O setor bancário tem passado por muitas mudanças nos últimos anos. Os bancos digitais abriram seu espaço no mercado e se fortaleceram. Muitos correntistas migraram dos bancos tradicionais para os digitais, não por eles serem revolucionários, mas por uma questão prática: a não cobrança de tarifas. Nos últimos meses, um novo impulso foi dado às mudanças no setor com a implementação em fases do Pix e do Open Banking. Os bancos tradicionais, com sua estrutura de custos mais complexa e cara, mas, por outro lado, com mais produtos e serviços, tiveram que se mexer e correr atrás do prejuízo. Agora vamos à pergunta: todas essas mudanças do setor bancário estão sendo corretamente precificadas nos valores das ações dos bancos?
Para entendermos melhor o que está acontecendo, conversamos com Leo Monteiro, analista de research da Ativa Investimentos.
Na sua opinião, quais são as principais diferenças entre bancos tradicionais e bancos digitais?
A principal diferença é a proposta. Os bancos digitais operam num modelo asset light, ou seja, eles são menos intensivos em capital, já que eles não possuem agências e estruturas físicas como os bancos tradicionais, ao mesmo tempo em que oferecem uma gama menor de produtos e serviços. A ideia principal é simplificar os custos para o cliente. Eles são atrativos pois não cobram taxas e são mais amigáveis, principalmente para o público mais jovem. Os bancos tradicionais possuem agências, o que vem mudando por ser uma tendência inevitável do setor, e uma gama maior de produtos e serviços como seguros, títulos de capitalização, produtos de crédito e investimentos. Os bancos digitais não oferecem isso.
Outra diferença é o relacionamento com o cliente, algo que os bancos tradicionais possuem, e que ainda não existe nos bancos digitais. É muito comum nós vermos, principalmente do público com mais idade, essa relação próxima com o gerente do banco. Esse tipo de relacionamento é importante para captar e reter o cliente. Isso é algo que os bancos tradicionais valorizam e será mantido, mesmo com as perspectivas de mudança do setor. Talvez o número de agências diminua, mas as que ficarem serão mais focadas no atendimento. Em vez de o cliente ir à agência para realizar um saque ou pagar um boleto, ele irá à agência para discutir um investimento ou entender melhor a sua conta. Isso é um fator que os bancos digitais, pela sua proposta, não possuem.
Os bancos digitais têm o objetivo de simplificar a vida do cliente e diminuir custos, o que de fato é uma mudança importantíssima e que tem ganhado muito espaço no setor bancário. Os bancos tradicionais ainda têm uma proposta diferente, e mesmo com as mudanças pelas quais o setor vem passando, eles ainda vão manter diferenças fundamentais.
Ainda vale a pena investir em ações de bancos tradicionais?
Na Ativa, nós ainda temos uma visão construtivista do setor bancário. Como disse anteriormente, haverá mudanças importantíssimas no setor, como a chegada do Open Banking, do Pix e a redução dos spreads bancários. Tudo isso vem para pressionar o retorno sobre o patrimônio líquido dos bancos tradicionais, ou seja, torná-los menos rentáveis no longo prazo. Esse movimento é inevitável. Mesmo assim, eles aceitaram as mudanças. Por exemplo, com a chegada do Pix, os bancos tradicionais tentaram captar mais esse market share de transações através da criação de plataformas mais fáceis para o uso dos clientes, tentando capitalizar de maneiras diferentes o Pix.
Do ponto de vista de investimento, a redução da rentabilidade dos bancos tradicionais reduz o seu valuation (valoração). O ponto é quanto o mercado está enxergando na redução desse valuation hoje e quanto de fato será impactado. Nós não achamos que seja o fim do mundo, pois acreditamos que os bancos tradicionais possuem diferenciais importantes. Nós vemos ações de alguns bancos tradicionais sendo negociadas abaixo do seu valor patrimonial, enquanto ações de bancos digitais são negociadas até mais de 3x o seu valor patrimonial. Nós vemos os bancos digitais, apesar de possuírem um futuro bem interessante, sendo negociados com valuations bem esticados, preços mais caros, enquanto os bancos tradicionais estão sendo negociados em valuations atrativos. Os bancos tradicionais estão tendo iniciativas bem interessantes para capitalizar as mudanças que o setor vem construindo.
Nós não temos essa tese de que essas mudanças destruirão o retorno sobre patrimônio líquido (ROE) dos bancos. Do ponto de vista do valuation, se fizermos um exercício simples de redução para zero das receitas de tarifas dos bancos tradicionais, em alguns casos o valuation continuará mais barato que o valuation dos bancos digitais. A discussão não é se o retorno dos bancos tradicionais será reduzido ou não, se o cenário é profícuo para os bancos digitais. Para mim, isso é fato. A discussão é o quanto esses impactos afetam o valuation, e se o mercado precificou bem essas transformações. Nós não concordamos com a tese de que os bancos tradicionais vão acabar. Pelo contrário. Acreditamos que será um cenário desafiador, mas que também surgirão uma série de outras oportunidades. Os bancos tradicionais possuem diretorias competentes, que já conhecem esse mercado, e foram pioneiros em muitas inovações. Eles serão desafiados, mas possuem diferenciais importantes e se adaptarão bem.
Como você vê o futuro do setor bancário?
Eu já dei um spoiler nas respostas anteriores. O setor bancário está passando por profundas transformações, positivas do ponto de vista dos consumidores. De fato, o setor bancário no Brasil é muito oligopolizado. Os bancos que existem controlam todo o mercado, cobrando taxas de juros abusivas dos seus clientes e nem sempre oferecendo produtos e serviços da melhor qualidade. Se houvesse mais concorrência nesse mercado, os spreads bancários seriam reduzidos, e o serviço, do ponto de vista do cliente, melhorado.
Temos também as inovações tecnológicas. Não é possível saber o que virá com a chegada do Open Banking, que na sua última fase se torna o Open Finance. Em outras palavras, o Open Banking causará a democratização dos dados que os bancos tradicionais têm dos seus próprios clientes (desde que autorizado). Com isso, o setor bancário entregará produtos e serviços mais personalizados, desde linhas de crédito mais baratas a utilização de investimentos em uma corretora como garantia de um empréstimo. O setor financeiro como um todo mudará muito.
Por mais que tenha havido uma redução do ROE dos bancos tradicionais, tivemos um processo acelerado de bancarização da população. A necessidade de papel-moeda será reduzida, e as pessoas abrirão mais contas nos bancos. O Pix causará uma simplificação muito grande. Os bancos tradicionais terão mais concorrência, mas em compensação custos menores, e vão capitalizar o processo de bancarização pelo qual vem passando o Brasil.
Para os bancos digitais, o Open Finance tornará o ambiente de negócios mais justo e competitivo. O desenvolvimento do Open Banking, dependendo do nível de aceitação da população, permitirá que os bancos tradicionais ofereçam mais produtos e serviços. Daqui a 20 anos, o setor bancário será muito diferente do que é hoje.
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