Três perguntas: como fica o reajuste de contratos de locação com IGP-M

2004
Valquírio Cabral Júnior (foto divulgação)
Valquírio Cabral Júnior (foto divulgação)

No mercado imobiliário brasileiro, o índice de reajuste de contratos de locação residencial e comercial é, na maioria dos casos, o IGP-M. Este índice tem apresentado um comportamento bastante agressivo nos últimos meses. No ano, o índice acumula alta de 16,75%. Nos últimos 12 meses, 31,12%. Ao mesmo tempo, o IPCA, pelo qual é calculada a inflação, está com um aumento de 5,67% em 2021 e de 9,68% nos últimos 12 meses.

Se um locador insiste em reajustar um contrato de locação residencial com o IGP-M nos atuais patamares, dependendo da situação do contrato, o locatário tem a opção de devolver e alugar um novo imóvel. Os custos envolvidos são infinitamente menores do que no caso de um contrato de locação comercial, principalmente se este envolver um shopping. Neste caso, o locatário tem que avaliar o investimento feito para colocar a loja funcionando (incluindo o pagamento das luvas), se ao menos a loja já se pagou, e se a entrega do imóvel envolve o pagamento de uma multa por rescisão antecipada. Também não podemos nos esquecer que o lojista, muito provavelmente, tem um contrato com uma franquia.

Esse problema não é simples, mas a insistência na aplicação do atual IGP-M pode afetar os resultados das próprias administradoras dos shoppings: aumento da inadimplência, aumento da provisão para devedores duvidosos, aumento da vacância do próprio shopping, perda de receita com aluguéis e aumento de despesa com o pagamento de condomínio das lojas fechadas. Cabe mencionar que algumas das administradoras possuem ações negociadas na B3 como a Aliansce Sonae (ALSO3), BRMalls (BRML3), Iguatemi (IGTA3) e Multiplan (MULT3). Dica: da próxima vez que você for a um shopping, analise quantas lojas estão fechadas e cobertas por tapumes.

Como essa é uma questão latente, e que vai recair principalmente sobre as lojas satélites e seus proprietários (as âncoras possuem maior poder de fogo para negociação), conversamos sobre a aplicação do atual IGP-M em contratos de locação com shoppings com Valquírio Cabral Júnior, dono de 24 lojas das marcas Arezzo, Lupo e Pandora, sendo 19 lojas delas em shoppings e 5 lojas de rua.

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Como você tem visto o atual contexto de reajuste dos contratos de locação com shoppings? Na sua opinião, estamos de fato vivendo uma retomada como se tem apregoado?

Uma boa parte dos shoppings tem negociado com os lojistas, até porque as vendas do varejo continuam abaixo do esperado. A maioria, principalmente os estabelecimentos regionais, entende que esse é o melhor caminho. Já os shoppings com atuação nacional estão impondo uma maior dificuldade aos lojistas, aplicando IGP-M integral, com raríssimos casos de negociação. Desta forma, o que está acontecendo é uma avalanche de pedidos para mudança do índice aplicado no reajuste, porque está insuportável.

Em junho, o IGP-M acumulado dos últimos 12 meses foi de 35,77%. Em julho, 33,84%, e agora em agosto, 31,12%. Como o lojista pode suportar um aumento desse em plena pandemia, em um mercado que ainda convive com quedas nas vendas de pelo menos 30%? É inadmissível concordar com reajustes na casa dos 30% sendo que existem outros índices mais compatíveis com a realidade do mercado. O IPCA acumulado, por exemplo, registrou 9,68%, enquanto a inflação deve ficar em torno dos 8%.

Conheço alguns centros de compras que estão dando 50% de desconto do IGP-M. Mesmo assim, uma taxa de quase 17% é absurdamente alta. Outros estabelecimentos estão dando 10% de reajuste, outros repassando 8%. Cada caso é um caso, mas os shoppings deveriam saber que dificilmente o lojista vai aguentar o tranco.

Na minha opinião, não estamos vivendo uma retomada econômica como se tem apregoado, mas sim uma reabertura do comércio sem as restrições que vigoravam. Portanto, ainda é muito cedo para se falar em retomada. Basta ver que os números do varejo ainda não atingiram os níveis de 2019, com raríssimas exceções. O setor de alimentação, por exemplo, começou a reagir agora e a expectativa é que o Natal deste ano seja melhor que o de 2020. O índice que melhor reflete a situação da população é a taxa de desemprego, que está quase em 15%. Esperamos que em 2022 a situação melhore. É esperar para ver.

 

Como um lojista deve proceder com o reajuste (contrato em vigência) e a renovação do seu contrato de locação (próximo ao término)? Caso a negociação administrativa não dê certo, o que ele deve fazer?

O reajuste ocorre a cada 12 meses. Já o contrato de renovação vence a cada 5 anos para a maioria dos lojistas. Para não perder o direito ao ponto comercial ou ter que pagar novamente luvas para o locatário ou shopping, o lojista deve demonstrar interesse em renovar o contrato bem antes do vencimento. Sugiro começar a negociação oito meses antes da data de vencimento pois, se não o fizer, o locatário ou o shopping poderá pedir a desocupação do imóvel ou novas luvas. Por isso, é importante não perder esse prazo. Lembre-se sempre de se manifestar por escrito, guardando o comprovante da notificação.

