STF, guardião da Constituição e da democracia

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Ao tomar posse na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, no início desta semana, o ministro Luís Roberto Barroso, também integrante do Supremo Tribunal Federal, disse, em seu discurso, que o país enfrenta episódios que demonstram tropeços em relação à liberdade de expressão, mesmo após as garantias previstas pela Constituição de 1988.

Em seu elegante pronunciamento, e presenciado por videoconferência pelo presidente Bolsonaro e pelos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e pelo do Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, e outras autoridades, o ministro Barroso, dentre outros tópicos abordados, com serenidade e delicadeza, mas na temperatura certa é necessária, disse que “a liberdade de expressão deve ser tratada como liberdade preferencial em uma democracia. A democracia pressupõe a livre circulação de dados, opiniões e ideias”, acrescentando que ela também é pressuposto para outras liberdades, como o exercício dos direitos.

Barroso também demonstrou preocupação com o que chamou de populismos autoritários. “Quando só existiam biografias chapas-brancas autorizadas, se comprometia a capacidade de compreensão. O mundo vive hoje um surto de democracias liberais por um conservadorismo intolerante, populismo e um totalitarismo. Os populismos autoritários tendem a ter grande animosidade em relação às instituições intermediárias. Eles gostam de ter comunicação direta por redes sociais, evitando, por exemplo, a imprensa.”

Sempre com um lucidez ímpar, e preciso na escolha das palavras e linha de raciocínio, Barroso falou também que pode não haver censura expressa, mas uma tentativa indireta de compreender a liberdade de expressão. “Em uma democracia, deve haver confrontos de ideias, de argumentos, e disputar, num espaço público, sua prevalência, de modo que quem recorre à violência não tem razão.”

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Sem citar nomes, mantendo o tom sereno, como, aliás, é peculiar ao ministro, ele alfinetou o ministro da Educação, que, na assombrosa reunião ministerial de 22 de abril, chamou os integrantes do STF de vagabundos e defendeu a prisão dos 11 que integram a Corte. “Mais grave do que o ataque ao Supremo é o país que não tem projeto adequado para a educação.”

Ainda em seu discurso, uma peça histórica, Barroso falou que “só quem não soube a sombra não reconhece a luz que é viver em um Estado constitucional de direito, com todas as suas circunstâncias. Nós já percorremos e derrotamos os ciclos do atraso. Hoje, vivemos sob o reinado da Constituição, cujo intérprete final é o STF. Como qualquer instituição em uma democracia, o Supremo está sujeito à crítica pública e deve estar aberto ao sentimento da sociedade. Cabe lembrar, porém, que o ataque destrutivo às instituições, a pretexto de salvá-las, depurá-las ou expurgá-las, já nos trouxe duas longas ditaduras na República.”

Para o ministro, a falta de educação produz vidas menos iluminadas, trabalhadores menos produtivos e um número limitado de pessoas capazes de pensar criativamente um país melhor e maior. “A educação mais do que tudo, não pode ser capturada pela mediocridade, pela grosseria e por visões pré-iluministas do mundo. Precisamos armar o povo com educação, cultura e ciência.”

O ministro afirmou, outrossim, que a internet, ao mesmo tempo em que teve capacidade de democratizar o acesso à informação, se degenerou para se transformar em um veículo de desinformação, com campanhas de desinformação e de ódio. “Essa questão é um dos temas cruciais. As mídias sociais têm de ser parcerias da Justiça Eleitoral e impedir a disseminação dessas milícias digitais.” Ainda de acordo com o Barroso, nas mídias sociais, prevalece o ódio onde deveria prevalecer a disputa pelo melhor argumento.

O novo presidente do TSE, que substitui a ministra Rosa Weber e tem como vice o ministro Luiz Edson Facchin, ambos do STF, afirmou, na última terça, dia 26, que deve pautar, em breve, a cassação da chapa do presidente Bolsonaro e do vice-presidente Hamilton Mourão. Segundo ele, o prazo máximo é de três semanas para que o tema seja alvo de julgamento na Corte.

De acordo com Barroso, sua gestão deve seguir a regra geral de acompanhar a ordem cronológica dos pedidos de liberação pelos relatores das ações. Devem ser analisadas inicialmente duas ações judiciais que pedem a cassação de Bolsonaro e Mourão: a primeira movida por Marina Silva (Rede) e a segunda por Guilherme Boulos (Psol). O julgamento das representações começou em novembro de 2019.

O discurso de Barroso foi uma verdadeira aula de Direito Constitucional, no mesmo nível que ele costuma ministrar na Uerj, onde é professor e queridíssimo por seus alunos. Obviamente, o teor do discurso Barroso deve ter constrangido a alguns “presentes” em sua posse, mas Barroso não poderia ter sido mais feliz em suas palavras e construção do seu brilhante pronunciamento. Uma verdadeira Aula Magna.

E assim como Barroso, todos os outros dez ministros do STF durante toda esta semana saíram em defesa do Brasil, da democracia e em uma defesa inabalável pelo que prega e dita a Constituição Cidadã do saudoso Ulysses Guimarães. A nota lida ontem pelo vice-presidente do STF, Luiz Fux, e escrita a quatro mãos com o presidente da Corte, Dias Toffoli, deixa clara a união de todos os membros do STF, nesse momento em que o presidente da República quer rasgar a Carta Magna do Brasil, com seus arroubos e comportamento insano e tresloucado.

Paulo Alonso

Jornalista.

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