Passado pouco mais de um mês, o conflito entre Rússia e Ucrânia segue sendo travado, ao contrário dos prognósticos iniciais de que a guerra teria uma duração de poucos dias, tamanha é a disparidade entre os poderios militares entre os dois países. Com o seu prolongamento, seguem os impactos nos mercados internacionais e as sanções econômicas impostas contra a Rússia. Conversamos com Márcio Coimbra, presidente da Fundação da Liberdade Econômica e coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, sobre os impactos da guerra na economia brasileira.
A Rússia é o 2º maior exportador de petróleo do mundo e o maior exportador de gás. Caso a guerra se prolongue por mais tempo, o que o Brasil pode fazer para remediar os impactos na sua economia?
O Brasil e a Europa sofrem efeitos diferentes. O Brasil sofre com os efeitos internacionais referentes à questão do petróleo. A Europa, além dos efeitos do petróleo, sofre com os efeitos do gás utilizado no aquecimento de suas populações. Agora, o petróleo, por ser uma commodity, está numa cadeia de valor que afeta diretamente o Brasil, que é um país muito dependente das importações.
Se o Brasil tivesse uma economia forte que produzisse localmente, sem que precisássemos ser tão dependentes das importações, e um setor privado mais dinâmico e robusto, nós conseguiríamos fazer frente a tempos mais definidos, incluindo tempos altamente tensos como os gerados por essa guerra. Nesse caso, se houvesse uma guerra de dois ou seis meses, nós teríamos condições de manobrar e preservar a nossa economia diante dessa volatilidade internacional.
Contudo, como o Brasil passou por um processo de desindustrialização nos últimos tempos, ao invés de passar por um processo de industrialização, nós estamos mais dependentes da volatilidade internacional.
Desde o início da guerra na Ucrânia, as expectativas do mercado financeiro para o IPCA passaram de 5,60% para 6,86% e para a Selic de 12,25% para 13%. Como a economia brasileira pode responder tão rápido aos efeitos de um evento que não possui relação direta com o país?
A economia brasileira não é integrada às cadeias globais de valor, mas ela é dependente em pontos estratégicos das importações. Por conta disso, nós dependemos muito dos preços internacionais e acabamos numa posição muito volátil, o que faz o Brasil sempre estar suscetível às mudanças de preços nos produtos. Isso leva ao aumento da inflação e ao aumento dos juros.
Toda essa situação é consequência das reformas que o Brasil precisa, mas que não foram feitas, como a reforma tributária e trabalhista. Quem mais avançou nesse terreno foi o Governo Temer, mas nós não vimos o aprofundamento desse tema. Somente com as reformas, o Brasil poderá baixar sua taxa de juros.
A Selic é uma das bases do real, segurando a inflação através do desestímulo ao consumo. O problema é que não poderíamos utilizar esse mecanismo por muito tempo, mas isso está sendo feito há quase 30 anos. Esse mecanismo deveria ser utilizado para controlar a inflação em situações temporárias, e não numa situação permanente. Isso se tornou uma política de Estado em todos os governos. Nenhum deles quis fazer as reformas que precisam passar no congresso para baixar a taxa de juros e fazer a nossa economia caminhar de forma virtuosa.
Quando o Brasil enfrenta uma crise internacional, ele poderia elevar a taxa de juros, mas como isso se transformou num instrumento normal e cotidiano, isso não é mais suficiente para conter o problema. Eu costumo dizer que a taxa de juros é a febre e que se fizermos as reformas, nós vamos tratar da doença. Enquanto a doença não for tratada, você vai manter o paciente vivo, mas controlando a febre, nesse caso através da taxa de juros. Não é possível viver assim pelo resto das nossas vidas.
Com a pandemia, o Brasil se deparou com o problema dos respiradores que não fabricava e que tinham que ser importados. Com a guerra na Ucrânia, o Brasil se deparou com o problema da importação dos fertilizantes produzidos pela Rússia. Na sua opinião, o Brasil possui visão estratégica?
Por ter problemas tão prementes e não conseguir ter uma política consolidada, o Brasil não consegue desenvolver planos estratégicos de médio e longo prazo. Aqui se trabalha com planos de curto prazo. A questão dos fertilizantes e dos respiradores mostra que o país sempre pensa no dia de amanhã, na próxima eleição, e não na próxima geração. Países como Coreia do Sul, Austrália e Chile conseguiram fazer esse planejamento e passaram a trabalhar visando o longo prazo.
Quando se pensa apenas na próxima eleição, não se pensa estrategicamente. Nós não temos uma agenda crítica do que será feito nos próximos 5, 10, 20 anos. O Brasil não planeja. Talvez a última vez que tenhamos feito algum planejamento foi no Governo FHC com as privatizações, quando elas foram preparadas e realizadas nos seus dois mandatos, e com a criação das agências reguladoras, quando passamos de um modelo interventor para um modelo regulador, sem que se entrasse num modelo liberal. Isso foi muito bem desenhado e é um exemplo do que podemos fazer planejando o futuro.
Desde então, nós só tivemos governos que trabalharam com o caos presente, sem que se planejasse o futuro. A quantidade de obras não terminadas e superfaturadas é assustadora. Isso também pode ser visto pela presença do Estado na economia. Dessa forma, nós nunca vamos conseguir planejar o longo prazo e avançarmos com uma economia sadia. Nós não temos um desenho do tipo de país que nós queremos.
Nós vivemos em uma guerra entre dois grupos, sendo que o terceiro parece não ter aderência na sociedade. Isso é muito ruim para o país, pois nós não temos o mínimo de convergência entre situação e oposição em temas essenciais para o desenvolvimento do Brasil. Todas as grandes nações conseguem convergências ao centro em assuntos específicos.
O Brasil precisa fazer uma transição para um modelo mais racional onde possamos fazer investimentos e pensarmos o país no longo prazo. Por exemplo, pensarmos na produção de insumos para vacinas, que já foram produzidos pelo Brasil no passado, mas que hoje são importados da China e da Índia. Como o Brasil não consegue fazer isso, continua sendo um país pobre, com um mercado interno pobre e uma iniciativa privada muito acanhada em relação ao resto do mundo.
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