Conversamos com Luis Antonio Paulino, diretor do Instituto Confúcio na Unesp, sobre a adaptação de profissionais brasileiros ao estilo de gestão chinês.
No próximo dia 6, o Instituto Confúcio promoverá a quinta edição da Feira de Recrutamento de Empresas Chinesas no Brasil, onde mais de 100 postos de trabalho serão oferecidos.
Como um profissional brasileiro deve se adaptar a uma gestão chinesa?
No caso das empresas chinesas que estão investindo no Brasil, você tem duas situações diferentes. A primeira são as empresas chinesas que adquirem empresas locais. Nesse caso, para o funcionário brasileiro não muda muito. A questão é para os chineses que vierem e que terão que se adaptar à forma de funcionamento da empresa brasileira que foi comprada. Isso ocorreu em várias situações, como no caso da CPFL.
No caso de uma empresa chinesa que venha para o Brasil fazer um investimento greenfield, ou seja, a partir do zero, eu acredito que a questão do funcionário brasileiro se adaptar à cultura de trabalho chinesa é mais relevante.
Nós temos sido procurados por empresas chinesas operando no Brasil para falar com os funcionários sobre como funciona a cultura chinesa, e também o contrário, para falar sobre como funciona a cultura brasileira para as empresas chinesas.
Quais são as principais diferenças entre a cultura empresarial brasileira e a cultura empresarial chinesa?
Existem alguns aspectos bem diferentes e outros nem tanto. Normalmente, quando se analisa a questão de culturas se usa a qualificação de cultura de alto contexto e cultura de baixo contexto.
Nas culturas de baixo contexto, a comunicação pesa pouco. Se você quer dizer alguma coisa, você tem que dizer explicitamente o que está querendo. Se você manda uma mensagem, você tem que mandar uma mensagem completa. As culturas americanas e alemãs são exemplos de baixo contexto. Se você fizer uma pergunta para um americano ou um alemão, ele não tem problema em dizer “não”.
Já nas culturas de alto contexto, o contexto da comunicação pesa muito. Se usa muito meias palavras ou palavras de sentido dúbio, onde as expressões e os gestos também contam. Essas são culturas onde o contexto da comunicação é, às vezes, até mais importante do que você está dizendo. Você pode estar dizendo um “sim”, mas a sua cara, os seus gestos e a sua postura estão dizendo “não”. Nesse aspecto, a cultura chinesa é bem parecida com a brasileira. As duas são culturas de alto contexto de comunicação.
Com relação à cultura empresarial, de fato existem diferenças importantes na relação do funcionário com a empresa. No Brasil, assim como em outros países, se separa muito a relação pessoal da relação de trabalho. O fato de você trabalhar com algumas pessoas não significa que você tenha que desenvolver relações pessoais.
No caso da China, é um pouco diferente. A questão das relações pessoais pesa muito dentro nas relações de trabalho. Mesmo na hora de fazer negócios, isso também pesa. Por exemplo, no Brasil, se você vai fazer um negócio, isso geralmente resulta na assinatura de um contrato para fechar um negócio. No caso da China, dificilmente você vai fechar um negócio da forma como fazemos no Brasil, seguindo meramente as formalidades. Lá, as pessoas tentam estabelecer algum tipo de relação mais pessoal antes.
Quando viajamos para a China para algum evento, geralmente os chineses oferecem um almoço ou jantar para estabelecer uma relação de proximidade pessoal antes de conversar sobre negócios. Na hora em que eles forem tratados, a conversa parte de outro patamar. Não são mais dois estranhos negociando friamente, e sim duas pessoas que já se conhecem e que tomaram uma cerveja. Essas são sutilezas importantes e que pesam.
Por conta dessas características, nas empresas chinesas se estabelecem vínculos afetivos entre as pessoas e com a própria empresa, maiores dos que estabelecemos aqui. Existem relatos de demissões de gerentes em que toda a equipe teve que ser demitida junto, pois os funcionários que ficam têm dificuldades em trabalhar com o novo gerente, já que foram estabelecidos vínculos muito fortes com o gerente anterior.
Às vezes, um negócio não dá certo nem tanto pela sua inviabilidade econômica ou financeira, mas pela incompreensão desses códigos culturais. A compreensão mútua da cultura é fundamental quando se trabalha com equipes multiculturais. O jeito de uma cultura operar pode parecer rude para outra, e isso pode levar a desentendimentos por questões subjetivas, e não objetivas.
No aspecto cultural, os brasileiros têm uma vantagem. Como nós não somos uma cultura etnocêntrica, ou seja, nós não achamos que o nosso jeito de fazer é o único certo, nós temos mais facilidade para nos adaptarmos a outras culturas, diferente do americano ou do alemão, que como pertencem a culturas etnocêntricas, têm dificuldade em achar que alguma coisa que não é feita do seu jeito está certa. Isso acaba gerando conflitos e mal-entendidos. É por isso que os executivos brasileiros, geralmente, se dão muito bem em empresas multinacionais.
Quanto tempo um brasileiro demora para desenvolver um mandarim de boa qualidade de forma a se relacionar profissionalmente com um chinês?
É difícil responder essa pergunta de forma bem simples. No Instituto Confúcio, nós organizamos o curso de língua chinesa em três níveis (básico, intermediário e avançado), sendo que cada nível está dividido em três módulos de um semestre. Assim, para um aluno chegar ao nível avançado, ele demoraria quatro anos e meio, com três horas de aula por semana. A expectativa é que ao final desse período, a pessoa tenha um domínio razoável de comunicação na língua, podendo se comunicar por questões básicas e ler textos simples.
Agora, isso pode ser acelerado. Nós oferecemos para os nossos alunos a possibilidade de ficarem seis meses ou um ano na China. Essa imersão acelera muito o processo de aprendizado.
Uma coisa interessante é que nós temos alunos que chegaram quase falando mandarim sem ter frequentado uma escola, apenas estudando pela internet. Isso depende muito do esforço pessoal.
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