A decisão do STF sobre a responsabilização das plataformas digitais representa uma mudança significativa, e controversa, na forma como o Brasil trata conteúdos ilícitos nas redes sociais. Até então, a regra era clara: as plataformas só poderiam ser responsabilizadas se desrespeitassem uma ordem judicial para remover determinado conteúdo. Isso preservava, ao menos em tese, a liberdade de expressão, já que o conteúdo permanecia no ar até que o Judiciário se manifestasse sobre sua legalidade.
Com o novo entendimento do STF, essa lógica se inverte parcialmente. A Corte criou três categorias distintas. No primeiro caso, que trata de crimes contra a honra, como calúnia e difamação, a regra antiga continua valendo e é necessária uma decisão judicial para remoção. No entanto, nos outros dois casos, o cenário muda de forma substancial. Para crimes considerados graves, como racismo, pornografia infantil, pedofilia e incitação a golpes de Estado, as plataformas passam a ter o dever de agir proativamente: devem monitorar e remover esse tipo de conteúdo assim que publicado, e podem ser responsabilizadas se não o fizerem por conta de uma ‘falha sistêmica’, ou seja, por não adotarem mecanismos adequados de prevenção e resposta. Além de determinados elementos abrangidos por esses crimes graves, não há clareza sobre o que caracteriza uma falha sistêmica.
O terceiro modelo, talvez o mais problemático, diz respeito a outros tipos de conteúdo considerados ilícitos. Aqui, basta uma notificação extrajudicial de um usuário para que a plataforma se veja pressionada a remover o conteúdo, mesmo sem decisão judicial.
Por receio de responsabilização jurídica, as plataformas tendem a adotar uma política de remoção imediata. Em vez de preservar o debate público, corremos o risco de estabelecer um modelo em que conteúdos são excluídos por simples alegações, sem qualquer análise judicial prévia. Essa mudança pode afetar profundamente o uso das plataformas, limitando o acesso a informações e dificultando a livre circulação de ideias. O equilíbrio entre o combate a conteúdos ilícitos e a preservação da liberdade de expressão é delicado.
Fernando Bousso, sócio da área de Governança de Dados do b/luz