Conversamos sobre etanol com Luciano Rodrigues, diretor de economia e inteligência setorial da UNICA (União da Indústria de Cana de Açúcar).
Como se dá a definição de preço do etanol? A sua produção depende apenas dos produtores?
A produção de etanol é realizada por cerca de 350 plantas e, diferente do que acontece no setor de petróleo, nenhum produtor, individualmente, consegue definir o seu preço de venda. O valor praticado na bomba depende das condições de oferta e de demanda observadas no mercado, as quais são influenciadas pelas condições climáticas, tributos sobre os combustíveis, preço da gasolina, margens de comercialização na distribuição e revenda, e custos de transporte, entre outros inúmeros aspectos.
A produção de biocombustível, de qualquer um deles, também depende de fatores que não estão sob controle do produtor. Temos componentes que afetam diretamente a produção, como é o caso do clima e das condições biológicas do processo produtivo. Em 2021, por exemplo, observamos uma queda próxima a 80 milhões de toneladas de cana-de-açúcar na oferta da região Centro-Sul. Foi uma quebra de safra histórica e não prevista, promovida especialmente pela falta de chuva.
Apesar dessa retração de oferta, o suprimento de etanol não apresentou nenhum problema. A estrutura regulatória existente para atendimento do nível de mistura de etanol anidro na gasolina e a presença da frota flex-fuel oferecem uma condição diferenciada ao mercado nacional. Temos uma estrutura eficiente e a possibilidade de escolha do consumidor a cada abastecimento. Essa é uma situação única no mundo, incorporando maior competição ao mercado, garantindo menor preço ao consumidor e menor nível de poluição e emissões de gases de efeito estufa.
Uma usina pode deixar de fazer etanol para fazer açúcar?
Atualmente, o Brasil produz cerca de 30 bilhões de litros de etanol por ano. Aproximadamente 20% da produção de etanol de cana-de-açúcar é realizada por empresas que só fazem etanol, que são as destilarias. Outros 3,5 bilhões de litros de etanol são produzidos pela indústria de etanol de milho. As demais, que fazem açúcar e etanol, definem a quantidade fabricada de cada produto de acordo com a capacidade de produção das fábricas, com a qualidade da cana-de-açúcar colhida, com as condições operacionais do processo e com os preços das duas commodities, observando eventuais contratos de fornecimento já fechados.
Na prática, as empresas que fazem açúcar e etanol podem, em média, migrar menos de 20% da cana-de-açúcar processada no país entre a produção de açúcar e etanol. Em outras palavras, mesmo nas empresas que produzem os dois produtos, a migração entre um e outro é bastante restrita e se dá para uma parcela reduzida da cana-de-açúcar moída.
Como está o setor atualmente e qual deveria ser a visão estratégica do Brasil com relação ao etanol?
Nas últimas duas décadas, o setor passou por movimentos bruscos e antagônicos. A partir de meados dos anos 2000, se observou um crescimento exponencial da produção, com a criação de inúmeras usinas no País. A partir da crise financeira mundial em 2008, a política de congelamento dos preços dos derivados no mercado interno e o elevado nível de endividamento de parte das empresas gerou uma das maiores crises da indústria. A partir desse período, mais de 100 usinas foram fechadas e inúmeros grupos entraram em processo de recuperação judicial.
Atualmente, temos uma situação muito melhor. O setor sucroenergético se reestruturou, os investimentos para otimização da produção são crescentes e a estrutura de gestão e governança das empresas foi aperfeiçoada. Além disso, a indústria passou a vivenciar um mercado com regras mais transparentes na formação doméstica de preços dos derivados e a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) foi aprovada.
Trata-se de um Programa com potencial de ampliar a previsibilidade acerca do papel dos biocombustíveis na matriz energética nacional, garantir estímulos para ganhos de eficiência energética-ambiental da produção e, de quebra, permitir que os benefícios ambientais dos biocombustíveis sejam precificados por meio de um sistema de mercado, com a comercialização dos créditos de descarbonização (CBios) pelos produtores.
Hoje, cerca de 90% da produção de etanol está certificada no RenovaBio e, na onda da energia de baixo carbono, o setor está muito bem-posicionado ofertando etanol com pegada de carbono auditada.
Nos próximos anos, vamos aumentar a eficiência produtiva com menor consumo de insumos, com ganhos de produtividade e com a ampliação dos energéticos oferecidos pela indústria, incluindo a bioeletricidade, o etanol de segunda geração, o biogás e o biometano, entre outros.
Com relação à visão estratégica, no mundo da energia sustentável de baixo carbono, o Brasil possui um potencial enorme que pode ser explorado. Temos diferentes opções energéticas que podem ser combinadas com os combustíveis fósseis de forma a oferecer renda, emprego, eficiência, garantia de suprimento e menores emissões de poluentes e de gases de efeito estufa.
Os biocombustíveis certamente são parte dessa solução. No caso do setor sucroenergético, estamos falando de etanol de cana, etanol de milho de segunda safra, etanol de segunda geração, bioeletricidade, biogás, biometano e combustíveis sustentáveis de avião. Temos um leque de opções que podem ser combinadas com diferentes soluções tecnológicas no campo da mobilidade e no setor industrial, entre outros.
Entendo que o RenovaBio foi um passo muito importante de visão estratégica. Na área da mobilidade, precisamos criar estímulos para soluções que entreguem menor emissão de gases de efeito estufa por quilômetro rodado, independente do pacote tecnológico adotado. Temos condição de avançar muito com o uso do etanol e a bioeletrificação. Essa é uma opção que pode ser adotada por vários países ao redor do globo. A Índia, por exemplo, anunciou que vai antecipar o aumento da mistura de etanol na gasolina para reduzir a poluição local das grandes metrópoles, que é um problema sério naquele país.
Vamos observar diversas transformações ao longo dos próximos anos e é temerário qualquer tipo de aposta em uma única solução nos diferentes setores da economia. O mundo vai precisar de múltiplas soluções tecnológicas e energéticas para fazer frente ao desafio do aquecimento global. Teremos opções distintas adaptadas às condições de cada região. Os ganhos de eficiência econômica e ambiental também serão decisivos, prevalecendo aquelas opções com menor custo e menor emissões de GEE. Qualquer visão estratégia pública ou privada precisa incorporar essas diretrizes associadas à macrotendência mundial da descarbonização.
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