medida única do talento e do mérito entre nós, e a ocupação mais digna dos homens de engenho; mas quem diz política, diz clientela, a clientela traz a afilhadagem, o patronato, e vós sabeis que o patronato ou proteção perverte a confiança, porque o indivíduo não a deposita no seu esforço individual, no mérito, mas nas boas graças dos outros” (Manoel Olympio Rodrigues da Costa, Conferência proferida em 1872 no Atheneu Pedagogico, no Rio de Janeiro).

Esta Conferência do professor Manoel Olympio conclui com a seguinte frase: “Só a educação baseada na ciência e inspirada na fé em toda sua esfera de ação, conservará o Brasil aos Brasileiros”. Pouco conhecido, o professor está relacionado no Diccionario Bibliografico Brazileiro, do médico e escritor baiano Augusto Victorino Alves Sacramento Blake (1827-1903). Também baiano, Manoel Olympio viveu até 1891, tendo deixado uma Grammatica portuguesa (1887) e as Noções de arithmetica e do systema métrico decimal (1877).


Educação é o pilar principal da soberania

Nos 25 primeiros anos do século 21, o Brasil conheceu um golpe de estado, de iniciativa do legislativo e do judiciário, e uma tentativa de iniciativa de parcelas do executivo e do legislativo com apoio militar. O historiador Carlos Fico publicou, em abril de 2025, seu trabalho Utopia Autoritária Brasileira que qualifica com a expressão do jornalista e intelectual brasileiro Francisco Iglésias: a “melancólica trajetória nacional” (1994). No entanto, com todas as vênias ao brilhante historiador, não devemos aos militares esta melancólica trajetória senão à falta da verdadeira independência do Brasil.

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Parece que nos agrada, como povo, sermos colônia, de um país, de um estamento político ou de uma economia, quase sempre estrangeiros, mas inevitavelmente com a decisiva e acolhedora participação nacional. O que vamos tratar neste artigo são manifestações do golpe que ronda permanentemente a sociedade brasileira e a exaure nas brigas, apoios, discussões, deixando a vida proveitosa e útil sem defensores ou lideranças políticas, salvo como a excepcionalidade que confirma nossa História.

O que é fundamental para um povo, para qualquer povo?

A resposta é antiga. Pode-se datá-la em torno de 500 anos antes da Era Cristã e a devemos a Confúcio que empresta à educação o valor fundamental da vida.

Em 27 de janeiro de 1991, Leonel Brizola lança mais um “Tijolaço”: “Proposta de cooperação do Governo do Rio de Janeiro ao Governo Federal”. A primeira proposta estava assim redigida: “1. Educação – (Prioridade absoluta do governo do Rio de Janeiro)” e segue a descrição. Não espanta que todo largo espectro político se unisse contra Brizola. A Educação é o fantasma que assombra a todos, à direita e à esquerda, pois é o único projeto com o qual se obtém a cidadania.

Eleito governador do Rio Grande do Sul, em 1958, Leonel Brizola executou o mais audacioso projeto educacional que o Brasil já registrou: construiu 6.302 escolas, dentre elas as 1.045 “brizoletas”, escolas de madeira espalhadas pela zona rural e periferia das cidades. Governador do Rio de Janeiro por duas vezes, 1982 e 1990, construiu 500 Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), verdadeira revolução no processo de educação básica.

O que tem sido a Instrução no Brasil?

Majoritariamente, conforme os religiosos que acompanharam Tomé de Sousa na implantação do Governo Geral, em Salvador, em 1549, e como estabelecia a Carta Régia de Dom João III, para “catequese dos indígenas”. A instrução por “escola pública, gratuita, laica e obrigatória” só seria propugnada no “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, em 1932.

