Três perguntas: e se não chover o suficiente nos próximos meses?

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Ilan Arbetman (foto divulgação Ativa Investimentos)
Ilan Arbetman (foto divulgação Ativa Investimentos)

O período de chuvas começa no Brasil no próximo mês, indo até março de 2022. A grande questão é: e se não chover o suficiente nos próximos meses? Tendo como referência esta indagação, conversamos com Ilan Arbetman, analista de research da Ativa Investimentos, sobre o que vai acontecer com o setor elétrico e a economia, quais setores serão mais impactados e sobre o que o Brasil deve fazer para não ficar mais exposto a uma nova crise como esta.

Segundo a Operador Nacional do Sistema Elétrico, o nível dos reservatórios no dia 19 de outubro se encontravam na seguinte situação: Subsistema Sudeste/Centro-Oeste, 17,33%; Subsistema Sul, 41,96%; Subsistema Nordeste, 36,75%, e Subsistema Norte, 51,88%.

Caso não chova nos próximos meses, o que vai acontecer com o setor elétrico e a economia?

Não é nenhuma novidade, mas hoje temos uma matriz mais robusta. Foi feito um grande investimento na parte de energia renovável, especialmente na energia eólica. Hoje nós temos uma complexidade maior de térmicas, com um número maior de possibilidades. Por exemplo, o número de térmicas a gás, que são menos danosas que as térmicas a carvão, cresceu. Além disso, nós também temos uma parte de usinas de biomassa. Isso nos ajuda a ter uma matriz mais diversificada. É importante fazermos uma menção honrosa a evolução do sistema de transmissão no país. Em 2000, nós tínhamos uma complexidade muito menor das nossas linhas, e mesmo assim nós tivemos eventos de estresse como o apagão.

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Dito isso, hoje, a capacidade do sistema em suportar uma fraca temporada úmida é bem mais forte. Nós temos visto nas próprias previsões que devemos chegar ao final do período seco, entre outubro e novembro, com os reservatórios no sudeste com a capacidade por volta de 15%, dependendo do nível de chuvas e da demanda que teremos. Esse é o grande ponto. Nós estamos ensaiando uma recuperação econômica, que pode ser vista nos balanços das empresas referentes ao segundo trimestre de 2021, havendo uma evolução natural da demanda. O grande risco é a crise fazer com que o governo tenha que pensar formas de frear, de ter controle sobre a demanda.

Caso não tenhamos um nível satisfatório de chuvas ao longo da próxima temporada úmida, que vai de novembro a março, nós veremos o governo formulando políticas de incentivo à economia de energia. Por exemplo, baixando as restrições e facilitando a entrada de consumidores no mercado livre ou facilitando as condições de acesso às fontes de produção individual, como a geração fotovoltaica distribuída, incentivando que mais pessoas ou pequenas empresas montem centros de geração. O que de fato teremos é a necessidade de termos mais ações pró-ativas nesse sentido.

Quais são os setores que deverão ser mais impactados?

Quando pensamos em consequências, o primeiro ponto é o impacto no PIB. Existe uma correlação muito grande entre a demanda energética e a geração de riqueza do país. De fato, nós vemos uma necessidade de se fazer um controle na demanda. Possivelmente, teremos um impacto na capacidade de geração de valor, o que é bem negativo.

Segundo, o Brasil tem uma dependência muito grande de commodities. Setores como óleo e gás, mineração e siderurgia são muito intensivos na utilização de energia e têm um peso muito grande no PIB. Caso não chova o suficiente nos próximos meses, teremos um impacto nesses setores.

Cabe fazer um comentário quanto ao setor de saneamento. Quando olhamos a estrutura do OPEX, o custo com energia é destacável, o que faz com este setor também fique no centro dessa crise. Isso se deve a duas razões: 1) pela própria crise hídrica, onde a escassez do recurso hídrico é ruim para o setor e 2) pela questão dos custos, havendo uma relação entre a parte de saneamento e o setor elétrico.

Na sua opinião, o que deve ser feito para que o Brasil não fique exposto novamente a uma situação crítica como esta?

Precisamos ter um planejamento melhor. Nós até tivemos uma expansão da oferta energética ao longo da última década. A questão é que se de um lado nós tivemos benefícios, como o maior número de eólicas e térmicas mais acessíveis, do outro nós continuamos desprezando as hidrelétricas com reservatórios, preferindo a construção de grandes empreendimentos a fio-d’água. Esse é o primeiro ponto.

Segundo, o plano decenal é o norte. Se queremos chegar a 2030 com uma maior dependência de fontes alternativas e uma menor dependência hidrelétrica, precisamos cumprir as determinações do plano. A forma mais direta do governo lidar com energia é via leilões. Nós temos visto alguns leilões de energia em 2021, e eles devem continuar ao longo dessa década. Não há dúvidas de que precisamos diminuir a nossa dependência de fontes hidrelétricas e aumentar o nosso acesso à fontes alternativas como solar e eólica. Esse é o principal ponto. Foram feitos avanços ao longo das últimas décadas, mas, por exemplo, quando tivemos a principal crise em 2000, nós tínhamos uma dependência hídrica que beirava os 90%. Em 2014, isso já era menor, com um pouco mais de 70%. Hoje está na casa dos dois terços. Houve uma queda, mas a nossa dependência hidrológica segue.

É preciso que sejam encontrados caminhos para minimizar essa dependência, mas sem onerar o custo da energia. Esta pergunta dialoga muito com a segunda, quando pensamos nos setores que podem ser prejudicados. Aumentar o custo da energia no país é aumentar o custo Brasil. É tornar mais difícil a vinda de investimentos e o atingimento do país que todos queremos. Planejar e executar bem o planejamento feito é o passo fundamental para que não tenhamos novas crises como essa no futuro.

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