Sucessão e as soluções jurídicas para proteger o patrimônio e o negócio rural

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Seguro rural. Foto: divulgação
Seguro rural. Foto: divulgação

O agronegócio representa um dos pilares da economia brasileira, sendo responsável por significativa parcela do PIB nacional. Contudo, apesar da força econômica desse setor, a continuidade das atividades rurais enfrenta desafios relevantes quando submetida à sucessão hereditária. A ausência de um planejamento estruturado tem levado, de forma recorrente, à fragmentação das propriedades rurais entre herdeiros, com efeitos diretos sobre a escala de produção, a viabilidade das atividades e a própria preservação do patrimônio familiar.

A sucessão bem planejada é fator determinante para a perenidade e o crescimento do negócio rural. No entanto, a falta de organização, a resistência em tratar do tema em vida e a desconsideração de soluções jurídicas adequadas resultam, frequentemente, na pulverização das propriedades, tornando inviável a continuidade das atividades, reduzindo a capacidade produtiva e, por consequência, impactando negativamente a geração de renda dos membros da família.

O problema da fragmentação da propriedade rural ocorre com frequência quando a divisão da herança é realizada de forma direta entre os herdeiros, cada qual recebendo uma fração ideal ou um lote da terra. Com o tempo, essa fragmentação gera propriedades menores, muitas vezes incapazes de suportar a escala mínima de produção necessária para manter a viabilidade do negócio. Além disso, a administração conjunta dessas frações em condomínio entre herdeiros cria um ambiente de constante tensão e insegurança, em que as deliberações se tornam morosas e desorganizadas, prejudicando tanto a produção quanto a manutenção adequada da propriedade. Isso, invariavelmente, conduz à desvalorização patrimonial.

Outro ponto crítico é a falta de liquidez do patrimônio. O imóvel rural é um bem imobilizado e, diante do falecimento do titular, os herdeiros se deparam com elevados custos de transmissão, como impostos, honorários, despesas cartorárias e outros encargos. Sem disponibilidade financeira, muitas vezes a única alternativa é a venda da propriedade ou de parte dela, iniciando, assim, um ciclo de enfraquecimento da atividade.

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Há ainda o conflito, cada vez mais frequente, entre herdeiros produtores e não produtores. Os herdeiros diretamente envolvidos na atividade, que dedicam sua vida à gestão e à produção rural, possuem interesses totalmente distintos dos herdeiros que não têm qualquer vínculo com a terra ou vocação para o agronegócio, mas que, ainda assim, passam a deter frações da propriedade. Essa dicotomia gera conflitos de interesses, especialmente quando os não produtores pleiteiam a alienação da terra ou a antecipação de seus ganhos, desconsiderando a necessidade de reinvestimentos e da preservação do negócio. A situação se agrava quando envolve cônjuges sem experiência ou interesse na continuidade da atividade rural, o que aumenta ainda mais a insegurança e a desorganização patrimonial.

Nesse cenário desafiador, a holding rural surge como uma solução jurídica e patrimonial eficaz para evitar a fragmentação da propriedade e preservar a continuidade do negócio familiar. A constituição de uma holding permite que o patrimônio rural seja integralizado ao capital social de uma pessoa jurídica. Assim, em vez de receber frações da terra, os herdeiros passam a deter quotas ou ações da sociedade, resguardando a unidade física e econômica da propriedade.

Essa estrutura proporciona estabilidade, continuidade e eficiência na gestão do patrimônio, evitando a divisão física da terra e a consequente perda de escala produtiva. Como as terras permanecem de titularidade única da pessoa jurídica, evita-se a pulverização da propriedade, bem como a administração conjunta entre herdeiros em regime de condomínio.

Na holding, a administração da propriedade continua centralizada, seja por meio de um administrador profissional designado, seja por um dos herdeiros que demonstre habilidades e vocação para o negócio. Os demais herdeiros, mesmo não produtores, continuam a usufruir dos resultados econômicos da exploração rural, na qualidade de sócios ou acionistas, sem interferirem diretamente na gestão da produção. A holding possibilita, ainda, a implementação de governança estruturada, com regras claras de sucessão, administração, distribuição de resultados e alienação de quotas. Recomenda-se, inclusive, a preparação prévia do sucessor natural — aquele que conduzirá a gestão da holding após o afastamento ou falecimento do patriarca —, garantindo a continuidade da atividade de forma profissional e orientada à perenidade do patrimônio.

É essencial que a constituição de uma holding rural observe as particularidades desse segmento econômico. O contrato social ou estatuto deve contemplar as características próprias da gestão agrícola ou pecuária, como as regras de governança da produção, a finalidade dos ativos, as políticas de financiamento, a tomada de crédito rural e as garantias para empréstimos, bem como respeitar as questões culturais e familiares envolvidas.

Instrumentos complementares, como acordo de sócios, protocolos familiares e regras de sucessão bem definidas, são fundamentais para garantir a harmonia entre os interesses dos herdeiros produtores e não produtores, prevenindo litígios futuros e reforçando a governança patrimonial.

Diante dos inúmeros desafios da sucessão hereditária na atividade, o planejamento patrimonial e sucessório revela-se imprescindível para garantir a continuidade do agronegócio, preservar o patrimônio familiar e evitar a fragmentação da terra e da atividade produtiva.

A holding rural se apresenta como um instrumento moderno, eficiente e altamente recomendável para proteger o legado familiar, manter a propriedade rural indivisível e assegurar que as futuras gerações possam usufruir dos frutos da atividade, estejam ou não diretamente envolvidas na produção.

Portanto, o planejamento sucessório não deve ser visto apenas como uma questão jurídica ou tributária, mas como uma estratégia de gestão familiar e empresarial que visa preservar o patrimônio, garantir segurança jurídica, evitar litígios e manter a viabilidade e a continuidade do negócio rural ao longo das gerações.

Filippe Mattos Chagas é especialista em planejamento patrimonial e sucessório do escritório Briganti Advogados

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