Duas datas e políticos devem ser lembrados: 1890 e o militar Benjamin Constant Botelho de Magalhães nomeado o primeiro Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos no Governo Provisório da República do Brasil e 14 de novembro de 1930 e o Presidente do Governo Provisório da Revolução Nacionalista de 1930, Getúlio Dornelles Vargas. Após onze dias no cargo, Getúlio cria o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública.

O ensino público, gratuito, obrigatório e laico vem sendo destruído pelo “Teto de Gasto”, invenção neoliberal que obriga a prioridade dos recursos públicos brasileiros serem destinados para pagamento dos juros de uma dívida sem auditoria do sistema bancário atuando no Brasil.

Sem escola pública, gratuita, é impossível educar uma população que tem dos menores salários do mundo.

No entanto há outra vertente educacional: a comunicação de massa. Mas esta, no Brasil, tem a dependência tecnológica dos serviços digitais das Big Techs estadunidenses, como escrevem Lorenzo Carrasco e Geraldo Luís Lino, na publicação Solidariedade Ibero-americana, de agosto de 2025 (Nº 3, vol. 22), sob o título “Brasil: de que soberania estamos falando?”.

Em 14 de setembro de 2025, em artigo na publicação eletrônica Pátria Latina, denunciamos também esta invasão deformadora da cultura nacional, como segue:

“Infelizmente, em nossos dias, a participação de plataformas estrangeiras, de Mark Zuckerberg (Meta), Elon Musk (X), Jeff Bezos (Amazon), Larry Ellison (Oracle), Bill Gates (Microsoft), Larry Page e Sergey Brin (Alphabet), Jensen Huang (NVidia) e de Warren Buffet com sua Berkshire Hathaway dominam as comunicações eletrônicas e virtuais no Brasil”.

Carrasco e Lino denunciam a lei estadunidense “Clarifying Lawful Overseas Use of Data Act” (“Cloud Act”) que “permite o acesso de autoridades dos Estados Unidos da América (EUA) a dados públicos e privados brasileiros de posse das citadas plataformas, sem o consentimento e o conhecimento dos seus titulares”.


Crimes não arrolados na ação penal 2688 mas que implicam seus réus

O sábio neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, em entrevista ao programa “Tutaméia”, na TV Comunitária do Rio de Janeiro (TVCRIO), após a sentença da ação penal 2668, disse: “passei a vida esperando este momento”, ou seja, ver militares golpistas condenados pela nossa justiça. Estes crimes podem ser grupados em três categorias: (a) contra soberania nacional; (b) contra população brasileira; (c) contra direitos sociais.

Fiquemos nos dois primeiros, pois um governo subserviente ao capital financeiro e aos interesses dos EUA certamente prosseguiria na retirada de direitos trabalhistas, previdenciários e na revogação de dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ou seja, na continuidade das ações iniciadas por Fernando Collor de Mello e ampliadas por Fernando Henrique Cardoso para que as leis brasileiras seguissem o decálogo neoliberal do denominado “Consenso de Washington”, de novembro de 1989, produzido para o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Com respeito aos crimes contra a população brasileira, o STF abre inquérito, em 18/9/2025, contra Jair Bolsonaro, seus filhos e alguns aliados pelas condutas na pandemia de Covid-19.

Três leis foram assinadas por Bolsonaro a respeito da pandemia: Lei 13.979, de 6/2/2020, firmada com Sérgio Moro e Luiz Henrique Mandetta; Lei 14.023, de 8 de julho de 2020, firmada com André Luiz de Almeida Mendonça, Eduardo Pazuello e Damares Regina Alves e Lei 14.035, de 11 de agosto de 2020, firmada com Paulo Guedes, Eduardo Pazuello, Wagner de Campos Rosário, Walter Souza Braga Netto e José Levi Mello do Amaral Junior.

Além destas leis, Jair Bolsonaro encaminhou à Câmara dos Deputados a Mensagem 93, em 18 de março de 2020, pedindo o reconhecimento do Congresso do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, dispensando a União do atingimento dos resultados fiscais e da limitação de empenhos, nos termos da legislação em vigor.

