Conversamos com a advogada Juliana Biolchi, do escritório Biolchi Empresarial, sobre o financiamento de empresas em crise, investimentos em empresas em recuperação judicial e sobre o que uma empresa deve fazer para conduzir um processo desse tipo de forma a resolver o seu problema mais rapidamente.
Como uma empresa em crise pode trazer dinheiro novo para se financiar?
Quando uma empresa entra numa situação de dificuldade, ela precisa passar por um processo de reestruturação, e não me refiro ao sentido judicial. No geral, esse processo tem três pilares: dinheiro novo, melhora da operação e alongamento do passivo.
A recuperação judicial é uma ferramenta de alongamento de passivo, um veículo de negociação da dívida, sendo que os dois primeiros pilares talvez sejam mais importantes que ela. A empresa tem que parar de dar prejuízo para que o problema passe da operação para o financeiro, e do financeiro para o jurídico de forma a que o negócio possa ser reestruturado.
Nesse processo de reestruturação, é preciso trazer dinheiro novo para alinhar o ciclo financeiro, que muito provavelmente está desbalanceado, ou para financiar a reestruturação. Se isso for feito dentro de um ambiente de recuperação judicial, o que gera uma atmosfera de proteção para a empresa, nós temos duas opções que podem ser interessantes: através da venda de algum ativo ou da captação de dinheiro através de empréstimos ou capital próprio dos sócios.
Hoje, quando um investidor adquire um ativo ou uma unidade produtiva isolada (UPI) de uma empresa que está em recuperação judicial, ele faz isso com a tranquilidade de que não haverá sucessão, ou seja, sem nenhum risco de assumir dívidas trabalhistas, tributárias ou de qualquer outra espécie, salvo passivos específicos que tenham relação com o negócio, como, por exemplo, um solo contaminado.
Um ponto importante é que quando falamos da compra de uma empresa que não esteja em recuperação judicial, existe a preocupação de se fazer uma due diligence. Numa recuperação judicial, não é preciso fazer isso pois a lei estanca todos os problemas. Nós podemos dizer, com relativa tranquilidade, que no Brasil há uma maturidade com relação ao entendimento do que é uma UPI, inclusive do ponto de vista tributário.
A segunda opção é através da captação de dinheiro no mercado. Existem muitas opções como o desconto de recebíveis através de FIDCs, mas a reforma da lei trouxe outra oportunidade que é o financiamento do devedor em crise, também conhecido como DIP (Debtor in Possession). Esse instrumento garante ao credor do empréstimo – que não necessariamente é uma instituição financeira, podendo ser, inclusive, um dos sócios da própria empresa – que este crédito será hiperprivilegiado na hipótese de decretação de falência, desde que ele tenha sido feito de acordo com o desenho da lei. A utilização do DIP está crescendo vertiginosamente no mercado.
Vale a pena investir numa empresa em processo de recuperação judicial?
Eu entendo que vale a pena, mas primeiro nós precisamos ter uma mudança cultural, pois existe um certo preconceito com relação às empresas que estão numa situação de dificuldade. Aos poucos nós começamos a enxergar que isso está mudando. Esse preconceito não é por nada, pois existe um histórico de instabilidade de decisões jurídicas.
Vale a pena do ponto de vista de quem compra um ativo de uma empresa em crise, como já disse, ou através da compra de ações de uma companhia de capital aberto. Nesse caso, o investidor precisa analisar a viabilidade do plano de recuperação judicial, além de analisar os fundamentos da empresa. Isso talvez exija um repertório mais apurado para se fazer a análise, mas um investimento maior de tempo e de entendimento da situação pode repercutir num negócio melhor.
Nós sabemos que quando uma empresa anuncia que está numa situação de dificuldade, suas ações caem e seus preços ficam mais atrativos, o que pode se converter num bom negócio mais a frente. A Eternit e a Lupatech concluíram bem seus processos de recuperação judicial, tanto que suas ações estão mais valorizadas atualmente.
Com relação às sociedades anônimas de capital fechado ou às limitadas, a análise é relativamente semelhante, mas há uma diferença. Um investidor que vai comprar uma ação na bolsa tem um acesso maior às informações daquele ativo. Quando falamos na compra de uma empresa de capital fechado, seja uma S/A ou uma limitada, além das oportunidades serem mais escassas, o investidor precisa entrar num entendimento com o acionista. Aqui, no Rio Grande do Sul, eu tive contato com o caso de uma empresa do agronegócio que entrou em recuperação judicial e dobrou a sua dívida por uma série de questões, e mesmo assim um investidor ficou interessado na sua compra devido as suas perspectivas. O negócio acabou não saindo porque os sócios não quiseram.
O que uma empresa deve fazer para conduzir um bom processo de recuperação judicial?
É importante destacar que a recuperação judicial não é o fim do mundo para uma empresa, mas é preciso haver uma mudança cultural do mercado para que esse processo possa acontecer num momento mais adequado.
Cada vez mais as empresas postergam esse tipo de recurso por questões reputacionais e custos relacionados ao próprio processo de recuperação judicial. Nós nos deparamos com muitos processos que se tivessem sido ajuizados 6, 12 meses antes, teriam tido desdobramentos muito mais positivos, pois a recuperação judicial existe para que as forças sejam reequilibradas de forma a viabilizar uma renegociação saudável através de um plano de recuperação judicial.
Muitas vezes, as empresas entram num processo de recuperação judicial sem ter um plano de saída. Como escutamos muito, elas entram nesse processo para ganhar tempo, quando na verdade a recuperação judicial deveria ser ajuizada a tempo. Quando se joga a negociação para o Judiciário e se passa o que havia sido desenhado para ser feito de 180 dias para três anos, se estressa ainda mais a situação para depois trazê-la para uma pacificação. Isso é o que acaba acontecendo na prática com os processos de recuperação judicial.
Para ser bem administrada, uma recuperação judicial precisa começar de trás para frente. O plano deve ser estruturado em cima da forma como a empresa vai sair desse processo, fazendo isso de tal jeito que se diminua ao máximo possível o período de negociação.