Tendências da reforma tributária

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Uma das dificuldades para mudança do sistema tributário brasileiro é a quantidade de mitos que se criou em torno do tema. Outro é a falta de orientação sobre o que fazer aqui para adequá-lo ao futuro do mundo em competição, onde os países disputarão investimentos e empregos, procurarão melhorar e proteger o nível de vida de seus cidadãos e preservar os respectivos sistemas ambientais.
O primeiro mito é de que o Brasil tem excesso de funcionários públicos, que geram déficit público e, por isso, o governo custa caro e cobra tributos elevados da sociedade. O segundo é que nosso sistema tributário é uma loucura, com muitos impostos, contribuições e taxas, que tornam a vida do contribuinte um inferno burocrático. Terceiro, no Brasil se paga mais impostos do que nos demais países, sobretudo nos desenvolvidos.
Os números confirmam algumas dessas suposições. Outros, porém, se revelam equivocados, como é o caso do número de funcionários. Apesar das estatísticas sobre servidores municipais serem precárias, estima-se que o Brasil tenha cerca de 9 milhões de funcionários públicos, ativos e inativos, correspondendo a cerca de 6% da população. Relativamente, bem menos do que os EUA, com 20 milhões de funcionários (8% da população), ou a França, com 5 milhões de servidores de um Estado unitário (12% da população). Se o Brasil tivesse a mesma proporção de funcionários que a média da OCDE (8%), teríamos cerca de 12 a 13 milhões de pessoas trabalhando no setor público. Neste caso, possivelmente os gastos com funcionalismo tornar-se-iam o principal problema para as finanças públicas, substituindo os gastos com a dívida pública como fator primordial do déficit atual.
Quanto ao número, chega-se a afirmar que o Brasil tem quase 100 impostos diferentes. Na verdade, porém, são 12 – entre federais, estaduais e municipais – e cinco contribuições para financiar a seguridade social, contando a CPMF, que veio para ficar. O que faz o número crescer é o conjunto de taxas e contribuições para-fiscais, que em conjunto representam 13% a 14% da carga tributária total. O grosso da arrecadação (quase 90%) das diferentes esferas de governo provém de 12 impostos e cinco contribuições, que podem ser reduzidas no máximo a 10 ou 12 tributos. O Imposto Único, teoricamente sedutor, não tem viabilidade prática.
Nossa situação não é diferente dos países desenvolvidos da OCDE, que são até mais criativos em matéria de aplicação de taxas específicas que ainda não exploramos, como, por exemplo, sobre o jogo, a caça, uso da água etc.
O que podemos melhorar muito é a burocracia tributária, apesar de termos certos procedimentos avançados em alguns tributos. É o caso do IRPF, em que somos líderes em matéria de entrega de declarações através de disquetes e da Internet.
Finalmente, a falsa idéia de que pagamos muito imposto. Globalmente, nossa carga tributária é da ordem de 29% do PIB, aproximadamente igual à dos EUA e da África do Sul. Ainda que bem superior à da Argentina e do Chile (20%), e mesmo da Coréia do Sul (18%), ficamos muito aquém da Espanha (35%), Reino Unido (37%) e da Alemanha (44%). A comparação é favorável também se feita em relação à carga tributária média dos países da OCDE, que foi de 42,5%, em 1996.
Quando se examina não a carga global, mas sim o ônus tributário per capita, o quadro se torna mais doloroso para o Brasil. Apesar de termos a mesma carga tributária global que os norte-americanos, aqui se arrecada apenas US$ 1,420/hab/ano, contra US$ 7,225/hab/ano nos EUA . Estamos com índice que é o dobro do Chile e semelhante ao coreano, porém o brasileiro médio paga incomparavelmente menos que o contribuinte inglês (US$ 6, 625/hab/ano, quase cinco vezes mais) e o alemão (US$ 8,813/hab/ano, ou seis vezes mais).
Não pagamos muito imposto, portanto. Ao contrário, na média pagamos pouco. A questão é que poucos pagam muito e a maioria não paga quase nada, porque o imposto é mal distribuído. Quase não se paga Imposto de Renda, no Brasil. Apenas a metade do que pagam os espanhóis, por exemplo. Pagamos muitos tributos sobre o consumo (1/3 da carga tributária) e é altíssima a taxação sobre os salários, para financiar a Seguridade Social (outro 1/3 da carga tributária). Porém, mesmo os que pagam altas percentagens de seus rendimentos em tributos recebem serviços medíocres do Estado brasileiro. É isto que precisamos mudar. Em que direção? A primeira orientação deve ser no sentido de eliminar os incentivos fiscais implícitos, isto é, as diversas formas de renúncia fiscal em favor de empresas (isenções, reduções de base de cálculo, de alíquotas etc., alongamento absurdo dos prazos de recolhimento dos tributos, concessão de empréstimos compensatórios a juros favorecidos etc.). Se valer a pena conceder subsídios às empresas, para que invistam em território brasileiro, nesse ou naquele estado, que se faça explicitamente no orçamento, destacando verbas a serem doadas ao contribuinte para serem votadas no Congresso, nas Assembléias ou Câmaras de Vereadores.
Aumentar o apoio às pequenas e médias empresas para que saiam da informalidade e passem a ser contribuintes, pagando um ônus tributário compatível. A idéia de que todos são iguais perante a lei significa que uma multinacional deve ser tratada de forma igual ao botequim ou armazém da esquina. Isonomia de verdade é tratar desigualmente os desiguais.
Evoluímos com o Projeto Paraíso, no Estado do Rio, que precisa ser revitalizado, e com o Simples, na esfera federal. Mas precisamos avançar muito mais para reduzir a sonegação.
Reduzir a fiscalidade sobre os rendimentos do trabalho, diminuindo tanto o Imposto de Renda sobre os salários e pagamentos a autônomos, quanto a cobrança de contribuições para a seguridade calculada sobre a folha de salários. Para gerar mais empregos é preciso reduzir o custo do trabalho para as empresas sem afetar, ou se possível melhorando, os rendimentos do trabalhador.
Em contrapartida, deve-se criar os Impostos Seletivos incidentes sobre os produtos chamados do vício (tabaco e bebidas), os energéticos (hidrocarbonetos combustíveis e eletricidade), as telecomunicações e os automóveis. Além disso, criar os impostos meio-ambientais, ou ecotaxas, sobre o uso intensivo de recursos naturais e sobre o lançamento de efluentes líquidos ou gasosos poluentes, ou ainda sobre depósito de resíduos sólidos. A criação destes impostos satisfazem ao princípio do Duplo Benefício, qual seja o de permitir a redução da carga tributária sobre o trabalho e de incluir no preço dos recursos naturais utilizados os custos reais das deseconomias externas (tratamento das águas, recuperação do solo, doenças do aparelho respiratório, etc.).
A Europa, o Japão e a América do Norte oferecem experiências interessantes de tributação ecológica para serem estudadas. O Brasil tem a oportunidade de fazer a reforma tributária necessária para entrar com o pé direito no século XXI. Aumentar competitividade, gerar empregos e aumentar os rendimentos do trabalho na renda nacional são objetivos conciliáveis. É preciso coragem política para vencer preconceitos e arrostar privilégios.

Luiz Alfredo Salomão
Deputado federal (PDT-RJ), membro da Comissão da Reforma Tributária e diretor da Escola de Políticas Públicas e Governo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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