A Câmara dos Deputados aprovou o texto-base da reforma tributária (PLP 108/2024), que inclui a cobrança do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) sobre planos de previdência privada. De acordo com a proposta, será concedida uma isenção apenas aos investidores do VGBL que mantiverem o plano por mais de cinco anos. Ou seja, se o aporte for realizado mais de cinco anos antes do falecimento do titular, não haverá cobrança do imposto, em razão do caráter previdenciário e securitário do VGBL.
“Por outro lado, para o PGBL, a cobrança do ITCMD será aplicável independentemente do período de aplicação, com o objetivo de evitar a evasão fiscal por meio de planejamentos sucessórios. Embora a proposta tenha sido aprovada pela Câmara dos Deputados, ainda precisa ser aprovada pelo Senado Federal”, explica Vitória Dequech, advogada tributarista no Ballstaedt Gasparino Advogados.
Além disso, está agendado para a última semana de agosto o julgamento do Tema 1.214 pelo STF, que possui repercussão geral e avaliará a constitucionalidade da cobrança do ITCMD sobre os valores recebidos pelos beneficiários dos planos de previdência VGBL e PGBL. “A decisão do STF pode influenciar a trazer novas vertentes ao tema. A jurisprudência mais recente dos tribunais tem afastado a cobrança do ITCMD para os VGBL, uma vez que com sua natureza securitária, estaria dispensado do inventário de acordo com o artigo 794 do Código Civil”, comenta Vitória.
O advogado Cláudio Batista, sócio do escritório Domingues Advogados, explica que a principal questão que vem sendo objeto de divergência entre contribuintes e fazenda pública, diz respeito a percepção dos valores e direitos relativos aos planos, em razão da morte do titular, se consistiria em uma verdadeira “transmissão causa mortis”, para efeito de incidência do ITCMD.
“Tendo em vista que o STF pouco se manifestou sobre o tema ao longo dos anos, e ainda, que houve a aprovação do texto base do PLP 108 prevendo a tributação dos planos PGBL e planos VGBL com vigência de até cinco anos, são altas as chances de a Corte manter o entendimento jurisprudencial atual no julgamento do Tema 1214 ao final do mês”, diz Cláudio Batista, sócio do escritório Domingues Advogados.
Recurso contra imposto sobre previdência privada cobrado no Rio
Caroline Pomjé, advogada da área direito de família e sucessões do escritório Silveiro Advogados, explica que o Tema 1214, que teve sua repercussão geral reconhecida pelo STF em maio de 2022, é de relatoria do ministro Dias Toffoli e decorre da interposição de três recursos extraordinários contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Os recursos foram interpostos pelo Estado do Rio de Janeiro; pela Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados, de Capitalização e de Previdência Complementar Aberta (Fenaseg); e pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
“O entendimento do TJRJ foi no sentido da parcial procedência de ação direta de inconstitucionalidade para declarar inconstitucional a expressão ‘Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL)’ inserida nos arts. 23, 24, III e 42, da Lei 7.174, de 28 de dezembro de 2015, do Estado do Rio de Janeiro, com o consequente reconhecimento da impossibilidade de cobrança do imposto sobre os pagamentos realizados aos beneficiários em decorrência do falecimento do titular do plano VGBL. O tribunal estadual reconheceu, por outro lado, a constitucionalidade da incidência do ITCMD sobre os valores transmitidos caso decorrentes de PGBL”, afirma Caroline.
De acordo com o julgamento do TJRJ, a diferenciação entre o tratamento concedido aos dois planos para fins de incidência ou não do imposto estaria na circunstância de que o PGBL “tem a natureza de aplicação financeira”, de modo que “no momento da morte de seu titular há fato gerador do ITCMD, pois haverá transmissão de direitos aos herdeiros ou beneficiários, não se verificando a inconstitucionalidade de sua incidência”. Por outro lado, o VGBL teria “natureza de seguro”, não estando incluído no acervo hereditário em decorrência do disposto no art. 794, do Código Civil.
