A decisão cautelar pelo ministro Alexandre de Moraes na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 96 devolve ao debate jurídico nacional um tema que sempre esteve na fronteira sensível entre o poder de tributar e a tutela das liberdades econômicas. Ao restabelecer, com efeitos retroativos, a vigência do Decreto 12499 de 2025, o relator confirmou que o chefe do Executivo pode ajustar as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras, conforme autorizado pelo artigo 153 §1º da Constituição, mas suspendeu a incidência pretendida sobre as operações de risco sacado, reconhecendo que tais transações não constituem operação de crédito tipificada em lei.
A moldura constitucional oferece duas chaves interpretativas que se tensionam quando a União decide majorar o IOF. A primeira reside no caráter instrumental e extrafiscal do imposto, que autoriza o Executivo a graduar alíquotas para direcionar o mercado de crédito, câmbio e seguros. A segunda chave é o princípio da legalidade estrita, expresso no artigo 150 I, segundo o qual é vedado exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça. O mérito do voto está em demonstrar que essas cláusulas convivem em regime de complementaridade: a majoração da alíquota cabe ao Executivo, mas a criação de um novo fato gerador, como a tentativa de equiparar a cessão de recebíveis sem coobrigação a operação de crédito, invade a reserva de lei e viola a segurança jurídica.
O Congresso Nacional, amparado no artigo 49 V, aprovou um PDL destinado a sustar o decreto presidencial, alegando excesso do poder regulamentar e desvio de finalidade. O ministro, entretanto, rechaçou esses argumentos, enfatizando que o incremento de arrecadação é consequência natural de qualquer elevação de alíquotas e não desnatura o caráter extrafiscal do IOF. A tese de que haveria desvio de finalidade não encontrou respaldo empírico nem doutrinário.
O ponto decisivo recaiu sobre o risco sacado. A Fazenda pretendia tributá-lo alegando analogia com o desconto de títulos. Moraes observou que, na ausência de coobrigação do cedente, o risco sacado configura cessão de direitos creditórios, fato gerador distinto e não contemplado pelo Decreto 6306 de 2007. Qualquer tentativa de tributação por decreto, sem prévia alteração legislativa, criaria tributo por via infralegal e afrontaria o artigo 150 I, ferindo de morte o princípio da legalidade.
No plano fiscal, a exclusão do risco sacado reduz a arrecadação esperada em aproximadamente 450 milhões de reais em 2025 e 3,5 bilhões de reais em 2026, sem comprometer a meta de resultado primário que se projeta com a elevação das demais alíquotas, estimada em 12 bilhões para 2025 e 31,2 bilhões para 2026. Mais relevante que o montante é a mensagem institucional: o Supremo não tolerará a criação de novos fatos geradores sem respaldo do Poder Legislativo, mesmo sob o argumento de justiça tributária.
A decisão fortalece o Estado de Direito ao harmonizar competência regulatória e reserva legal. De um lado, protege o contribuinte contra aventuras normativas do Executivo; de outro, confirma que o Congresso dispõe de instrumentos de freio, desde que respeitados os limites constitucionais. Em última análise, o voto de Alexandre de Moraes impõe disciplina técnica e prudência normativa, lembrando que extrafiscalidade não é licença para inovar em matéria tributária.
Leonardo Roesler é advogado tributarista e atua como Conselheiro Certificado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, exercendo funções nos conselhos de administração de pequenas e médias empresas. Mestre em Administração e Finanças pela Ohio University.
