Está por conseguinte comprovado o conhecimento da pandemia e de suas consequências pelo presidente e seus auxiliares. A falta de recursos e de ações ao tempo devido fica por conta da displicência ou de outros interesses de Bolsonaro e seus aliados. E disto tratará o Supremo Tribunal Federal, a partir da autorização do ministro Flávio Dino para que a Polícia Federal abra inquérito para investigar as conclusões do Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a pandemia do Covid-19.

Por último, mas não de menor importância, e ainda não constituindo um processo criminal tem a submissão do Brasil aos interesses dos EUA conforme o Decreto 10.220, de 5 de fevereiro de 2020, que trata do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América sobre Salvaguardas Tecnológicas Relacionadas à Participação dos Estados Unidos da América em Lançamentos a partir do Centro Espacial de Alcântara, que incluam ou transportem qualquer equipamento que tenha sido autorizado para exportação pelo Governo dos Estados Unidos da América, firmado em Washington, D.C., em 18 de março de 2019.

Este Acordo levou pelo lado brasileiro as assinaturas do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Henrique Araújo, do ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação, tenente-coronel Marcos Pontes, e do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo. Pelo lado estadunidense apenas a assinatura do secretário assistente do Escritório de Segurança Internacional e Não Proliferação do Departamento de Estado, Christopher A. Ford.

Muitas outras medidas, principalmente na alienação do patrimônio nacional para organizações, estatais e particulares, estrangeiras, foram praticadas por Jair Messias Bolsonaro. Esta sua criminalidade num país acostumado à subserviência não constituiria crime? Quando a Câmara dos Deputados, dando a conhecer o perfil criminoso da maioria de seus membros, aprova a “PEC da Blindagem”, também conhecida como “PEC da Bandidagem”, na quarta-feira, dia 17 de setembro de 2025.


Comentários às decisões da primeira turma do STF na ação penal 2688

“Os pobres não têm lobby. Ninguém pede por eles, e pouca gente procura melhorar a vida daqueles que vivem à margem da sociedade” Leonel Brizola (in Juliana Brizola e Rejane Guerra, Meu Avô Leonel, 2016).

Presidida pelo ministro Cristiano Zanin, tendo por relator o ministro Alexandre de Moraes, e, pela ordem de antiguidade, composta pelos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, e, a decana da Turma, ministra Cármen Lúcia, todos os réus foram condenados, dois pelos cinco votos: Mauro Cid e Braga Netto, e os demais por quatro votos: Jair Bolsonaro, Walter Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno, Almir Garnier Santos, Alexandre Ramagem e Anderson Torres.

É relevante registrar que o decano do STF, ministro Gilmar Mendes, da 2ª Turma, e o atual mresidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, compareceram no dia da sentença, que também votou sobre o tempo de cumprimento das penas (dosimetria), na manifesta intenção de prestigiar o que a 1ª Turma estava decidindo.

Considerado um marco na ação jurídico-processual no Brasil, o julgamento da ação penas 2668 demonstrou que, havendo juízes que honrem a toga e não compromissos outros assumidos com os poderes eventualmente atuantes, podemos ter certeza que os que cometem crimes contra a soberania brasileira, mais dia, menos dias defrontar-se-ão com a justiça.

Os crimes contra a soberania, como comete neste momento Eduardo Bolsonaro pedindo a atuação de governo estrangeiro para salvar seu pai da pena imposta pela justiça, percorrido todos os trâmites do processo legal, sem as falácias da Lava Jato, como denunciam Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay), Salvio Kotter, Luciana Bauer, Wilson Ramos Filho (Xixo) e Henrique Pizzolato (“O Orçamento Secreto de $. Moro”, 2025), são dos mais vis, pois impedem que sejamos um país de cidadãos e em vez de um país de escravos, como ficou evidenciada a trajetória no governo da família Bolsonaro.

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