VGBL teria caráter de seguro de vida
“O Estado do Rio de Janeiro, em seu recurso extraordinário, pretende o reconhecimento da legitimidade de incidência do ITCMD também sobre a transmissão dos valores decorrentes do VGBL aos beneficiários indicados pelo titular falecido ou, ao menos, que o Supremo exclua da incidência do imposto ‘apenas eventual indenização de seguro de vida porventura contratado em conjunto com o VGBL’”, diz Caroline.
“A Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados, de Capitalização e de Previdência Complementar Aberta (Fenaseg), por sua vez, pretende o reconhecimento da inconstitucionalidade da incidência do imposto também sobre o PGBL. A possibilidade de ampliação da arrecadação pelos estados (considerando que o ITCMD corresponde a um imposto de competência estadual), bem como o desejo de manter a atratividade dos planos de previdência quanto à não incidência do ITCMD, assim, são evidenciados”, complementa a advogada.
Ela ressalta que, de acordo com a descrição do Tema submetido à apreciação do STF, o Tribunal julgará a constitucionalidade da incidência do ITCMD sobre a percepção de valores e direitos relativos ao PGBL e ao VGBL pelos beneficiários em decorrência do falecimento do titular dos planos. “A expectativa é de que haja manifestação do Supremo sobre a situação dos dois tipos de planos, ainda que possa ser reconhecida a constitucionalidade da incidência do tributo sobre a transmissão dos valores e direitos vinculados a um deles e não em relação ao outro (como ocorreu no âmbito do próprio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro)”, diz.
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Para Carolina, a utilização dos planos de previdência como estratégia de planejamento patrimonial e sucessório pelas famílias brasileiras também será impactada pelo julgamento do Tema 1214, pelo STF. Caso seja declarada constitucional a incidência do ITCMD sobre a transmissão dos valores aos beneficiários em decorrência do falecimento do seu titular, a verificação sobre as vantagens de realização de aportes em tais planos de previdência deverá ser objeto de pormenorizada análise, considerando a posterior incidência do tributo.
“Além disso, é possível que o julgamento a ser realizado pelo Supremo apresente sinalizações quanto à necessidade ou não de que os valores provenientes dos planos de previdência sejam inventariados, bem como acerca da sua consideração para fins de divisão do patrimônio entre os herdeiros, considerando a legítima, meação e limites existentes para disposição dos bens pelo autor da herança. Assim, impactos significativos sobre o planejamento sucessório são projetados, evidenciando a necessidade de que os titulares de tais planos analisem em conjunto com profissionais especializados no tema as possíveis repercussões, com foco em cada família”, afirma.
Texto do Congresso sobre PGBL e VGBL pode ser alterado
Paralelamente, ocorre a tramitação da nova regulamentação do Projeto de Lei Complementar 108/24, que prevê que os Estados possam tributar os recursos depositados em planos de previdência privada transmitidos por herança, está gerando grande insatisfação entre contribuintes e investidores. Isso porque esses planos são frequentemente escolhidos como uma estratégia de planejamento sucessório e a nova regulamentação pode alterar essa prática, exigindo uma reavaliação das estratégias para minimizar os impactos tributários.
“Tanto a proposta de reforma tributária quanto o julgamento iminente do STF têm o potencial de redefinir a tributação sobre planos de previdência privada no Brasil, afetando diretamente o planejamento sucessório e a gestão patrimonial dos investidores”, afirma Vitória.
De acordo com ela, dependendo do resultado, a decisão do Supremo poderá abrir espaço para a atuação do Poder Judiciário em futuros casos relacionados ao tema. Se o STF decidir que a cobrança é constitucional, a aplicação das novas regras propostas pela reforma poderá ser questionada, levando à possível propagação de ações judiciais sobre a interpretação e a incidência do ITCMD na previdência privada.
“Por outro lado, se a decisão for pela inconstitucionalidade, isso poderá gerar um novo cenário jurídico, exigindo ajustes legislativos e possivelmente inspirando ações judiciais relacionadas a questões semelhantes, ampliando o debate sobre a tributação dos planos de previdência”, finaliza Vitória.
Por Gilmara Santos, especial para o Monitor