Estamos chegando ao final de 2021 com a impressionante deterioração da economia brasileira ocorrida no segundo semestre deste ano. Agora é olhar para 2022, ano de eleição presidencial. Conversamos com Cecilia Machado, economista-chefe do banco Bocom BBM, sobre o que aconteceu com a economia neste trimestre; a Selic de 11,25% esperada para 2022 (último boletim Focus) e seu impacto no risco fiscal; e as expectativas do banco para o próximo ano.
Tendo como referência os boletins Focus, no início do ano as expectativas para 2021 eram de um IPCA de 3,32%, um crescimento do PIB de 3,4%, uma taxa de câmbio de R$ 5 e uma Selic de 3%. Hoje, as expectativas são que 2021 feche com um IPCA de 10,18%, um crescimento do PIB de 4,71%, uma taxa de câmbio de R$ 5,56 e uma Selic de 9,25%. O que aconteceu com a economia, principalmente no segundo semestre? Quais são as lições que podem ser tiradas desse processo?
O segundo semestre foi marcado por muitos choques externos relacionados à recuperação dos países desenvolvidos no pós-Covid. Do ponto de vista de crescimento, a economia brasileira se favoreceu do excelente desempenho do setor externo e da melhora dos termos de troca, com o aumento da demanda (e preço) das commodities que exportamos, como minério de ferro e soja.
Com relação a inflação, já era esperado que o processo de reabertura fosse acompanhado por uma inflação mais elevada, especialmente quando o setor de serviços e o mercado de trabalho se recuperassem, mas o que se viu foi também uma enorme ruptura nas cadeias de suprimento e gargalos na produção e distribuição de insumos e bens. Com estímulos fiscais generosos, muitas famílias conseguiram sustentar o consumo, o que adicionou ainda mais pressão à inflação pelo lado da demanda.
Tivemos também a crise energética nas economias desenvolvidas, que se refletiu no preço de commodities energéticas como petróleo e carvão. No Brasil, a crise energética foi adicionalmente alimentada por mudanças climáticas e níveis de reservatórios preocupantemente baixos para a geração das hidrelétricas.
Em conjunto, 2021 foi marcado por uma sucessão de choques que detonaram um processo inflacionário que se alimentava em várias frentes: da recuperação econômica interna e de um setor externo favorável, de um câmbio que se manteve depreciado por conta do risco fiscal, e de uma sucessão de choques de oferta, como rupturas nas cadeias produtivas e crise energética.
Soma-se a este cenário o fato de termos iniciado todo processo de recuperação praticando taxas de juros extremamente baixas, o que tornou o processo inflacionário no Brasil muito superior ao que se viu no resto do mundo, e que agora exige uma política monetária muito mais restritiva.
A situação fiscal está sob controle? A expectativa da Selic para 2022 é de 11,25%. Caso esse número se confirme, como ele impactará o risco fiscal?
O cenário adiante segue desafiador, já que as expectativas de inflação para 2022 descolaram do centro da meta, e há riscos de desancoragem. Neste caso, o fim do ciclo pode exigir taxas terminais ainda mais elevadas, em torno de 12-13%. Por outro lado, a regularização das cadeias produtivas e a normalização do preço das commodities energéticas são forças que atuam na direção oposta. Em todo caso, a manutenção de uma taxa de juros no patamar de 11% por muito tempo compromete a sustentabilidade fiscal principalmente através de um maior serviço da dívida.
Qual a avaliação do banco para a economia em 2022? Quais são os principais pontos de atenção para o próximo ano?
Nosso cenário para 2022 é de um crescimento de 0,7%, uma inflação de 5% e uma taxa Selic de 12%. São três os principais pontos de atenção: dois do cenário externo e um do cenário doméstico.
Primeiro: há incerteza sobre a recuperação da economia global, especialmente sobre os impactos da desaceleração da economia chinesa na atividade de países emergentes, como o Brasil, já que a China é seu principal parceiro comercial.
Segundo: a política do Fed e demais bancos centrais irá ditar a severidade do aperto de liquidez internacional e a eficácia no combate à inflação, que roda elevada também nos países desenvolvidos.
Terceiro: temos em 2022 um cenário de eleição bastante polarizado, para o qual ainda não conhecemos a agenda de governo e os quadros da equipe econômica. Será importante monitorar o posicionamento dos candidatos com relação à disciplina fiscal e às reformas que ainda não conseguiram avançar, como a administrativa e tributária.
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