Caso o lojista queira renovar o contrato, mas entende que o aluguel está muito alto, ele também pode entrar com uma ação renovatória que vai demonstrar através de perícia que o aluguel está acima da média em relação ao mercado, ou ao que o lojista pode pagar. Como normalmente um contrato de locação comercial tem 60 meses, quando estiverem faltando 12 meses para a renovação, o lojista já pode entrar na justiça pedindo a renovatória.

Sobre o reajuste do valor do aluguel, quase 100% dos contratos são reajustados pelo IGP-M. O reajuste vence a cada 12 meses, e se o lojista considera o índice muito alto, como ocorre neste ano, recomendo não esperar o contrato vencer. Pelo menos dois meses antes, comece a conversar com o shopping. Envie um e-mail registrando que não vai ser possível pagar o reajuste e inicie as negociações pedindo desconto, antes do shopping emitir o boleto. Aliás, essa é a dica mais importante que eu dou para os lojistas que me procuram: não deixem emitir o boleto. Negocie sempre registrando por escrito, antes do mês de aniversário do reajuste! Isso porque, geralmente, os shoppings consideram boleto emitido como receita, logo, dificilmente eles voltam atrás.

Outra dica para os lojistas é: tenha sempre em mão a DRE (Demonstração do Resultado do Exercício), que nada mais é do que o demonstrativo dos resultados da sua loja. Caso tenha dúvidas, na internet existem programas gratuitos que ajudam a elaborar esse relatório. Junte a folha de pagamento, despesas, impostos, faturamento e mostre para o shopping, ou para seu locatário, o custo do seu dia a dia, reforçando que, com o aumento do aluguel em patamares acima da realidade, ficará muito difícil manter a loja aberta.

Sempre aconselho esgotar todas as possibilidades de negociação, mas se não chegar a nenhum acordo, o lojista pode entrar na justiça, onde a média de processos com êxito está em torno de 70%. Esse êxito não está atrelado necessariamente à mudança do índice para cálculo do valor do reajuste, mas sim um valor mais aceitável, que atualmente gira em torno de 7% até 10%.

Em último caso, se não conseguir acordo e o lojista verificar que é inviável manter a loja aberta, mude de ponto, saia do shopping ou vá para uma loja de rua. Não insista em um negócio que dificilmente você conseguirá manter! Muitos lojistas me procuram porque querem insistir no atual modelo de negócio, mesmo que para isso tenham que pedir empréstimos e se endividar. O problema é que as despesas não caem, e o faturamento não aumenta. Com isso, muitos se afundam em uma dívida impagável e perdem todo patrimônio que levaram uma vida inteira para construir.

 

Na sua opinião, quais são as perspectivas dos shoppings caso as administradoras insistam na aplicação do atual IGP-M? Para um lojista, uma loja de rua pode ser uma boa opção?

É difícil fazer uma previsão, mas os shoppings têm que rever suas políticas de preços, até pensando na sua própria sobrevivência. Sabemos que pequenos e médios lojistas representam aproximadamente 80% dos locatários dos shoppings. Nos últimos anos, o número de lojas nos centros comerciais caiu bastante, e a tendência é que este tipo de empreendimento perca cada vez mais importância no varejo até que se consiga um preço de aluguel, condomínio e fundo de promoção que impactem menos na lucratividade dos lojistas. Atualmente, tem lojista destinando 20% do seu faturamento só para despesas de ocupação (aluguel, condomínio e fundo de promoção). Dez anos atrás, essas despesas não ultrapassavam os 10%.

Portanto, lá na frente, os administradores de shopping terão problemas porque aumentará muito o número de lojas vazias e eles terão que arcar sozinhos com os custos de condomínio. Por isso, nesse momento, a opção mais inteligente seria optar pela negociação em vez de jogar duro com os lojistas.

Para o lojista, com certeza, a loja de rua pode ser uma boa opção. É uma tendência forte. Muitas lojas estão saindo dos shoppings e indo para as ruas. Das minhas 24 lojas, cinco estão na rua. Além da facilidade de você negociar o aluguel direto com o proprietário, existem vários imóveis nas cidades que oferecem estacionamento, além de climatização e segurança. Tudo isso a um custo bem menor que no shopping.

Lojas de rua também oferecem um serviço diferenciado. Não é difícil encontrar os próprios donos supervisionando o atendimento. É a volta do comércio de 40 anos atrás, mas com toda a tecnologia que a atualidade oferece. Com o crescimento do e-commerce, o cliente manda um WhatsApp querendo comprar determinado produto. Depois de 10 minutos, ele está na porta e recebe a mercadoria sem sair do carro. A loja de rua permite essa facilidade, e com isso a fidelização de clientes também é maior.

Outro ponto interessante que observei nas minhas lojas de rua é que o turnover (rotatividade) das funcionárias é menor, e isso é um diferencial importante, principalmente nessa época em que se investe muito em treinamento de e-commerce, tecnologia e novos produtos.

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