O Conselho Federal de Contabilidade (CFC), fundado em 1946, representa 517 mil contadores e 75 mil organizações contábeis, desde as pequenas às grandes empresas de contabilidade espalhadas de norte a sul do Brasil, passando pelas novas empresas de contabilidade on-line.
O CFC conhece como poucos os pesadelos causados pelo esquizofrênico sistema tributário nacional. Por exemplo, são os contadores que lutam, todos os dias, e contra a infinita criatividade governamental das três esferas, para atender um flagelo pouco discutido: as obrigações acessórias. Cada ente da Federação Brasileira, ou seja, a União, cada um dos 26 estados, o Distrito Federal e cada um dos mais de 5.500 municípios brasileiros, possui as suas obrigações acessórias para atendimento dos tributos sob sua competência.
Depois de conversarmos com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit), com a FecomércioSP e com a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), vamos conversar com Antônio de Pádua Pelicarpo, coordenador do grupo de estudos sobre a reforma tributária do Conselho Federal de Contabilidade, sobre os principais problemas do atual sistema tributário brasileiro, sobre a forma como esses problemas deveriam ser atacados, e se uma reforma que simplifique o sistema já poderia ser considerada um avanço.
Na opinião do Conselho Federal de Contabilidade, quais são os principais problemas do atual sistema tributário brasileiro?
A complexidade do sistema atual é um dos principais problemas e entraves burocráticos em vigor no Brasil e, que, apesar do avanço tecnológico de dados e informações, encontra-se, em certa medida, a exigir dados não inteiramente compactados numa mesma plataforma de informações, incluindo-se as questões legislativas dos estados e dos municípios. Só esta concentração de dados e informações compiladas já trariam expressivo avanço.
(a) A complexidade do sistema tributário é percebida em centenas de milhares de atos normativos na legislação federal, estadual e municipal, que compõem o seu emaranhado, mormente com mudanças com diminuto prazo de periodicidade, até mesmo diárias, cuja consequência para o empresário e a sociedade civil revela-se imprevisível, incluídas aí as questões de custos de tributos não orçados, intempestivos, investimentos, riscos, juros mais altos etc., isto em relação a todos os entes da Federação. Não se tem, ainda, uma segurança fiscal estabilizada, apesar da carga tributária já ser considerada alta em relação à capacidade de compra e de consumo dos bens e serviços pelos brasileiros de uma forma geral.
(b) Inúmeras obrigações acessórias, declarações, informações que muitas vezes são estabelecidas em sistemas desintegrados às quais o contribuinte está sujeito, tornando o sistema tributário complexo, conflituoso (guerra entre estados) e, portanto, inseguro. Além disso, há as multas pelo simples descumprimento (dever de informar) que são altíssimas (e na contramão da realidade negocial do mercado em suas relações contratuais), que vão de 20% a 150% do tributo devido, sem falar na responsabilidade penal do contribuinte. Veja-se: a economia brasileira mudou, até então estabilizou-se. Portanto, reduziram-se as multas, mas o Fisco nada disso percebeu não as alterando, o que constitui, em muitos casos, verdadeiro confisco.
Outro ponto importante que carece ser solucionado é a regressividade da nossa carga tributária. Exemplo: nossa tributação sobre o consumo pode chegar a 51% (segundo fontes seguras do Ipea), pois a carga tributária sobre ele é muito alta (PIS, Cofins, ISS, IPI, ICMS) e incide sobre a cadeia produtiva, abrindo-se brecha para simulações, sonegações e interpretações conflitantes entre contribuinte/Fazenda, o que desincentiva a circulação de riquezas, além de afetar a livre concorrência com práticas desleais entre contribuintes.
De resto, como a tributação vai no consumo, o cidadão que ganha menos tem a mesma carga tributária do que ganha mais. Um trabalhador que ganha um salário-mínimo, ou um pouco mais, tem uma carga de 51% da sua renda, pois praticamente tudo o que ele recebe serve mal e ineficientemente para o consumo. Já para aquele cidadão que consegue acumular riqueza, a sua carga tributária de 51% sobre os bens de consumo faz, portanto, uma pressão muito menor no seu bolso, provocando uma injustiça social. No final das contas, é uma questão de justiça tributária também.
Nosso sistema é injusto ao sobrecarregar a tributação no consumo, obrigando-se toda a cadeia produtiva a se onerar, o que seria desnecessário. O Fisco tem dado explicações no sentido de que, pela lei do menor esforço fiscal, ele, o Fisco, atinge o mesmo objetivo (dele), prejudica as empresas e não alivia o consumo, já que o empresário tenta repassar tais custos tributários, até mesmo com o aspecto oportunista de excesso (combustíveis, por exemplo).
Como esses problemas deveriam ser atacados pela Reforma Tributária?
Entendemos que neste momento deve haver três frentes: a simplificação tributária, o aumento da tributação da renda e a redução de incentivos fiscais. Não se pode esquecer que a segurança jurídica deve estar presente para os usuários.
Simplificação tributária: deve ser o primeiro e o norteador da proposta tributária. Vale ressaltar a unificação de tributos sobre o consumo. Redução da alíquota final sobre o consumo para algo em torno de 10% a 20% (uma alíquota média de 14%, 15% seria ideal) de forma a incentivar a circulação de riquezas por meio do consumo.
Aumento da tributação da renda: a renda no Brasil, de forma geral, possui baixa tributação. Aquela, sim, a real expressão de acréscimo de riqueza e, portanto, pode ser mais bem tributada, a fim de prestigiar a progressividade da tributação, ou seja, aqueles contribuintes que ganham/percebem mais pagariam mais.
Redução de incentivos fiscais: outro ponto que o Brasil precisa entender é que o benefício fiscal implica renúncia de receita, e, via de regra, transforma-se em lucro para aqueles contribuintes que usufruem dessa benesse. Sem falar que gera assimetrias econômicas do ponto de vista concorrencial.
Uma reforma tributária que apenas simplifique o sistema tributário brasileiro poderia ser considerada um avanço?
Entendemos que a simplificação no processo tributário é o principal ponto, o primeiro passo, mas não se pode pensar que seja o único. Na caminhada para a adoção de um sistema justo, simples, eficaz e que torne o Brasil um país atraente do ponto de vista de investimentos internos e internacionais, rumo ao pleno desenvolvimento e a uma economia pujante, é necessária a adoção de um modelo que possa ser avaliado e revisto de tempos em tempos. Vale lembrar que ações que fomentem a desburocratização, passando pelo compromisso com o não aumento da carga tributária, inclusive pela desoneração da folha de pagamento, são fundamentais. Outro ponto também muito relevante é o redimensionamento do tamanho da máquina pública para que o ajustes tributários sejam equivalentes.
É imprescindível termos um sistema tributário mais simples sobre o qual o contribuinte compreenda melhor e de forma transparente o tributo que está pagando e quanto ele está pagando. Hoje, esta informação torna-se encapsulada pela sistemática tributária via cadeia produtiva. É uma questão de cidadania fiscal. Ainda que não consiga mudar o sistema tributário regressivo atual, certamente a redução de obrigações acessórias, unificação de tributos, sobre o consumo, por exemplo, PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, será um grande avanço.
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