Toda estupidez tem limite

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Todo capitalismo tem dentro de si um elemento primordial: o capital. Esta verdade no Brasil da virada do milênio tornou-se uma grande mentira. O pretenso capitalismo existente no Brasil, progressivamente, rejeita a acumulação capitalista. Durante cinco décadas, entre 1930 e 1980, o maior dos esforços empreendidos pelo Estado Basileiro foi o de criar capital nacional, fosse ele público ou fosse ele privado. Capital nacional, de propriedade de brasileiros ou do Brasil, aquele que efetivamente contribui para o desenvolvimento nacional. O capital internacional ou o capital estrangeiro só circunstancialmente contribui para o desenvolvimento nacional pois traz dentro de si o germe de sua própria ineficiência acumulativa, a necessidade permanente da remessa de lucros para o exterior.
Contudo, desde do colapso mexicano de 1982, em decorrência da submissão progressiva do Brasil aos organismos financeiros internacionais, Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Banco Interamericano e Organização Mundial do Comércio, o capitalismo no Brasil transformou-se. Esta mudança não só se impôs pela intervenção desses organismos. É fruto de uma estupidez de comportamento, que podemos nomear de predação capitalista, que busca a progressiva, mas sistemática, apropriação por uma elite cosmopolita e descompromissada com o interesse nacional e pelos seus aliados estrangeiros do que havia sido acumulado no país. Sob a égide desta estupidez o que se tem observado é a deterioração da auto-estima nacional e o empobrecimento geral do país e de suas instituições.
Quais seriam as razões se tanta insensatez? Muitas, mas nos ateremos a quatro delas que conceituamos como primordiais para o predomínio dessa estupidez:
a) A volta do princípio da incapacidade nacional, algo muito a gosto dos círculos intelectuais que vicejam em torno da Universidade de São Paulo:
b) O comportamento imbecil do empresariado nacional que decidiu se opor ao seu principal aliado histórico: o Estado;
c) O deslumbramento histérico de parcela expressiva da classe média ao que se pode nomear como a religiosidade dos “shopping centers”; e
d) A atuação mais comprometida com os interesses mercantilistas do que com o dever de informar dos nove grupos que operam no ramo da comunicação social no país e que buscam de todas as formas acumular na margem do processo predatório.
A volta do principio da incapacidade nacional é o ressurgir do pensamento arcaico da aristocracia cafeeira da São Paulo, que via no Brasil um espaço a ser predado, sem passado, sem presente e sem futuro, e incapaz, pelas suas próprias circunstâncias, do processo civilizatório. Renega todo o movimento da modernidade cultural deste século, que teve seu berço fora do pensamento uspiano e se constituiu no maior vetor de orgulho da cultura nacional. A idéia da incapacidade nacional sempre foi uma estupidez, mas, agora, nessa época de dependência, é uma estupidez dominante e consensada.
O comportamento imbecil do empresariado nacional de investir contra seu preceptor, o Estado, facilitou a operação de debilitamento deste iniciada timidamente no Governo Collor, em 1990, e acelerada sob FHC, e seguiu aos princípio do imediatismo que esta classe sempre se submeteu. O empresariado brasileiro teria todas as qualidades para se tornar um grande empresariado não fosse seu imediatismo. E foi pelo imediatismo que embarcou no discurso da privatização, que aceitou o endividamento estatal, que conviveu com a sobrevalorização cambial e a abertura desmedida, que convalidou a desregulamentação da atividade empresarial e que faturou, na mais odiosa irresponsabilidade, com uma imensa desnacionalização.
O deslumbramento histérico de parcela expressiva da classe média pode ser medido pela enorme fluxo de brasileiros para Miami, o templo supremo da cafonice mundial, onde se dedicavam a ir de loja em loja comprando bobagens ou de lanchonete em lanchonete medindo a espessura dos hamburgers. Este estudo comparativo da massa dos agregados de carne transformou-se no maior exemplo de estupidez culinária.
E para culminar tudo isto temos uma estupidez que se dissemina no nosso dia a dia pelas revistas, pelos jornais, pelo rádio e pela TV, que é o discurso da dominação externa, que ora é globalização, ora é modernidade, ora é ajuste fiscal. E esta estupidez é uma estupidez exemplar, pois buscando a sociedade com a dominação externa, via sociedade em telecomunicações, os nove grupos colheram resultados pífios, como a Folha de S.Paulo ressaltou em 21/3, próximo passado, ao mostrar que esses grupos estavam desabando. Nesta matéria, aquele periódico paulista colocava que dois dos maiores grupos, Globo e Abril, achavam-se tecnicamente insolventes. O endividamento do primeiro, pelo balanço de junho de 1998, era de 269%, sobre o patrimônio líquido, e do segundo, em setembro do mesmo ano, de 374%. Em 1998, a Globopar, holding do sistema Globo, sofreu prejuízo de US$ 293 milhões. Isto explica outra estupidez em gestação: o projeto de emenda constitucional para quebrar o dispositivo que veda a participação estrangeira no controle dos meios de comunicação no Brasil.
Para a roda da história voltar ao seu trilho e haver capitalismo no Brasil é preciso se dzer basta à estupidez, ou melhor, com mais condescendência, consensar algo óbvio: que toda estupidez tem limite.

Darc Costa
Membro do Conselho Editorial do Monitor Mercantil e do Conselho Diretor do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (Cebres).

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