Conversamos sobre a Taesa com Júlio Vieira, gestor e contribuidor do TC.
Qual a sua avaliação sobre o desempenho da Taesa?
Vale explicar primeiro o que a Taesa faz. Basicamente, ela é uma transmissora de energia, sendo que esse tipo de empresa funciona em ciclos, ou seja, a empresa ganha concessões, realiza os investimentos necessários para construir os projetos, e após a entrada em operação desses projetos, ela tem o RAP, a Receita Anual Permitida, que é fixa, ajustada pela inflação e respaldada por um contrato de longo prazo de 20, 25 anos, e que, dependendo do modelo, pode chegar a 30.
Historicamente, a Taesa opera muito bem esse setor. Por exemplo, nos últimos 10 anos, ela foi uma ótima pagadora de dividendos e reajustou os seus contratos através do IGP-M e do IPCA. Nesse período, ela teve um momento muito favorável em termos de projetos que entregaram um retorno muito alto em relação à inflação, o que capitaneou o seu status quo como uma boa pagadora de dividendos. Cabe ressaltar que a Taesa tinha uma obrigação estatutária de distribuir, no mínimo, 50% do lucro IFRS (International Financial Reporting Standards) ajustado.
Esses projetos, que foram implementados de 2000 até meados da década de 2010, fizeram da Taesa uma boa transmissora de energia frente aos seus pares listados na Bolsa que haviam na época, o que chamou a atenção dos investidores pessoa física. O ponto é que o mercado, depois desse ciclo positivo, começou a olhar com uma lupa maior os resultados da companhia. Por exemplo, no pós-pandemia, quando várias empresas se alavancaram para capturar projetos de crescimento, os resultados da Taesa começaram a piorar bastante. Em 2021/2022, a sua alavancagem subiu muito, pois ela tinha diversos projetos para renovar a concessão, o que demandou muito mais investimento, afetou o seu fluxo de caixa e prejudicou os seus resultados. Foi isso que trouxe à tona a discussão sobre a mudança da base de cálculo do lucro da Taesa para que ela pudesse pagar o payout mínimo e, consequentemente, os dividendos dos acionistas.
Como disse, a TAESA tinha a obrigação de distribuir 50% do lucro IFRS ajustado, mas, com muita frequência, ela chegou a pagar 100% do seu lucro para os acionistas. Por exemplo, isso aconteceu entre 2018 e 2023, o que levou a Taesa, de forma recorrente, a pegar boa parte da sua reserva e a recorrer ao próprio endividamento para sustentar esse dividendo elevado.
Como a Taesa não estava mais crescendo tanto, estava recorrendo a endividamento para pagar o payout mínimo, o operacional não estava melhorando e havia uma piora recorrente, ela teve que estipular novas premissas e reajustar o estatuto como um todo. Assim, em 2024 ela mudou a sua política de payout mínimo para reajustar a base de cálculo do lucro, tanto que o payout mínimo passou a ser 75% do lucro regulatório, sendo que a partir desse ano ele vai ser de 90% ou até 100% do lucro. Essa mudança foi feita porque o modelo anterior da TAESA vinha comprometendo boa parte da sua saúde financeira.
Isso porque a diferença entre o resultado IFRS e o resultado regulatório, principalmente no setor de transmissão, é muito significativa. Pelo IFRS, se a Taesa tivesse uma indenização para receber a prazo, esse valor seria reconhecido de uma única vez na sua contabilidade. Isso inflava o lucro contábil, mas deixava o fluxo de caixa realizado muito menor. Por exemplo, se a TAESA tivesse uma indenização de R$ 10 milhões para receber em 10 parcelas de R$ 1 milhão durante 10 anos, todo esse valor, pelo método IFRS, seria registrado de imediato na contabilidade, o que afetaria o seu lucro, mesmo que ele fosse pago de forma parcelada. Pelo critério regulatório, a empresa só registra o que de fato recebe, ou seja, a parcela anual de R$ 1 milhão. Isso fazia com que o lucro IFRS fosse muito superior ao lucro regulatório, o que elevava a distribuição de dividendos, até acima da própria geração de caixa da empresa. Com isso, a Taesa precisava se endividar para conseguir sustentar os seus dividendos.
Na minha opinião, essa mudança foi uma decisão super acertada, pois quando pegamos os números regulatórios, não só da Taisa, mas de todo o setor de energia, tanto o lucro quanto o Ebtida estão muito mais próximos à geração de caixa do que pelo cálculo pelo IFRS. O lucro regulatório traz mais previsibilidade para o acionista e evita a situação contábil que comentei.
Isso gerou muitas discussões e fez com que muitos investidores pessoa física saíssem da posição, mas esse foi um ajuste necessário, já que a política anterior de dividendos obrigava a empresa a distribuir valores que eram incompatíveis com o que de fato entrava no negócio, o que acabava distorcendo o balanço e endividando a companhia.
Quando sai um resultado da Taesa, quais são os primeiros números que você analisa?
Eu gosto de olhar a receita, o comportamento do resultado líquido da receita menos os custos de manutenção e o resultado regulatório, tanto o Ebitda quanto o lucro, pois isso é importante para mensurar o real valor que a empresa consegue extrair da sua operação, a sobra efetiva de caixa para pagamento de dividendos e a projeção de lucros futuros.
Em termos de análise comparativa, você compara a Taesa com quais companhias?
Como muitas empresas fecharam o capital e algumas têm suas operações de transmissão não tão concentradas, a margem de comparação ficou menor. A ISA CTEEP tem uma base comparável mais parecida com a TAESA e um mercado endereçável praticamente igual. Na Bolsa, ela é o par comparável com a Taesa.
Qual a sua avaliação sobre a geração de caixa e o endividamento da Taesa?
