A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira, o texto-base do Projeto de Lei 8.889/17, que prevê a cobrança de tributo para o serviço de streaming. Os deputados aprovaram o texto apresentado pelo relator, deputado Doutor Luizinho (PP-RJ). Os destaques, que podem mudar o texto, serão analisados nesta quarta-feira.
O texto-base prevê que as plataformas de streaming terão de pagar a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). Terão de pagar o tributo os chamados serviços de vídeo sob demanda (VoD, na sigla em inglês), como Netflix; televisão por apps, como Claro TV+; e compartilhamento de conteúdo audiovisual, a exemplo do Youtube.
O tributo irá variar de 0,1% a 4% conforme a receita bruta anual, excluídos os tributos indiretos incidentes e incluídas receitas com publicidade. Ficarão isentas aquelas com receita de até R$ 4,8 milhões, que é o teto para empresa de pequeno porte no Simples Nacional.
Os serviços de VoD pagarão de 0,5% a 4%, com parcelas dedutíveis fixas de R$ 24 mil a R$ 7,14 milhões em cinco faixas. Já o serviço de compartilhamento pagará alíquotas de 0,1% a 0,8%, com parcelas dedutíveis de R$ 4,8 mil a R$ 1,4 milhão.
Pelo relatório, a contribuição poderá ser reduzida em 75% se mais da metade do total de conteúdos audiovisuais ofertados pela plataforma forem nacionais.
Segundo o relator, as plataformas podem ter até 700 obras nacionais em catálogo, como forma do cumprimento mínimo da cota de 10% de conteúdo brasileiro.
Protestos
Cineastas, roteiristas, produtores e técnicos do audiovisual protestaram nesta segunda-feira em diversas capitais em defesa do cinema brasileiro independente. Os atos, batizados de “Pega a Visão: Ato pelo VoD”, são contra o Projeto de Lei 8.889/2017, que propõe a regulação das plataformas de streaming no Brasil.
As manifestações ocorreram simultaneamente em frente à sede da Ancine, no Rio de Janeiro, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, e no Cine Walter da Silveira, em Salvador.
De acordo com o movimento, o relatório do deputado federal, Dr. Luizinho (PP-RJ), sobre o projeto “representa um risco histórico de desmonte da indústria audiovisual nacional”, por contrariar o parecer técnico da Ancine e os consensos construídos com a sociedade civil, e favorecer grandes empresas estrangeiras do setor.
O relator propõe Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) máxima de 4% para o streaming e 70% do valor pode ser usado pelas próprias plataformas em projetos próprios. O texto prevê ainda cota mínima de 10% de obras nacionais nos catálogos.
A cineasta Lúcia Murat, integrante do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Cineastas (Abraci), classificou o projeto como uma distorção das demandas históricas da categoria. “Isso transforma a regulação numa espécie de ‘Lei Rouanet para os streamings’. É uma loucura — dinheiro público para companhias estrangeiras. Não pode passar”, disse, acrescentando ser uma ameaça diretamente a autonomia criativa e a sobrevivência das produtoras independentes.
A produtora Clarissa Guarilha, responsável pelo premiado filme Levante, destacou o impacto do projeto sobre a cadeia produtiva.
Pesquisador do setor audiovisual, Pedro Butcher ressaltou que o texto atual não contempla as necessidades do mercado brasileiro. “As plataformas ainda não contribuem para o desenvolvimento do setor, como todo o restante da cadeia faz. A falta de estabilidade e de financiamento ameaça o que conquistamos até aqui e pode levar a um grande retrocesso.”
Armadilhas
Nesta segunda-feira, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, o ato reuniu dezenas de profissionais. A cineasta Tatiana Lohmann, vice-presidente da Associação Paulista de Cineastas (Apaci), destacou que o texto “vem cheio de armadilhas e dubiedades”:
“As plataformas operam no Brasil sem transparência sobre lucros e remessas de receita. Esse PL precisa ser barrado para que possamos propor uma regulação justa”, afirmou, citando que o Brasil é o segundo segundo maior mercado da Netflix no mundo, mas que é preciso regras claras para investimento dessas plataformas.
A cineasta Laís Bodanzky reforçou a importância de garantir 20% de obras nacionais nos catálogos das plataformas. “Elas [plataformas] podem produzir o que quiserem com dinheiro privado, mas não têm o direito de decidir o que o Brasil tem a dizer através do audiovisual”.
Representando a Associação Brasileira de Autores Roteiristas (Abra), Paulo Marcelo destacou que a regulação do streaming é essencial para manter o ecossistema do setor equilibrado. “O importante é garantir que a Condecine abasteça o FSA [Fundo Setorial do Audiovisual] e que a cota seja de produção brasileira independente, com os direitos patrimoniais nas mãos de empresas nacionais”
A Carta-Manifesto do movimento — assinada por nomes como Anna Muylaert, Gabriel Mascaro, Laís Bodanzky, Jorge Furtado, Marieta Severo, Matheus Nachtergaele, Daniela Thomas e Joel Zito Araújo — diz que o projeto fragiliza o financiamento público, reduz a alíquota da Condecine e “coloca o futuro da produção audiovisual à mercê de empresas estrangeiras, esvaziando o papel da Ancine e do Estado brasileiro”.
Segundo nota técnica da Ancine e do Ministério da Cultura (MinC), o relatório pode provocar uma redução drástica nos recursos do FSA e abrir brechas para autodeclaração de receitas, dificultando a fiscalização. Além disso, permitiria que empresas estrangeiras criassem “produtoras nacionais” controladas no país, enfraquecendo a independência do setor.
As 12,5 mil produtoras independentes brasileiras pediram adiamento da votação e a retomada das premissas do texto anterior, relatado pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que previa cota mínima de 20% de obras nacionais, Condecine de ao menos 6% e destinação prioritária dos recursos ao FSA.
Com Agência Brasil
















