Conversamos sobre o setor de tintas com Luiz Cornacchioni, presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas (Abrafati).
Como está o setor brasileiro de tintas?
O setor está indo bem. Em termos de volume, o primeiro trimestre foi um pouco mais lento, mas o segundo já foi melhor, inclusive quando comparamos com o 2T21. Tradicionalmente, o segundo semestre sempre é melhor que o primeiro, já que nesse período as pessoas começam a mexer nos imóveis por conta do final de ano. Em 2022, nós também temos a Copa do Mundo, quando as pessoas costumam mexer nas suas casas. Por conta disso, nós devemos ter um bom ano.
Estamos trabalhando com a perspectiva de crescimento de PIB +1%, ou seja, entre 2 e 3%, um pouquinho aquém do que tivemos em 2020 e 2021, sendo que nesses dois anos nós tivemos uma situação excepcional por causa da pandemia. Caso tenhamos um crescimento de 3% em 2022, esse será o terceiro maior crescimento nos últimos 10 anos, sendo que o maior foi registrado em 2021 e o segundo em 2020. Isso depois de o setor ficar andando de lado por sete anos.
Uma coisa bacana é que nós temos percebido que o hábito de se mexer nos imóveis passou a ser uma constante. Isso se deve a algumas questões, como, por exemplo, o sistema híbrido de trabalho que fez com que as pessoas passassem mais tempo em casa. As mexidas nos imóveis também passaram a ser escalonadas. Antes, passavam-se três, quatro anos para que se fizesse uma nova mexida, sendo que hoje se mexe um pouco aqui, depois se mexe um pouco ali. Outro ponto é que a questão do bem-estar e do conforto veio para ficar. Como as tintas decorativas e imobiliárias são o carro-chefe do setor, com uma representação de 80%, isso faz com que tenhamos um ritmo mais constante e sem grandes flutuações.
Além disso, o mercado possui uma grande quantidade de imóveis que estão sendo finalizados. Quando se constrói um prédio, o setor de tintas só aparece no final da cadeia. Primeiro se passa pelo tijolo e areia, depois vem a parte de piso e metal sanitário, e só depois vem as tintas. O reflexo para nós é sempre ao longo do processo. Isso trará um impacto positivo para o setor.
Óbvio que nós temos outros segmentos de tintas, como as industriais e de infraestrutura, que também estão indo bem. O Marco Legal do Saneamento já está produzindo efeitos para o setor. As pessoas tendem a achar que tinta é tinta de parede, mas as tintas estão, praticamente, em todos os produtos manufaturados e em todos os tipos de estruturas. Uma obra de saneamento precisa de muita tinta. Por exemplo, os tanques e as tubulações são pintadas. Além disso, alguns processos de concessão já começam a demandar tintas, como aeroportos, rodovias e instalações ligadas aos setores de energia elétrica, eólica e petróleo. O setor do agronegócio, que não tem crise no Brasil, também consome muitas tintas.
As tintas do setor automotivo estão num ritmo médio por conta dos problemas do próprio setor, mas estamos percebendo os efeitos da repintura dos carros usados. Num primeiro momento, a pandemia fez com que a quantidade de carros circulando diminuísse, o que levou à queda do número de acidentes, principal motivo para que as pessoas levassem seus carros para serem arrumados. Isso já está sendo retomado. As pessoas também estão repintando seus carros usados por duas razões: a melhoria pura e simples, e a escassez de carros novos, o que está fazendo com que as pessoas cuidem dos seus carros já que ficarão mais tempo com eles.
É importante destacar que hoje o Brasil é o quinto maior produtor de tintas no mundo. Nós estamos nos aproximando da marca de 2 bilhões de litros produzidos por ano.
Como o atual cenário econômico de alta da inflação e dos juros afeta o setor de tintas?
Todos sentem essa questão, mas devido a variável das pessoas estarem colocando mais foco nos cuidados dos imóveis, por exemplo, o setor está ficando numa posição mais flat. Nós não vamos voar, mas também não vamos ter uma depressão muito grande. O crescimento que estamos esperando, para um momento como esse, é excepcional. O setor vai passar por esse momento devido a questão da essencialidade, do conforto e do bem-estar.
Além disso, nós temos uma série de pinturas que são obrigatórias, que independem de conjuntura. Os edifícios novos não podem ser entregues sem pintura. Da mesma forma, ano eleitoral é marcado pela realização de uma série de obras. Uma rodovia precisa de tinta para demarcação da pista e da tinta que será utilizada nas placas.
Independente de quem ganhe as eleições, quais são as principais demandas técnicas do setor para o próximo presidente e os próximos governadores?
Nesse momento, nós estamos trabalhando num documento do setor de construção civil, que inclui o setor de tintas, que servirá tanto para a esfera federal quanto para as esferas estaduais. Ele deverá estar fechado até o início de agosto.
Eu gostei da sua colocação “independente de quem ganhe”, pois esse documento será um posicionamento setorial para os postulantes dos cargos. Ele vai passar por temas como a reforma tributária e a questão do desenvolvimento ambiental, ESG e sustentabilidade.
Nós também vamos entrar um pouco na questão de mecanismos de incentivo setorial. Como o setor da construção civil é caracterizado pela alta empregabilidade e geração de renda, ele precisa de condições para crescer de forma flat sem grandes variações.
Outro ponto importante é o incentivo à construção habitacional. O déficit habitacional brasileiro é um problema crônico que precisa ser enfrentado. Quando se trabalha na sua eliminação, se estimula a economia de uma tremenda forma em termos de geração de emprego e utilização de materiais.
Com relação aos materiais, esse é um aspecto interessante, pois a maior parte do que é utilizado pela construção civil é produzido no Brasil. No caso das tintas, estamos falando de 100% da produção. Isso estimula a indústria nacional, que vem sofrendo com a tão falada desindustrialização do Brasil, que precisa ser combatida.
A formação de mão de obra é outro assunto que estamos batendo. Nós precisamos que sejam desenvolvidos bons profissionais como pedreiros, pintores e encanadores. Esses profissionais estão fazendo coisas importantes e que devem ser feitas para durarem.
Nós temos também a questão de incentivo à inovação, pois existe muita tecnologia envolvida na fabricação de tintas. Um avião pousa no Rio debaixo de uma temperatura de 38º e não pinga tinta, da mesma forma que voa com uma temperatura de menos 30º e a mesma tinta não racha. Isso pode parecer simples, mas não é.
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