Três perguntas: aspectos de uma sucessão familiar

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Leandro Herculano (foto divulgação)
Leandro Herculano (foto divulgação)

Conversamos sobre sucessão familiar com Leandro Herculano, conselheiro TrendsInnovation do Brasil, professor e palestrante nas áreas de gestão estratégica de negócios, liderança e inovação.

 

Quais são os principais desafios para se organizar uma sucessão familiar?

O primeiro desafio que você tem ao se falar em sucessão familiar, é que as pessoas não gostam de falar de morte, pois esse é um assunto que incomoda. Nós precisamos desmistificar o processo de que nem o fundador e nem os filhos são eternos, pois as pessoas morrem. A pandemia nos mostrou muito isso, com muitos profissionais da área de RH estratégico se posicionando bem com relação ao planejamento de risco de processos sucessórios. Não estamos falando apenas de sucessão familiar, mas de sucessão como um todo.

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Quando se tira o problema de não se falar de morte, você começa a ter planos de contingência para isso, como entender que num processo de sucessão eu posso ter um filho ou eu posso ter um executivo; o momento de separar o patrimônio da família do patrimônio da empresa, e o plano de organização visando a perenidade do negócio. Infelizmente, pessoas vão e vêm, mas o negócio tem que ser perene.

Toda essa preparação envolve uma questão, que para mim, é muito complicada: quanto de transparência eu tenho nas relações entre os sócios? Em um grupo familiar, não necessariamente todos são de uma família. Às vezes eu tenho mais de um sócio. Mesmo dentro de uma família única, é preciso haver uma conversa bastante transparente. Essa transparência é muito nervosa quando começamos a organizar um processo sucessório.

Por mais que as pessoas digam que não, a minha experiência diz que esse tipo de processo envolve sentimentos relacionados à história, valores e expectativas dos filhos. Vou dar um exemplo pessoal. Meu pai trabalhou com finanças a vida inteira, eu tenho uma filha que está se formando em artes cênicas, e nós temos o patrimônio da família que precisa ser administrado. A primeira coisa que aconteceu quando tratamos esse assunto com transparência foi que a minha filha nos disse que não queria nem olhar o processo, pois isso não era para ela. Como você precisa entender os caminhos, a transparência facilita esse tipo de processo.

Quando o grupo familiar fica maior, você precisa de apoio profissional, pois existe um mapeamento de riscos e um plano de preparação de competências para os profissionais que vão entrar na gestão. Por exemplo, para que o filho de um sócio entre na gestão, quais são as competências que ele precisa ter? Qual o caminho para prepará-lo?

É preciso entender também que nem todo sócio vai estar na gestão. De preferência, muitas vezes nós orientamos para que isso não aconteça. Eu vivi o caso de uma grande corporação onde os filhos dos fundadores só poderiam trabalhar na empresa até a posição de trainees. Depois disso, eles tinham que sair. Um dos valores dos fundadores é que os filhos não entrariam na gestão, mas seriam preparados para serem acionistas da empresa.

O segundo desafio é que existe uma visão de sucessão só até a próxima geração em boa parte dos grupos familiares. O problema é que, quando você passa da segunda para a terceira geração, a situação só piora. Vamos imaginar o caso de um fundador que faleceu, deixando dois filhos que já atuam na gestão e três netos que estão entrando na gestão. Você tem noção de como isso fica? E se os netos já tiverem filhos? É por isso que é preciso deixar as regras claras. Se um fundador tem um neto que é acionista, ele precisa pensar na forma como ele vai entrar no negócio.

Dentro do projeto que costumamos fazer, a remuneração do acionista é diferente da remuneração do executivo. O cara que está sentado na cadeira executiva tem salário, mas se ele também for acionista, ele vai ter duas remunerações. Até isso tem que estar dentro do acordo de sócios para não haver problema na sucessão. Se isso não acontecer, pode haver ciúmes. Um acionista pode questionar o fato do seu irmão ganhar mais, mesmo sabendo que ele é acionista e executivo. Isso pode ser o início de um conflito.

É por isso que, nessas horas, é preciso ter apoio profissional para ajudar no processo de construção dos acordos de sócio e de avaliação de competências de forma isenta. Geralmente, isso acontece em grupos com faturamento a partir de R$ 50 milhões. Nas empresas menores, isso não acontece, pois termina em briga mesmo e com a venda do negócio.

 

Quais são os principais erros cometidos numa sucessão familiar?

Tudo começa com um acordo de sócios bem feito, e o principal erro é a ausência desse acordo na formação do grupo familiar. Toda empresa tem um acordo de sócios inicial, que se chama contrato social, só que à medida que a empresa evolui e cria complexidades, é necessário criar o conselho de família e o novo acordo de sócios.

Imagine um fundador que está chegando aos 60 anos, tem dois filhos, uma nova esposa e uma ex-mulher que possui ações da empresa. No momento em que ele organiza o conselho de família, se constitui um novo acordo de sócios onde serão colocados os direitos, as responsabilidades e as diretrizes de todas as áreas. Esse conselho vai se reunir para discutir os negócios, seus indicadores e o patrimônio da família com tranquilidade, de forma a resguardar as relações familiares para além do negócio.

Se não houver essa tranquilidade, as coisas se perdem, e, na ausência do fundador, você tem a briga de acionistas, justamente o que não se queria.

 

Um fundador tem a emoção relacionada à família e a emoção relacionada à empresa. A questão é que existem famílias e “famílias”. Do outro lado, a empresa é o filho pródigo, que não causou aborrecimentos e não ficou falando besteiras. Você já se deparou com fundadores que tinham conflito de emoções com relação à empresa e à “família”?

Quando eu vejo uma situação como essa, que é muito radical, a minha sugestão é para que o fundador venda tudo. Se ele não quiser a perenidade do negócio, o melhor é vender, distribuindo as partes em vida ou aplicando o dinheiro para viver bem. Qual o sentido do fundador deixar um legado que se transforme em briga de família?

A outra opção seria contratar um gestor profissional. Neste caso, o conselho de família resolve. Uma vez que o acordo disser que todos os herdeiros são acionistas, eles poderão cobrar resultados do presidente que vai tocar a empresa depois que o fundador se for. Assim, os herdeiros vão gerir o patrimônio da família sem gerir a empresa. Independente de qual seja a opção neste caso, as duas doem muito para o fundador.

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