Três perguntas: aspectos do mercado de cannabis medicinal

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Fabrizio Postiglione (foto divulgação Remederi)
Fabrizio Postiglione (foto divulgação Remederi)

Conversamos sobre o mercado brasileiro de cannabis medicinal com Fabrizio Postiglione, fundador da Remederi, farmacêutica brasileira que promove o acesso a produtos, serviços e educação sobre a terapia canabinoide.

 

O que faz a Remederi?

A Remederi foi fundada para sanar uma dor do mercado, oferecendo acessibilidade de informação e produtos à base de cannabis medicinal. A informação é destinada a médicos, pacientes e familiares, e os produtos são destinados para os pacientes que têm prescrições médicas.

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Para que nós atingíssemos a acessibilidade, nós construímos três pilares: a empresa farmacêutica, a linha de produtos e o instituto de ensino e pesquisa, onde nós temos uma metodologia que já formou mais de mil médicos em cursos de 9 a 16 horas.

A empresa surgiu de uma dor pessoal que eu tive. Eu era gerente operacional de uma fazenda de cannabis no Oregon, Estados Unidos, e fui responsável pela expansão de 4 mil para 14 mil plantas, o que dá aproximadamente 7 toneladas de material seco colhido. Esse ciclo teve que ser interrompido quando meu pai adoeceu devido a um problema raro que atingiu os seus pulmões. Eu comecei a construir a Remederi quando meu pai começou a sofrer com síndrome do pânico e ataques de ansiedade por ter percebido que estava chegando ao fim da sua vida.

Nessa época, nós tínhamos no Brasil 200 médicos que prescreviam esse tipo de medicamento num universo de mais de 500 mil médicos ativos, sendo que nem todos eram especialistas.

Para tratar o meu pai, eu tive dificuldade para obter os medicamentos que precisava. Uma importação demorava até 50 dias, e ainda havia um processo regulatório da Anvisa muito longo, custoso e difícil de ser realizado. Eu vinha da indústria e não conseguia ter acesso no Brasil aos produtos que eram produzidos nos Estados Unidos.

Quando eu percebi que essa dor não era só minha, mas de muitas outras pessoas, eu comecei a montar a empresa, recrutar um time e a desenvolver estratégias jurídicas, regulatórias e mercadológicas.

 

O mercado brasileiro possui fundos de investimento, cujas cotas são negociadas na bolsa, que investem no mercado externo, e não no mercado interno. Além disso, as empresas brasileiras que trabalham com cannabis medicinal possuem dificuldade de acesso a financiamento. Como você avalia as consequências dessa situação?

Logo de cara, a principal consequência econômica de curto prazo é a exportação do dinheiro. O correto seria nós trazermos capital, e não tirarmos capital.

No médio e longo prazo, não se fomenta a indústria aqui dentro. Uma empresa nova tem que ter capital para acertar e para errar. Se o capital está escasso, só sobra a margem do capital investido para o acerto, e não para o erro. Se você tem um capital escasso focado 100% para o acerto, sabendo que num passo em falso esse acerto nunca vai chegar, isso te torna um empreendedor muito mais cuidadoso. Se você é mais cuidadoso, você não vai explorar com tanto fervor as oportunidades, deixando, inclusive, de criá-las.

Essa situação leva o empreendedor a focar em produtos com viés comercial, que trazem um retorno imediato que possibilita o financiamento do dia de amanhã. Se você tem uma folga para o acerto, para o erro e para o estudo, você tem uma probabilidade de acerto muito maior.

Se olharmos a ciência, vemos que às vezes anos e anos de estudos não dão em nada, mas às vezes dão em muito. Existem estudos clínicos que estão sendo desenvolvidos há 50 anos. Diante dessa situação, como investir hoje para se colher frutos daqui a cinco anos?

Hoje, no mercado brasileiro, não há margem para se esperar tanto tempo por um resultado, com a possibilidade de ele não vir.

 

Você conhece bastante o mercado americano, que está mais avançado que o mercado brasileiro. De uma forma geral, quais são os principais erros e acertos do mercado americano que deveriam ser assimilados pelo mercado brasileiro?

Eu não falo erro, mas a principal dificuldade do mercado americano foi a flexibilização da cannabis como um suplemento. Com isso, rapidamente você passou a ter tudo de cannabis. Esmalte de CBD. Shampoo de CBD. Creme de CBD. Água de CBD.

Você tinha lojas de departamento gigantescas só de produtos de CBD. Uma garrafa de água de dois litros com um miligrama de CBD tinha um rótulo bem grande dizendo C-B-D. Não é bem assim. O rótulo está lá, mas a concentração de CBD é baixíssima, ou seja, não tem qualquer efeito.

Como se diferencia uma água que tem aspecto de tratamento de uma água que só tem o aspecto de marketing? Se para um médico é difícil entender posologia, imagine para quem está consumindo?

É tanta informação que gera desinformação. E aí você não sabe se está tomando um produto que tem, que não tem, as dosagens e como utilizar. Eu usei o exemplo da água, mas isso se aplica para todo o resto, ofuscando o efeito terapêutico e medicinal em si.

Quando a moda passa, a empresa, que foi constituída para vender água com viés de marketing, quebra, trazendo o fim da bolha.

O Brasil está no pilar medicinal, tratando de pessoas que realmente precisam. Aos poucos se está flexibilizando para outras frentes. Depois que houver confiança com a parte medicinal, se começará a entrar na parte de dermocosméticos para uso tópico, cosméticos, nutrológica, até se chegar na parte suplemental. Dessa forma, se previne uma bolha.

Outra lição está relacionada à qualidade dos produtos. No início, tanto nos Estados Unidos quanto em outros países, não havia um consentimento sobre a boa prática da cultura canábica. Por exemplo, o que é qualidade? Para um leigo, é um rótulo bonito, mas para quem é especialista, o rótulo não quer dizer nada. Você precisa provar a qualidade dos processos.

Depois que se aprendeu essa lição, quem quer produzir é obrigado a ter essas boas práticas para cada finalidade. No início, se deu margem para produtos de baixa qualidade, mas com o tempo, se foi colocando exigências. Os Estados Unidos e o Brasil possuem vertentes diferentes. Lá, se começa amplo e se afunila a regulação. Aqui, se começa afunilado e depois se amplia.

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