A geração de caixa ainda é um pouco poluída. Como disse, a empresa tinha o problema da base de cálculo do lucro que impactava bastante a geração de caixa, tanto que quando pegamos o resultado de 2024, a Taesa se endividou para sustentar a sua política de dividendos. Se pegarmos o Fluxo de Caixa Operacional, em 2024, a Taesa teve um resultado de cerca de R$ 2,5 bilhões, seu capex, formado pelos investimentos na manutenção das concessões, foi de R$ 1 bilhão e o pagamento de juros da dívida foi de R$ 700 milhões. Quando tiramos todos esses desembolsos, a empresa fica com um saldo positivo de R$ 800 milhões, mas no ano passado ela teve uma distribuição de dividendos de R$ 1 bilhão, ou seja, ela tomou R$ 200 milhões de dívida para efetuar esse pagamento. Com a nova política de dividendos, nós podemos ver a organização de fluxo de caixa da Taesa a partir de 2025.
Quanto ao endividamento, a Taesa ainda é uma empresa bastante alavancada, com um múltiplo dívida líquida/Ebitda de 4x. Além dessa alavancagem ser muito alta, a Taesa ainda vai ficar muito pressionada, pois o Capex para 2025 está entre 40% e 50% maior que em 2024. Em tese, vai continuar sobrando menos dinheiro para que a Taesa possa distribuir dividendos.
Em suma, para os próximos anos, nós vamos ver a Taesa com uma alavancagem ainda um pouco pressionada e com um fluxo de caixa caminhando para a normalidade, mas também bastante pressionado, já que boa parte desses recursos serão destinados aos investimentos em concessões.
Qual a sua avaliação sobre o payout e o dividend yield da Taesa?
Como a Taesa utiliza agora a base do lucro regulatório, em tese ela vai ter um lucro menor, o que vai fazer com que ela tenha um payout também menor. Para 2025, a empresa espera pagar entre 90% e 100% do seu lucro regulatório, mas como o lucro vai ser menor, nós podemos estimar um baixo dividend yield. Ao mesmo tempo, como disse, a Taesa vai ter um Capex relevante para 2025, o que também pressiona o seu yield. Para 2025 e 2026, o yield da Taesa vai ficar muito abaixo dos 5% por conta desses dois fatores.
Por mais que o dividend yield fique pouco atrativo para os próximos anos, esse não seria um bom momento para se posicionar na ação?
Historicamente, a Taesa sempre foi vista como uma ação super defensiva e como uma forte pagadora de dividendos, mas as mudanças relacionadas ao lucro e ao payot e o contexto setorial que deixou os leilões menos atrativos, deixaram os investidores com o pé atrás.
Do ponto de vista operacional, a empresa continua apresentando sólidos fundamentos. Ela tem ativos de transmissão com uma receita estável e previsível e contratos de longo prazo, o que deixa o risco de execução muito baixo. Como disse, a mudança de cálculo foi muito boa, principalmente sob a ótica do investidor que olha o longo prazo, já que essa reformulação tende a trazer uma perspectiva mais real sobre o retorno da empresa, diferente do que aconteceu nos últimos 10 anos.
Além disso, existem outros dois pontos para justificar o investimento de longo prazo na Taesa . O primeiro é a competitividade dos leilões de transmissão, que tem aumentando muito nos últimos anos, tanto que as taxas de retorno estão sendo muito mais baixas para que se possa vencer os lotes. Pode ser que, em algum momento, isso restrinja um pouco as oportunidades de crescimento da Taesa .
O segundo ponto é a taxa de juros, que encarece a dívida da Taesa, que é muito alta, e diminui o diferencial de atratividade frente à renda fixa. Embora a expectativa de médio prazo seja de queda nos juros, o que poderia melhorar um pouco esse quadro, nós também temos uma inflação menor, o que vai fazer com que o reajuste dos contratos da companhia, especialmente pelo IGP-M, limitem o crescimento da sua receita. Isso porque todos os contratos mais antigos da Taesa são reajustados pelo IGP-M. Dessa forma, a companhia vai ter, em tese, uma rentabilidade menor para os próximos anos.
No curto prazo, pelo valuation atual, eu não compraria Taesa. Pela ótica EV/Ebitda, o seu múltiplo está sendo negociado por volta de 10x, 10x e meia, enquanto a média do setor está em 6x, 7x, sendo que o denominador da Taesa, que é o lucro operacional, está diminuindo enquanto o EV está alto. Se alguém acha que a Taesa está barata, não, ela não está. Ao mesmo tempo, a alavancagem está muito alta e tem esse capex gigante para que a companhia possa fazer frente nos próximos anos. Sendo assim, para o curto prazo, para quem gosta de especular, eu não vejo a TAESA como oportunidade.
No longuíssimo prazo, o investidor tem que acompanhar a rentabilidade e, principalmente, os resultados regulatórios, que, mais do que nunca, serão muito importantes para que se possa medir o potencial da Taesa, entender a viabilidade financeira dos novos projetos que serão implementados e medir os seus fluxos de caixa. Isso porque o capex é muito alto e existe um ciclo de transmissão para ser implementado nos próximos três anos.
Qual a sua avaliação sobre o desempenho das ações da Taesa?
Com um lucro menor, um dividendo abaixo de 6% ao ano, o que é considerado premissa básica, e um capex pressionando o fluxo de caixa, o desempenho da ação para os próximos anos ainda vai ser baixista. Como disse, eu não vejo a Taesa como uma oportunidade para agora, mas no longuíssimo prazo, com o balanço saneado, a operação reorganizada, um capex um pouco menor e o lucro regulatório aumentando, ela vai gerar mais valor para os seus acionistas e pagar mais dividendos.